domingo, 28 de outubro de 2018
ELEIÇÕES 2018: DOM JOÃO JUSTINO REFLETE SOBRE O FUTURO DA EDUCAÇÃO NO PAÍS
As
discussões em torno do item “educação” dos programas de candidatos à
Presidência do Brasil trazem à tona algumas questões que necessitam ser
amplamente discutidas com a sociedade. Nós conversamos com o arcebispo
coadjutor de Montes Claros (MG) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral
para a Cultura e Educação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
dom João Justino de Medeiros Silva, sobre pontos importantes das propostas.
A
hipótese de privatização do ensino superior, através de cobranças de
mensalidades dos estudantes ou mesmo da ampliação das IES privadas, inclusive
com subvenções governamentais, é um caminho válido para a melhoria da qualidade
do ensino e da instituição? Que interesses estão postos com essa decisão?
“A
educação é direito do cidadão e dever do Estado” preconiza a Constituição
Cidadã de 1988. É uma política pública, justamente porque é um direito
social. É verdade que tal declaração se refira preponderantemente sobre o
ensino fundamental, como também orienta para um progressivo incentivo para o
acesso universal ao ensino médio. Especialmente sobre o ensino superior
encontramos o artigo 208, V, onde se repete ser também aqui um “dever do Estado
permitir o ingresso das pessoas aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa
e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.
Há
também o artigo 206, IV, que prevê a gratuidade do ensino público em
instituições oficiais financiadas com recursos públicos, em qualquer nível
escolar. Este princípio constitucional quer garantir o acesso de estudantes de
classes mais pobres e populares também no ensino superior.
Preocupa-nos
que o ensino superior seja tratado cada vez mais segundo lógica da
competitividade do mercado de trabalho, desmerecendo o seu caráter humanístico
e crítico-reflexivo. E ainda mais, quando se dificulta o acesso dos jovens
oriundos dos meios populares à universidade. Reforçamos a defesa da
universalização do ensino público com qualidade e integralidade, ou seja, nos
seus aspectos de graduação, pesquisa e extensão. Iniciativas como as cotas
também são instrumentos válidos para garantir a justiça social no acesso ao
ensino superior.
Muitos
defendem e muitos criticam a política de cotas para o acesso à universidade
pública. Que considerações o senhor tem a fazer sobre este tema?
Do
ponto de vista do indivíduo, a educação pode proporcionar a possibilidade de
uma vida um pouco mais digna, através do trabalho qualificado. E, nisso, as
cotas fazem parte de um conjunto de medidas que certamente abrem um leque de
oportunidades para quem mais precisa. Só faria sentido falar-se em
“meritocracia” numa sociedade ideal, onde todos partissem do mesmo ponto, com
as mesmas condições; e é bastante claro que isso não acontece em nosso país. E,
como houve também um aumento no número de vagas nas universidades, não há como
dizer que o sistema teria prejudicado alguém. Já do ponto de vista da
sociedade, a educação tem a função de proporcionar o desenvolvimento aliado à
justiça social. Para isso é importante uma educação de qualidade – e não há
dados que indiquem que as cotas teriam diminuído a qualidade do ensino
superior.
Por
fim, uma questão importante que se levanta a esse respeito é sobre a
importância de se investir na educação pública de base, o que daria
automaticamente melhores oportunidades para todos. É a situação ideal, e
infelizmente muito pouco foi feito nesse sentido. Mas, enquanto não se chega a
esse ideal, não se pode, de forma alguma, retroceder numa política que
representa uma importante forma de inclusão social.
Como
pode ser pensada a valorização dos professores?
É
importante pensar a formação continuada do professor, por meio das
Pós-Graduações, atualizações pedagógicas e inserção em atividades de pesquisa.
Neste sentido, penso ser importante a valorização da CAPES e das agências de fomento
como CNPq e Fape’s. Observa-se que a expansão das IES públicas e privadas foi
desacompanhada de política de formação, e muitos dos atuais professores
demandam por incentivos de capacitação.
Outro
aspecto a ser considerado é a oferta de mais autonomia para gerir recursos de
pesquisa, possibilidade de opinar nas políticas educacionais, e estrutura de
trabalho. As novas estruturas de EAD (que são ferramentas e não substitutos),
por exemplo, precisam ser construídas com critérios pedagógicos e não apenas
políticos.
A
valorização dos professores também passa pela escuta das associações e
sindicatos de professores das públicas e privadas, até porque a educação não
pode ser debatida sem seu principal agente.
Como
o senhor vê a proposta conhecida como “Escola sem Partido”?
Minha
primeira reação é de preocupação. Trata-se de uma proposta que provoca mais
polarização que disposição ao diálogo. Concordo e defendo que nenhuma escola
deva estar a serviço de ideologias partidárias. No entanto, a tese de total neutralidade
é no mínimo ingênua e desconhece os processos do conhecimento. Do que pude ler
e entender eu considero que o Movimento “Escola sem partido” toma o caminho
jurídico-legal com o estabelecimento de uma série de proibições (com o projeto
de uma lei ordinária), mas não consegue ser propositivo. Isto é, como os
propositores pensam a relação pedagógica numa sociedade cheia de pluralismos?
Como a Escola pode ser promotora do encontro entre as diferenças no respeito à
pluralidade de opções?
Fonte:cnbb.net.br
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