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O que nos torna pessoas é a
relação do cuidado, recebido e compartilhado. (Reprodução/ Pixabay)
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O que mais
define o ser humano não é a capacidade de pensar, nem é a possibilidade de
criar, mas, principalmente, sua vocação de cuidar.
Por Marcelo Barros
Somos todos filhos e filhas do
cuidado. Ninguém sobrevive sem ter, ao menos nos primeiros dias, uma pessoa que
lhe garanta os cuidados necessários. Mesmo depois, a criança continua
precisando de uma mãe ou/e pai. Na Índia, do século V antes de nossa era, Sidharta
Guatama, o Buda, afirmava: "Todos/as somos chamados a olhar a outra
pessoa como uma mãe carinhosa olha o filho que está em seu útero".
Desde os tempos antigos até
filósofos do século XX como Heidegger, compreenderam: o que mais define o ser
humano não é a capacidade de pensar ("O ser humano é um animal racional).
Nem é a possibilidade de criar. O ser humano se define, principalmente,
pela vocação de cuidar.
Nos anos 60, o psicólogo Carl
Rogers afirmava que nascemos indivíduos e, somente através da relação com os
outros, nos tornamos pessoas. O que nos torna pessoas é a relação do cuidado,
recebido e compartilhado. O outro do qual devemos cuidar é todo ser
humano. No entanto, é também a Terra, a água e todos os seres vivos, com os
quais formamos o que Leonardo Boff denomina "a comunidade da vida".
É urgente lembrar isso para
compreender melhor as raízes da crise social e política em que estamos
mergulhados. A sociedade contemporânea se desenvolveu muito no plano técnico e
científico. Aprimorou a comunicação virtual e isso é maravilhoso. No entanto,
nem o conforto proporcionado pela riqueza, nem as facilidades obtidas pelo
computador e celular preenchem o imenso vazio que as pessoas sentem.
No século IV, Santo Agostinho orava
a Deus: "O
coração humano nunca se saciará enquanto não repousar em Ti". No
entanto, atualmente, parece que a maioria das pessoas não se mostra tão
interessada nessa relação. Provavelmente, um dos motivos foi que, no decorrer
da história, muitas vezes, as religiões apresentaram a Deus como um ser
distante da nossa vida. Falaram de uma divindade todo-poderosa. Ensinaram
que Deus é amigo de seus amigos e cruel com as pessoas que não o conhecem.
Essas imagens mesquinhas de Deus afastaram dele grande porção da humanidade. E
essa continua com fome e sede de amor.
Todo mundo quer ser feliz, mas
procura a felicidade no consumo e na ambição do possuir. As pessoas correm
atrás do lucro, da eficiência e da produtividade. Trocam a emoção genuína do
bem-querer pelas conveniências sociais de boas maneiras. Preferem tirar
fotografias e selfies aqui e ali, no lugar de conviver e curtir a natureza. No
plano da Política, o fato de oito pessoas possuírem o equivalente à metade de
toda a humanidade é considerado legal. Não se considera ilegal que governos
europeus deixem migrantes africanos se afogarem no Mar Mediterrâneo. De junho a
julho, agora, calculam-se em 600 pessoas afogadas pela rejeição dos governos
europeus em resgatá-las vivas do mar. Nos Estados Unidos e no mundo, nesses
meses, o presidente Trump jogou 3900 crianças latino-americanas, menores de dez
anos, separados de seus pais, em campos de concentração. No mundo inteiro, isso
provocou um sentimento de indignação, mas ninguém disse que esse louco e
criminoso fere as leis vigentes.
O sistema dominante exilou a ética
das discussões sobre o viver/l. Ao desprezar a ética como base da organização
social, de certa forma, a sociedade humana deserta da própria possibilidade de
vida tanto em comum, como mesmo no plano da sobrevivência pessoal e ameaça a
continuidade da vida no planeta.
Quem crê em Deus sabe que o seu
Espírito se manifesta em todo ato de cuidado e solidariedade. Muitas vezes, as
Igrejas têm a pretensão de dizer aos cristãos e ao mundo como devem se
comportar na totalidade de suas vidas. No entanto, elas fazem isso no plano da
moral pessoal. No âmbito social e político, os que se dizem crentes se
preocupam mais com a moralidade das relações pessoais do que com a ética da
justiça e da paz. Atualmente, o papa Francisco tem insistido: a ética de Jesus
se fundamenta no amor e na misericórdia. Na época de Jesus, muitos dos que
representavam a religião usavam Deus e a Bíblia para legitimar o seu
poder e seus interesses sociais e econômicos. No Congresso Nacional, a chamada "bancada
evangélica" se associa ao que há de pior na política
brasileira para defender seus interesses. Lutam por pautas contra os direitos
das minorias e a favor de liberar a venda de armas no Brasil. E vários deles se
sentem com direito de entrar em negócios escusos, desde que o dinheiro da
falcatrua seja colocado em uma empresa que tenha por nome Jesus.com
Sobre esses fariseus e
escribas de hoje, católicos e evangélicos, o evangelho repete a palavra de
Jesus: "esse
povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim" (Mt
15, 8). E sem excluir os próprios discípulos, chegou a afirmar: "Em
verdade vos digo, os publicanos e as prostitutas chegarão antes de vocês no
reino dos céus" (Mt 21, 31). As sociedades indígenas da
América Latina propõem como critério de organização social o Bem-viver. Esse
paradigma parte do cuidado na relação interpessoal, na organização social e na
busca da comunhão com o universo. É um caminho de espiritualidade ecumênica no
qual contemplamos e testemunhamos o Espírito que, como diz o livro bíblico da
Sabedoria, “enche
todo o universo e está presente em toda relação humana” (Sb 1, 7).
Fonte: domtotal.com
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