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É
preciso ajudar o povo a perceber o farisaísmo oportunista
que
distrai a atenção das pessoas, manipula os dados e favorece
o
verdadeiro roubo do dinheiro público. (Reprodução/ Pixabay)
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Senhores que dominam a sociedade, manipulam a opinião pública, manobram a justiça e financiam o legislativo
Quando se fala em Política, a
maioria das pessoas aponta a corrupção como a fonte de todos os males. Muita
gente não percebe que a corrupção econômica e política faz parte da própria
lógica do sistema vigente. Não se trata apenas de pecados pessoais desse ou
daquele. Falou-se muito em passar o Brasil a limpo, mas está acontecendo
exatamente o contrário. Como no tempo da Bíblia, pregava o profeta Jeremias
chama-se o bem de mal e ao mal se considera bem. O milagre dessa proeza que
embaralha a visão justa e faz as pessoas se enganarem está no interesse dos
senhores que dominam a sociedade. Eles manipulam a opinião
pública, manobram a justiça e financiam o legislativo. Fazem com que
pareça honesto e legítimo que apenas cinco brasileiros detenham uma riqueza
equivalente à renda da metade de toda a população brasileira (Carta
Capital, 27/ 06/ 2018). E apontam como corruptos, alguns que vêm
de classe mais pobre e ousaram achar que poderiam ser tratados como iguais.
Esses são condenados por qualquer suspeita de irregularidade. Um ex-presidente
é acusado de possuir ilegitimamente um apartamento de proletário que ninguém
consegue provar que lhe pertencia. Fazem um julgamento cheio de irregularidades
jurídicas, o condenam rapidamente e o prendem contra todas as normas de
legalidade. De fato, Lula não aprendeu a lição de dois dos seus predecessores
que multiplicaram suas riquezas no exercício do poder e, claro, de forma absolutamente
legal. Um enriqueceu em diversos cargos políticos e se tornou dono de
praticamente tudo o que existe de maior e mais lucrativo no seu estado de
origem. O outro, mais intelectual, prefere manter a posse de dezenas de
apartamentos no exterior, sendo os mais conhecidos o do Central Park em Nova
York, o outro em Barcelona, em Paris e assim por diante... E a cultura vigente
conclui: "Esses souberam ser espertos. Quem manda não saber se
fazer na vida?".
Quanto aos juízes dos tribunais da
inquisição, vale o que disse Jesus a respeito dos doutores da lei do seu tempo:
"filtram um mosquito e deixam passar um camelo"(Mt 23, 24).
Por falar em camelos econômicos, os
donos da rede de televisão que domina o mercado das comunicações em todo o
Brasil não precisam de se preocupar se sua fortuna não tem um centavo obtido de
forma lícita e honesta. Eles contam com os favores de ministros do Supremo e
garantem apoio ao governo que abre o país às empresas petrolíferas do mundo
todo.
Em artigo magistral que se divulgou
pela internet, Malu Ayres afirma: "A sonegação fiscal no Brasil
chega, por ano, a roubar dos cofres públicos R$ 1 trilhão". Qual a
lava-jato que se preocupou com isso? Afinal, "A folha de pagamentos dos
desembargadores do RRF 4 compraria, em cada mês, uns dez triplex daquele".
Na realidade política brasileira, o
mais estranho é que, em todas as denúncias e nas milhares de páginas dos
processos de corrupção que enchem as mesas dos juízes da Lava-jato e de outras
operações similares, nada aparece sobre bancos. Bancos e banqueiros são todos
puros e vão para o céu. Quem sabe, o dinheiro da corrupção viaja de um país a
outro, ou migra para paraísos fiscais sempre no bolso de alguma cueca ou voam
milagrosamente por obra de algum santo, padroeiro dos doleiros? Enquanto isso,
nas ruas e ambientes familiares, as pessoas comuns se devoram, como desejam as
redes que dominam a comunicação de massa. Não somente fazem o povo de bobo,
como apostam na cultura da intolerância e do ódio que sempre leva ao fascismo.
Daqui há quinze dias, o Brasil
entrará claramente no período de campanha eleitoral. Como podemos ajudar as
pessoas a compreenderem melhor a natureza da crise ética a que estamos
submetidos? É preciso ajudar o povo a perceber o farisaísmo oportunista que
distrai a atenção das pessoas, manipula os dados e favorece o verdadeiro roubo
do dinheiro público. É preciso a população acordar em tempo ainda de salvar o
que ainda sobrou da grande devastação a que o país está submetido.
Em tudo isso, o mais triste é
ver pessoas e grupos que seguem a fé e se dizem espirituais e se negam a ver a
realidade. Em outubro próximo, o papa Francisco vai declarar como santo o
arcebispo mártir de San Salvador, Dom Oscar Romero. Em uma de suas homilias,
Dom Romero afirmava: “É fácil ser portador da Palavra e não incomodar a
ninguém. Basta ficar no espiritual e não se engajar na História. Dizer palavras
que podem ser ditas, não importa onde e quando, porque não são propriamente de
parte alguma” [1].
[1] - OSCAR ROMERO, l´Amour Vainceur, citado por PIERRE VILAN, Os Cristãos e a Globalização, Sao Paulo, Ed. Loyola, 2006, p. 41.
Marcelo Barros é monge beneditino e teólogo especializado em Bíblia. Atualmente, é coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo
Fonte:domtotal.com
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