A capacidade de olhar para os outros, reconhecendo neles a importância de que vivam dignamente, precisa ser um hábito a ser exercitado continuamente.
No dia em que se comemora a solidariedade
cristã, voltamos nosso olhar para esse tema, tão necessário no
contexto sociocultural no qual estamos inseridos. Numa sociedade cada vez mais
individualista e competitiva, insistir na importância de uma vida construída a
partir de valores humanos fundamentais, tal como a solidariedade, é não deixar
passar o apelo a cada pessoa: de que vivamos humanamente. A capacidade de olhar
para os outros, reconhecendo neles a importância de que vivam dignamente,
precisa ser um hábito a ser exercitado continuamente.
Sempre que uma grande tragédia
acontece em nosso país, vemos o quanto as pessoas se mobilizam para diminuir, o
máximo possível, o sofrimento dos afligidos. Essa mobilização é quase que um
impulso. Contudo, é preciso nutrir a solidariedade não apenas em contextos emergenciais.
A capacidade de nos sensibilizarmos pela vida uns dos outros deve ser uma
constante. Esse é um valor humano, que ultrapassa toda e qualquer dimensão
religiosa. As religiões, no entanto, uma vez que são, intrinsecamente, serviços
de humanização, precisam assumir a solidariedade como uma questão importante. O
cristianismo, por sua vez, assumiu a solidariedade como aspecto fundamental,
inclusive para a compreensão da própria fé cristã.
Poderíamos dizer que o cristianismo
fez da solidariedade uma
categoria teológica. Nesse sentido, a solidariedade, para os cristãos e
cristãs, é verdadeiro imperativo, fruto da experiência de fé no Deus de Jesus.
Isso porque a tradição teológica lê, na relação de Deus com a humanidade e com
o mundo, uma relação de solidariedade. Essa é uma inspiração fundamental para
que cristãos e cristãs busquem viver, iluminados por esse olhar solidário para
com os outros, sobretudo para com os sofredores e sofredoras da história.
A solidariedade de Deus para com o
ser humano e com o mundo é próprio de sua graça, isto é, de seu amor. Nesse
sentido, é a gratuidade do amor divino que o faz solidário para conosco. É o
que reflete o artigo de Fabrício Veliq: Deus solidário: no pecado e na graça. Superando a antiga lógica de que a solidariedade na graça seja
uma compensação da solidariedade de todo ser humano com o pecado de Adão, o
autor convida a um olhar mais atento para o verdadeiro foco de onde nasce a
solidariedade divina: o amor. Tudo isso traz bastante implicações para o agir
cristão no mundo, em nossa contemporaneidade, que inspire a superação e o
rompimento com toda forma estrutural de pecado.
A solidariedade divina tem um rosto:
é Jesus de Nazaré, o Cristo Filho de Deus. Nele, a solidariedade divina alcança
uma dimensão inegável de concretude. Essa solidariedade, mais que superação do
pecado, revela-se também no resgate da dignidade humana, transfigurada por
consequência do pecado que gera injustiça. Nesse sentido, a ação de Jesus em favor
dos empobrecidos e empobrecidas da história é sinal claro da solidariedade
divina para com a humanidade. Reflete sobre isso o segundo artigo de nossa
matéria especial: A solidariedade de Jesus e a solidariedade do cristão com
os pobres e sofredores, de Antônio Ronaldo Nogueira. No artigo, o autor reflete a
respeito da solidariedade de Jesus manifestada em sua encarnação, vida e
missão, morte e ressurreição, bem como essa solidariedade conclama a cada
cristão e cristã no cuidado para com os empobrecidos do mundo.
Viver humanamente é convite não
apenas aos cristãos e cristãs, bem sabemos. É por isso que a solidariedade
precisa ser trabalhada em todos os âmbitos da sociedade. É o que chama a
atenção Edward Guimarães, no artigo O amor-compaixão e a solidariedade-cidadã: antídotos contra a
indiferença social. Lendo,
criticamente, a realidade sociocultural na qual estamos inseridos, o autor
interpela a uma reflexão a respeito da importância do amor e da solidariedade
como caminhos importantes e necessários para a superação da indiferença, mal
que tanto nos desumaniza.
Boa leitura!
*Felipe
Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É
autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.
Solidariedade cristã
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