segunda-feira, 25 de junho de 2018
MENINAS ENTRE GRADES, NA AMERICA
Deportadas
dos EUA sem que os pais soubessem, três irmãs salvadorenhas encontram-se presas
numa Casa do Migrante na Guatemala. Essa história de horror é apenas uma entre
milhares
Por Celio
Turino | Imagem: Philemona Williamson
As
imagens das crianças filhas de imigrantes nos EUA, arrancadas de seus pais e
enjauladas pelo governo, estão chocando o mundo. Mas as histórias que relato em
meu livro mais recente, Cultura a unir os povos – a arte do encontro, são
de uma perversidade civilizatória ainda pior. Em minhas viagens pela América
Latina, deparei com várias histórias de horror. De todas as que contei, a que
vi na Guatemala foi das que mais me tocou. Ela trata da expulsão de crianças
apátridas, sem que os pais sequer possam saber para onde foram levadas. Isso
acontece há anos, desde antes do governo Trump, e com milhares de crianças.
“Beatriz
Sandoval e Ronald Carrillo formam um casal e, juntos, dirigem a Escola Frida
Kahlo para ninõs y niñas pintores, na Cidade da Guatemala; conheceram-se
na faculdade de Belas Artes e, ao se formarem, ela foi trabalhar como
professora em um colégio tradicional e ele como cenógrafo no Teatro Nacional.
Com o tempo perceberam que não era isso que desejavam para suas vidas e
deixaram os empregos, passando a trabalhar com a capacidade curativa da arte.
“Para
além da Escola de Artes, ‘começaram a meter o nariz nas Casas dos Migrantes’.
Estas Casas foram formadas para receber centro-americanos, de nacionalidades
diversas, deportados dos EUA. Por acordo com os Estados Unidos, a Guatemala
recebe deportados em guarda provisória, mesmo que não tenham nascido no país,
em um mecanismo jurídico bastante questionável, que deixa as pessoas em um
limbo de nacionalidade. Em uma destas casas o casal encontra três irmãs, uma
com nove, outra com oito e a menor, com seis anos de idade, nascidas nos EUA,
mas filhas de salvadorenhos não documentados, que seguem sem nacionalidade
alguma. As irmãs foram capturadas quando estavam sozinhas, perambulando na rua,
entre travessuras e brincadeiras de crianças, como tantos bilhões de crianças
já o fizeram e o fazem. Por estarem desacompanhadas, e os pais estarem
legalmente impedidos de resgatá-las, foram deportadas, e há meses vivem em uma
destas Casas de Migrantes. Uma casa acanhada, sem quintal ou espaço de brincar,
em que até as janelas são trancadas por grades e as meninas, impedidas de sair.
Beatriz e Ronald conseguiram dar aulas de pintura no local. E, um dia, o tema
escolhido foi: ‘Nuvens’.
Mas que
nuvens? Como vê-las?
“No dia
triste o meu coração mais triste que o dia…
“Para
visualizar as nuvens, as cabecinhas tinham que atravessar as grades da janela.
Aquelas irmãs buscavam mirar os céus, encontrando, ao menos, a imagem de uma
pequena nuvem e suas formas variadas, para depois recriá-las em papel. Um
pequeno exercício, tão simples e tão custoso àquelas meninas prisioneiras em
lugar algum, pelo crime de nascerem em país algum. Como momento de humanidade,
empatia e afeto, o olhar para as nuvens, o pintar as nuvens. Como únicos amigos
daquelas meninas, o casal de artistas e as nuvens de algodão.
“Há uma
força que move o casal. Mesmo em condições tão difíceis e torturantes, em que
sequer conseguem permissão para levarem crianças a brincar em um quintal, ou
deitar na grama em busca de inspiração, Beatriz e Ronald vão inventando suas
formas de arte, suas temáticas. Lançam gritos desesperados, mas sempre levando
junto o sorriso. Inventam temas. Um dia aula de pintura sobre melancias, cores,
milhos, árvores. Há vezes em que convidam amigos especialistas a falarem sobre
determinado tema, o milho, o maiz ancestral, daí falam sobre transgênicos;
também contam com a ajuda de amigos psicólogos. Os sonhos deles são muitos.
Gostariam de receber as crianças em seu Ponto de Cultura, com uma sede maior,
quem sabe podendo contar com autorização para levarem as crianças das Casas de
Migrantes. Também planejam pintar cada uma das Casas de Migrantes, por dentro e
por fora, enche-las de cor e de vida. Sonhos delicados e possíveis, mas ainda
assim, bloqueados.
“Beatriz
também tem um sonho que a persegue desde há muito: quer oferecer algo mais às
crianças maltratadas e violadas e quer que a pintura as ajude a encontrar ordem
em vidas com tantas instabilidades e desordens. Deseja realizar este sonho
oferecendo um Mariposário, um Borboletário, às meninas. Uma ideia simples
e por isso genial. Cada menina receberia uma borboleta-monarca e uma planta
cujas folhas pudessem servir de alimento para que o ovo, depois larva, se
transformasse em pupa. Nesta terapia viva, as meninas acompanhariam a lagarta
transformando-se em casulo e depois borboleta, em ciclo de regeneração, vida e
beleza, tal qual deve ser a vida de todos os seres, tal qual deve ser a vida
daquelas meninas-borboletas. Enquanto sonha, as três irmãs esticam os pescoços
e olham para o céu entre as grades, buscando visualizar nuvens para que possam
pintá-las. Entre as grades, sozinhas, as meninas estão lá, presas e deportadas
em uma Casa do Migrante, em algum lugar da América Central. E o mundo não diz
nada.”
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