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24º
Grito dos Excluídos tem como lema: 'Desigualdade gera violência:
basta
de privilégios!' (Rovena Rosa/ Agência Brasil)
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Somente relações igualitárias que respeitem a diversidade de gênero, cultural, racial, religiosa garantem a paz social.
Por Élio Gasda*
7 de setembro deveria ser uma festa democrática para comemorar a
independência do Brasil. Mas não, é dia de colocar a “boca no trombone”. Esse
ano acontece o 24º Grito dos Excluídos que tem como lema: “Desigualdade gera
violência: basta de privilégios!” A manifestação, que desde 1995 tem como
máxima “A vida em primeiro lugar”, é carregada de simbolismo. Não tem dono! Seu
partido são os pobres, os negros, as mulheres, os trabalhadores, os índios, os
LGBTI+, as periferias. O espaço é a rua, sinônimo de pluralidade, ecumenismo,
comprometimento, profecia e luta! O grito não é de patriotismo passivo. O que
se quer é uma cidadania ativa para a construção de uma sociedade justa,
solidária, plural. É dia de denunciar essa estrutura excludente que nega a vida
e abraça a ganância. “Denúncia profética a serviço da esperança” (Laudato si,
76).
Esse Grito acontece em um momento trágico da vida nacional.
Políticas de austeridade são criminosas. O Estado mínimo gera diversos tipos de
violência. Destrói políticas públicas, queima patrimônios nacionais. No último
domingo, um acervo estimado em 20 milhões de itens virou cinzas. Assim como o
emprego e o saneamento básico, a educação e a saúde, o transporte e a
segurança. Um desgoverno incendiário. Congelou os gastos em políticas sociais
por 20 anos. Territórios, rios, matas estão sendo destruídos com sua permissão.
Políticas afirmativas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do
Idoso, Prouni, Ciências sem Fronteiras, viraram cinzas. Há 28 milhões de
trabalhadores desempregados. Um Brasil em chamas.
Um país em ruínas que desrespeita a vida e a dignidade do seu
povo. Nossa história é marcada pela violência contra povos indígenas, negros e
quilombolas, pobres, mulheres e juventudes das periferias. Segundo dados do 12º
Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), lançado em agosto, em
2017 foram assassinadas 63.880 pessoas: 175 por dia – 7 por hora. 64 mil é mais
do que os 58 mil americanos mortos na Guerra do Vietnã. Enquanto isso,
psicopatas juntam mãozinhas inocentes para ensinar a atirar.
A desigualdade mata e estrupa mulheres! Em 2017, 4.539 foram
assassinadas. Mais de 60 mil estupros foram registrados. Como crime
subnotificado, estima-se que menos de 10% das ocorrências sejam denunciadas à
polícia, o total de casos pode chegar a 500 mil. Um a cada minuto. 68% dos
registros de estupro no SUS são de menores até 13 anos. Dados aterrorizantes!
Marielle Franco, assassinada no início do ano, simboliza esse
vínculo entre desigualdade e violência: mulher LGBT, negra, mãe e moradora da
favela da Maré. Pré-conceito mata! Relatório do Grupo Gay da Bahia aponta para
445 assassinatos de LGBTI+ em 2017. A ganância pela terra mata! Segundo
relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em 2016, 118 índios foram assassinatos
violentamente e 735 crianças indígenas até cinco anos morreram por causas
diversas, como desnutrição.
Somente relações igualitárias que respeitem a diversidade de
gênero, cultural, racial, religiosa garantem a paz social. É preciso resistir
ao oligopólio da comunicação que defende os interesses do sistema financeiro e
das elites que lucram à custa do povo. “Enquanto os benefícios de uns poucos
crescem exponencialmente, a maioria está ficando distante do bem-estar de uma
minoria feliz” (Evangelium gaudium, 56).
Todo um povo está sendo excluído! O Grito é por uma nação que
garanta dignidade à população. É luta por atenção aos pequenos produtores, à
indústria nacional, à educação pública gratuita e de qualidade. É bandeira na
defesa e fortalecimento do SUS, do desenvolvimento da pesquisa e da ciência.
Também pelo direito à cultura, à moradia, à terra, ao trabalho, à alimentação.
A luta é por um Estado alicerçado na justiça social a serviço da vida. É luta
pela “casa comum”: “Não pode haver terra, não pode haver teto, não pode haver
trabalho se não temos paz e se destruímos o planeta” (Papa Francisco).
A rua é um espaço de luta. Na rua derruba-se o racismo, o
machismo, a homofobia. Todos juntos e misturados na defesa de um projeto de
sociedade onde todos caibam. “É possível desenvolver uma nova capacidade de
sair de si mesmo rumo ao outro [...]. A superação do individualismo possibilita
uma mudança relevante na sociedade” (Laudato si, 208). “Somos a semente, ato,
mente e voz. Magia!” (Gonzaguinha).
O desgoverno ilegítimo que congela gastos em pesquisas fechou
acordo com o STF concedendo um reajuste de 16,38% para o judiciário federal. O
salário da “Justiça” de R$ 33,7 mil (atuais) ultrapassará R$ 39 mil no próximo
ano. A previsão de reajuste do salário mínimo para 2019 é de 3,3%. De R$954,00
passará para R$998,00. Verba usada no Museu Nacional em 2018 equivale a 2
minutos de despesas do Poder Judiciário. Apenas um ano do gasto com salário de
juízes no Brasil equivale a todo o investimento que o país faz em Ciência e
Tecnologia durante 4 anos. Com os 50 milhões escondidos nas malas do Geddel
daria para manter o Museu por 100 anos. O deputado foi absolvido... pelo
Judiciário. A Câmara Federal gasta 563 mil reais para lavar os carros dos
parlamentares. O valor é quase três vezes superior ao destinado ao Museu
Nacional, um dos mais importantes do mundo.
Descoberto em Lagoa Santa (MG), o crânio de Luzia, mulher mais
antiga da América Latina, foi a principal vítima do incêndio. O crânio serve
para proteger o cérebro quando se tem um. Acéfalos vivem apenas para encher os
bolsos. Não se importam com a destruição de crânios, de vidas e da nação.
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor
de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja
(Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
Fonte:domtotal.com
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