Não festejar o Natal
precisamente na cidade onde – segundo a tradição cristã – nasceu Jesus? O
paradoxo é enorme, mas não tão grande como a tristeza e a dor que pairam nas
ruas de Belém, na Cisjordânia, e que se revelam nos semblantes dos poucos que
as percorrem. “Belém, como qualquer outra cidade palestiniana, está de luto e
triste… Não podemos comemorar enquanto estivermos nesta situação”, afirma Hanna
Hanania, presidente da câmara cessante. O município decidiu, assim, cancelar os
eventos de Natal e retirar todas as decorações da cidade. Unindo-se ao apelo dos Patriarcas e Líderes das Igrejas em Jerusalém,
Hanania pede a todos que se concentrem na oração: “Rezaremos a Deus para que
haja paz na terra da paz”.
Assim, a Praça da Manjedoura
não terá a habitual árvore de Natal gigante, que no início do Advento atraía
milhares de pessoas para assistir à sua iluminação, e as decorações que já se
encontravam montadas no centro da cidade estão agora a ser retiradas, como dá
conta a jornalista Marinella Bandini, numa reportagem publicada este domingo, 26, pela
Catholic News Agency (CNA).
A poucos passos da Basílica da Natividade,
as persianas de quase todo o comércio local estão corridas. São, na sua
maioria, lojas de souvenirs e
artesanato local, que sem peregrinos não têm clientes. Desde o início da
guerra, os principais pontos de entrada na cidade foram fechados e a deslocação
entre diferentes cidades palestinianas é muito difícil devido aos postos de
controlo e às estradas bloqueadas. A produção também parou: não é prudente
assumir custos sabendo que a época do Natal – normalmente a mais movimentada na
cidade – está perdida.
Num ano em que se esperava
“um pico” de visitantes, particularmente vindos dos Estados Unidos da América,
a guerra mudou tudo. Das 15 mil pessoas que trabalhavam no setor do turismo, 12
mil estarão agora desempregadas. “Posso estimar que 90% delas são cristãs”,
adianta Majed Ishaq, diretor-geral do departamento de marketing do Ministério
do Turismo e Antiguidades da Palestina, à CNA.
Lina Canavati é cristã, mas
não trabalha na área do turismo: é assistente social num hospital pediátrico da
cidade, e explica que os poucos que chegam ao hospital “não têm dinheiro para
pagar”, embora se trate de uma instituição caritativa e as taxas sejam
simbólicas. Além disso, acrescenta, “há famílias que vêm pedir apoio
financeiro”.
O Natal aproxima-se, assim,
“com tristeza, dor e sofrimento”, lamenta Lina. E até mesmo nas famílias que
não estão a atravessar dificuldades financeiras, “os pais têm vergonha de
comprar presentes para os filhos, quando muitas famílias não conseguem suprir
as necessidades básicas deles”.
Contrastando com as ruas
quase desertas, a igreja latina de Santa Catarina, ao lado da Basílica da
Natividade, tem estado cheia, em sinal de que os apelos dos Patriarcas e
Líderes das igrejas em Jerusalém e da presidente da câmara foram ouvidos.
Missa pela paz na Terra Santa,
na paróquia latina de Santa Catarina, em Belém, no passado dia 22 de outubro.
Foto © Paróquia de Santa Catarina.
“Estamos a aproximar-nos do tempo do
Advento”, disse à CNA o pároco de Belém, padre Rami Asakrieh. “Decidimos
concentrar-nos mais no significado do Natal do que em mostrá-lo, pelas roupas
ou pelas festas e mercados. Todas essas coisas são lindas, mas não são
o verdadeiro significado do Natal”.
Lina acrescenta que, aconteça
o que acontecer, os cristãos que vivem na Terra Santa não
desistirão de celebrar o nascimento de Jesus Cristo “porque é isso que traz
esperança” às suas vidas. “Acredito que o maior presente que Deus nos deu é o
dom da esperança e com o Natal alimentamos esta esperança nos nossos corações”.
Mesmo no meio de uma guerra que, apesar do cessar fogo vivido por estes dias,
não tem fim à vista.