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Chamar
Deus de mãe ainda é, para alguns, um sacrilégio. (Reprodução/ Pixabay)
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Chamar
Deus de Pai traz grandes consequências para a maneira como devemos ver o
relacionamento com Deus.
Por Fabrício Veliq*
Uma das novas características que
Jesus revela a respeito do relacionamento com Deus é de que ele é pai e, mais
ainda, que ele é um pai amoroso. Aqui, cabe uma ressalva. Uma vez que a
narrativa bíblica dos Evangelhos foi escrita por uma sociedade em que a
dominação masculina se fazia presente, bem como todo o judaísmo do primeiro
século ainda trazia marca do seu machismo, é comum para o autor da narrativa
mencionar Deus como figura masculina e, consequentemente, como Pai. No entanto,
Deus não possui gênero. Assim, é mais correto dizer a respeito de Deus que é
Pai/Mãe, sendo essa a conotação que trazemos neste texto.
Até então, no judaísmo do tempo de
Jesus, era impensável que o Senhor todo poderoso pudesse ser chamado de tal
forma. Embora em dias atuais já esteja banalizado o fato de se chamar Deus de
Pai (chamar Deus de mãe ainda é, para alguns, um sacrilégio), chamá-lo assim
traz grandes consequências para a maneira como devemos ver o relacionamento com
Deus, e nos instiga a questionar sobre quais as implicações que isso tem dentro
da sociedade em que vivemos.
Em um primeiro momento, se a relação
que se estabelece no Cristianismo é de que somos filhos/as de Deus, então
precisamos pensar que tipo de relação filial é essa. Diante de um/a Deus/a
amoroso/a que, como afirma I João, é o que define o/a Deus/a cristão/ã, não
podemos pensar que se trata de uma relação meramente dominadora, onde um diz e
o outro tem que fazer, porque do contrário receberá alguma punição. Isso não
parece combinar muito com a imagem de um/a Deus/a que ama e que ouve o clamor
daqueles/as que o buscam. A liberdade é própria do amor, de maneira que onde
aquela não se encontra, torna-se pouco provável que este também esteja. Nesse
sentido, a relação com o/a Deus/a cristão/ã deve se dar sempre em liberdade
porque também deve se dar em amor. Qualquer coisa que vai contra isso não pode
ser considerada ancorada no exemplo e na relação de Jesus Cristo para com Deus.
Ora, se pensar em um/a Deus/a que é
Pai/Mãe implica pensar em um relacionamento que é aberto para o outro e livre,
então nos leva a pensar que esse relacionamento tem o seu aspecto dialógico. O
próprio texto bíblico, ao falar a respeito da relação de Deus com seu povo no
Antigo Testamento, mostra o seu chamado para o diálogo: “Vinde e arrazoemos,
diz o Senhor” relata o profeta Isaías em seu primeiro capítulo, mostrando que
essa abertura para ouvir já se fazia, de alguma forma, presente na imagem de
Deus construída no tempo da profecia em Israel. Em Jesus, porém, vemos a
exacerbação desse caráter de abertura e, consequentemente, dialogal, que faz
parte do próprio ser de Deus.
Dessa forma, falar a respeito da
paternidade/maternidade de Deus tem a ver em pensá-lo/a como aquele/a que tem
na abertura ao diálogo uma de suas principais características. Se olharmos mais
a fundo, até mesmo a própria relação trinitária, conforme desenvolvido no
Cristianismo posterior, traz em si o seu caráter dialogal como algo
fundamental.
Diante da sociedade atual, em que
cada vez mais pessoas não estão dispostas a ouvir posições que divergem das
suas e se armam para se tornarem proselitistas profissionais, cabe ressaltar
essa característica do/a Deus/a cristão/ã para se repensar a forma de viver no
mundo de hoje.
Entender Deus como Pai/Mãe amoroso/a
precisa nos fazer, enquanto cristãos/ãs, repensar nossa abertura para dialogar
com aqueles/as que pensam diferente de nós nos diversos assuntos do mundo
contemporâneo. Sem isso, prega-se somente a imagem de um Soberano que quer
dominar tudo e todos, o que está muito longe da imagem trazida por Jesus de
um/a Deus/a que é Pai/Mãe, que ama e quer se relacionar em liberdade com sua
criação.
*Fabrício Veliq é teólogo. Doutor
em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) e Doctor of
Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven) - Bélgica, formado em
matemática e graduando em filosofia pela UFMG. Membro do grupo de pesquisa
Fundamental and Political Theology em KU Leuven e dos Grupos de Pesquisa Estudos de Cristologia e Diversidade afetivo-sexual e Teologia da FAJE. Ministra cursos de
teologia no cursos de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana, no Centro de Formação e Cultura em Divinópolis e é também professor
voluntário no CITEP na Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte.
Fonte: domtotal.com
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