quarta-feira, 22 de novembro de 2017

CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2018: SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA


Em entrevista  a  Revista da CNBB bote fé,  o Dr. Robson Sávio, doutor em Ciências Sociais  e integrante da Rede de assessores do Centro fé e Política da CNBB que trabalhou na elaboração do texto base  da campanha da fraternidade destacou que é necessário uma maior participação da sociedade na eleboração de políticas publicas e   tendo novas atitudes nas relações interpessoais.
 Bote fé: No texto base da CF 2018 vocês falam de uma violência multifacetada e epidêmica que faz parte da história do país. Multifacetada e epidêmica? O que estas expressões dizem sobre a natureza da violência em nosso país?
 Dr Robson:O Brasil é uma sociedade injusta, excludente e extremamente desigual que exibe uma democracia sem cidadania. Injustiça, exclusão e desigualdade são fatores que geram múltiplas formas de violência. A fome, o desemprego, a falta de moradia, de políticas públicas de proteção e promoção de direitos são tipos de violência que afetam a dignidade humana.
Apesar de ser a oitava maior economia mundial, é o décimo país mais desigual do mundo, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano, de 2016, elaborado pela Organização das Nações Unidas. Em relação à violência letal, por exemplo, os números apontados pelo Mapa da Violência 2016, mostram que, no Brasil, cinco pessoas são mortas por arma de fogo a cada hora. A cada único dia são 123 pessoas assassinadas dessa forma.
Por ano, quase 60 mil brasileiros são assassinados. A maioria pobres, negros, jovens e moradores da periferia. É uma violência seletiva. Não atinge a todos. No Brasil, há locais mais seguros que a Europa e mais violentos que a Síria.  Talvez, por isso, a violência letal não apareça como um escândalo que clama aos céus, para muitos segmentos da sociedade e dos governos.
Essas cifras revelam que, no Brasil, ocorrem mais mortes por arma de fogo do que nas chacinas e atentados que acontecem em todo o mundo. Contam-se mais homicídios aqui do que em diversas das guerras recentes.
A violência se torna o fio condutor da forma como se realiza a sociabilidade, isto é, a forma como uma pessoa interage com as demais em um certo grupo social
Bote fé: Os episódios de violência intensificaram-se e, ao que parece, tornaram-se comuns também em médios e pequenos centros urbanos, deixando de ser um fenômeno típico das grandes metrópoles. O que explica esta realidade?
Dr. Robson: Se antes a violência era um problema relativo às grandes cidades, em tempos recentes, numerosos fatores fizeram com que a violência chegasse também aos médios e pequenos municípios. Além disso, ela se disseminou por todo o território nacional, de modo que – apesar das variações regional ou local em sua intensidade – a violência é hoje um problema em todo o país. O incremento da violência pelo interior do país é determinado por múltiplos fatores, dificilmente redutíveis a uma causalidade única. Entretanto, não há como ignorar a influência do contexto socioeconômico na geração da violência.
dados disponíveis permitem afirmar que o sistema de segurança pública e de justiça criminal é ineficaz. Com o aumento da criminalidade a partir da década de 1980 foi-se consolidando um contexto em que a impunidade, a maior procura por drogas ilícitas e a maior disponibilidade de armas de fogo formaram o ambiente no qual se deu o crescimento dos homicídios e de outros crimes contra a pessoa e contra o patrimônio.
Ao invés de se rediscutirem o funcionamento e os objetivos do aparato estatal de segurança e justiça criminal para lidarem com a prevenção e o combate à violência urbana, assistiu-se ao incremento da indústria de armas de fogo, a medidas paliativas oi pontuais na gestão da segurança pública e à ascensão da indústria da segurança privada. É nesse contexto que se espraiou para todo o país a criminalidade violenta.
Se antes a violência era um problema relativo às grandes cidades, em tempos recentes, numerosos fatores fizeram com que a violência chegasse também aos médios e pequenos municípios.
