Longa conta com Daniel de Oliveira conta história de professor acusado de
pedofilia
Ainda em cartaz, o filme Aos Teus Olhos, de Carolina Jabor, toca numa
ferida bastante atual: a perseguição e o linchamento virtual em tempos de redes
sociais. Mais do que isso, o longa alerta para os riscos da condenação sumária
no que se tornou (citando uma canção de Tom Zé) “o tribunal do Facebook”.
Em mais uma boa interpretação de Daniel de Oliveira, Rubens é um professor
de natação atento e carinhoso com os seus alunos. Entre eles, Alex (Luiz Felipe
Mello), passa a exigir um cuidado maior. Filho de pais separados (e
estressados), o garoto demonstra comportamento irascível e até agressivo. Num
dos diálogos com um colega de academia, Rubens chega até a reclamar que os pais
na verdade bagunçam a cabeça das crianças.
Alex termina uma competição em segundo lugar e fica triste com o resultado,
visivelmente sob pressão do pai. Na sequência, o menino arruma uma briga com o
vencedor da prova no vestiário e o professor Rubens, de forma muito cuidadosa,
surge para apartar. Contrariado, o jovem tem de apertar a mão do outro garoto.
Na aula seguinte, o pai de Alex (Marco Ricca, sempre em atuações
extremamente competentes) aparece na diretoria da academia com uma acusação
grave. Ele diz que o professor teria beijado Alex na boca, no vestiário, um dia
antes da competição. Além disso, ele ainda questiona a orientação sexual de
Rubens, como se, caso fosse homossexual, ele se tornaria mais propenso a
cometer um ato de pedofilia, o que não faz o menor sentido.
Pressionada e aturdida, a professora pede que
ele se retire e reúne coragem para apurar o fato, o que vai incluir uma
conferida nas câmeras de segurança da piscina e uma pressão sobre o próprio
Rubens.
Mas antes que o fato seja devidamente investigado, a mãe do menino se
exalta e posta um textão em uma rede social, incluindo a frase: “Temo que
estejamos com um profissional PERIGOSO a cargo de nossos filhos”. A câmera
mostra o número de likes e compartilhamentos viralizando. É tudo que precisa
para que se instaure um clima de histeria coletiva entre os pais dos alunos e
que a vida do professor Rubens seja virada do avesso.
Um dos grandes méritos do roteiro (de Lucas Paraiso, coautor do
fantástico Gabriel e a Montanha) é que não é mostrado o diálogo entre o
jovem e seus pais, deixando com que o espectador seja confrontado com os
próprios preconceitos. Ao longo do filme, Rubens confessa ter dado um beijo
carinhoso na bochecha de Alex, e como não vemos a fala do menino, ficamos sem
saber se ele de fato especificou que a carícia teria sido na boca ou se isso
foi presumido pelos seus pais, que não demonstram a menor estabilidade
emocional.
Ainda que o garoto tivesse relatado isso, fica claro no filme que ele tem
rancor pelo professor e uma acusação desse tipo seria uma maneira eficiente de
não ser obrigado a ir na natação.
Em todo caso, tratando-se de uma democracia, onde a presunção de inocência
é garantida constitucionalmente, o professor teria no mínimo de ser julgado, de
preferência com provas materiais, antes de ser julgado. Mas, como tem sido
comum na era da pós-verdade, em que informações não necessariamente verídicas
são veiculadas pela internet, jogando com o medo das pessoas, a queixa da mãe
do garoto engatilha o sentimento de cólera entre todos que de alguma forma
participam daquela academia. O que também não é difícil compreender,
principalmente para quem tem filhos.
Com sutileza e ambiguidade, o filme resvala numa ferida aberta dos tempos
atuais: o quão bem fundamentados são nossos posicionamentos? Quanto há de
preconceito na forma como enxergamos o outro? Acreditamos nas coisas com base
em evidências ou simplesmente porque queremos acreditar? São todos
questionamentos que cabem ao espectador.
Fonte: Aleteia.org.br
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