Bote fé:Numa mesma cidade, encontramos oásis de paz e tranquilidade e territórios marcados por extrema violência. Que fatores definem estes espaços de paz e de guerra?
Dr. Robson: Pelo menos três fatores são fundamentais para definir esses espaços de paz e de guerra. O primeiro deles é a ação (ou omissão) do poder público. Nos locais onde o Estado deveria estar mais presente, como nas periferias das grandes cidades, observa-se uma quase ausência das políticas de proteção, promoção e defesa de direitos deixando tais territórios e seus moradores, muitas vezes, entregues a grupos armados e a toda a sorte de violência e desordem social.
Por outro lado, em áreas nobres, a presença do poder público se faz de múltiplas formas, garantindo direitos dos cidadãos e protegendo o patrimônio das elites. O segundo ponto que demarca a ocorrência da paz ou da guerra está relacionado ao poder do dinheiro. Quem pode pagar por segurança privada tem uma série de privilégios dentro do espaço urbano negados à maioria dos cidadãos que não possuem recursos financeiros. É dessa forma que a segurança deixa de ser direito e torna-se privilégio.
Um terceiro ponto diz respeito ao tratamento seletivo dado pelos órgãos públicos, dos três poderes, em relação à garantia de direitos, como o acesso à Justiça. Quem tem condições de pagar “bons” advogados, por exemplo, tem tratamento diferenciado. Nesse sentido, o viés étnico-racial e socioeconômico é fator preponderante para proteção ou exposição à violência.
Também as interações sociais que acontecem no espaço público da política e do aparato de Estado, por vezes, tornam-se violentas. Isso ocorre quando, ao invés de se pautarem pela equidade e a observância universal das leis consensualmente estabelecidas, as relações se pautam pela dissimetria de poder. Determinadas pessoas tiram benefício privado a partir de recursos que deveriam ser, por definição, públicos. Esse modo de funcionamento privatista das instituições da sociedade torna-se um forte gerador de diversas formas de violência.
“O modo de funcionamento privatista das instituições da sociedade torna-se um forte gerador de diversas formas de violência”
Bote fé:Como se manifesta a violência institucional no Brasil?
Dr. Robson: Diferentemente das formas de violência direta, existem outras que não se configuram como um fato ou evento remissíveis a um ou mais agressores que causem um dano claramente definido a outra pessoa ou a outras pessoas. Nesse caso, embora não se possa isolar e identificar claramente o agressor, persiste a agressão ainda que perceptível somente de forma indireta. Não se trata de um evento isolado, mas de um processo que acaba gerando dano a um segmento social, mesmo que, eventualmente, não se possa discernir explicitamente a intenção de produzir tal dano.
Apesar de ser mais difícil caracterizá-la, a violência no Brasil está relacionada a modelos de organização e a práticas sociais que alcançam um nível institucional e sistemático de produção e perpetuação de modos de vida violentos. Não é, portanto, apenas nas interações cotidianas que a violência transparece. Ela permeia também as instituições sociais. De fato, historicamente, o próprio Estado brasileiro age, através dos séculos, de modo a reiterar situações geradoras de violência, sobretudo no que tange à desigualdade e à exclusão.
Exemplificando a correlação entre violência e contexto social, econômico e político, vários estudos associam o aumento da violência letal – ou seja, a violência que gera morte – ocorrido na década de 1980, com a crise socioeconômica vivida naquele período. O processo inflacionário e a consequente corrosão dos salários implicaram perda de rendimentos principalmente para os mais pobres. Como resultado, aumentou expressivamente a desigualdade social.
Não se trata de uma relação linear de causa e efeito. O incremento da violência é determinado por múltiplos fatores, dificilmente redutíveis a uma causalidade única. Entretanto, não há como ignorar a influência do contexto socioeconômico na geração da violência.
“A violência no Brasil está relacionada a modelos de organização e a práticas sociais que alcançam um nível institucional e sistemático”
Fonte: Revista Bote fé da CNBB,

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