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Maria
se esvazia de orgulho, de pretensões, para ser a
humilde servidora. (Reprodução/ A12)
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Celebrar uma festa mariana é
perceber o amor gratuito de Deus que escolhe os pobres e pequenos para realizar
seu projeto salvífico.
Estamos no contexto da Festa de Nossa Senhora da Imaculada Conceição Aparecida. A história do aparecimento dessa imagem, em 1777, na pesca do rio Paraíba, é bastante conhecida por todos. Desde então, são muitos os devotos que acorrem à proteção da Mãe de Jesus sob o título de Nossa Senhora Aparecida, com especial afeição e veneração. Celebrar uma festa mariana é perceber o amor gratuito de Deus que, na contramão de nossas lógicas triunfalistas e de poder, escolhe os pobres e pequenos para realizar seu projeto salvífico. É assim que Deus se revela: escolheu um pequeno povo, escravo no Egito, o amou e o libertou, fazendo dele luz para as nações; no meio desse povo, escolheu pessoas simples para guiá-lo, contando com suas (in)capacidades; seu Filho nasce no meio da pobreza extrema e os primeiros a receberem tal anúncio são os desprezados pastores de ovelhas; Jesus chama, para ser colaboradores de sua missão, gente simples, de profissões humildades e desprezadas pela sociedade de então; Ele também senta com os pecadores, acolhe as crianças, toca nos leprosos; são das desprezadas mulheres as primeiras a acolher o anúncio de sua ressurreição... Deus escolhe os pequenos para manifestar seu plano de amor.
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Foi assim também com
Maria: mulher jovem, pobre, de uma aldeia insignificante da Galileia. E ela
continua sendo sinal da misericórdia de Deus pela vida de autêntica discípula
de Jesus através da escuta, meditação e prática de sua Palavra (cf. Lc 8,15).
Algumas dessas características que podem ser contempladas na imagem de Nossa
Senhora Aparecida devem ser lugar de inspiração para nossa vida e missão.
Gostaríamos de refletir somente um pouco sobre o contexto do seu encontro, seu
tamanho e sua cor.
No que se refere ao
primeiro elemento, a imagem foi encontrada por gente simples, pescadores que
buscavam incansavelmente sobreviver do seu trabalho. São os pobres e humildades
que tem a alegria de encontrar a imagem daquela serva humilde que manifesta as
preferências de Deus. Como na Escritura, Deus escolhe os pequenos para se
manifestar e conta com eles para realizar seu plano amoroso. Tal lógica não
encontra muito espaço em nossos meios. Estamos muito acostumados a buscar a
lógica que põe os grandes em primeiro lugar e exclui os pequenos. Deus, ao
contrário, se coloca na mesa dos pobres, caminha com eles e os põe como sinal
do mundo novo que há de vir. Não por acaso, Jesus apresenta o cuidado com os
pobres e excluídos (cf. Mt 25,31-46) como “protocolo com base no qual seremos
julgados” (Papa Francisco, Via Sacra JMJ Cracóvia, 2018).
Quanto ao segundo
elemento, o tamanho, parece-nos significativo falar de uma imagem pequena e o
quanto isso deve representar para cada um de nós. Maria mesma no seu hino Magnificat
diz que o Senhor “olhou para a pequenez de sua serva” (Lc 1,48). Maria é a
serva humilde e pequena para quem o Senhor olhou e escolheu a fim de contribuir
no seu plano de salvação. É porque Maria se esvaziou de toda pretensão e
orgulho que pode ser cheia da graça de Deus, tal como aparece na saudação do
anjo para anunciar sua missão de ser a mãe do Salvador (cf. Lc 1,28). Diante de
missão tão importante, Maria não se enche de pretensões, mas, na humildade e
pequenez de quem se faz serva (cf. Lc 1,38), vai ao encontro da parenta Isabel,
colocando-se a seu serviço (cf. Lc 1,39-45).
Esse serviço, Maria o
realiza na alegria de quem tem consciência de que tudo o que é, recebeu do
Senhor como dom, como graça, algo que não se guarda para si mesmo, mas se destina
sempre ao bem do outro. Assim é Maria, a Mãe de Jesus: ela se esvazia de
orgulho, de pretensões para ser a humilde servidora. Assim deve ser a Igreja
que tem Maria como Mãe e Modelo: ser a servidora da humanidade, sabendo que o
dom mais precioso que recebeu (continuar a missão de Jesus) não é para si
mesma, mas para que a humanidade sinta cada vez mais o quanto Deus a ama e a
quer conduzir pelos caminhos da salvação através de Jesus Cristo.
Outro detalhe que nos
chama a atenção na imagem de Nossa Senhora Aparecida é sua cor. Ela tem a cor
da nossa gente, ela é como nós. Mais uma vez se expressa a bondade e
benevolência de Deus que caminha longe das pretensões humanas de grandiosidade
e pompa. Ele escolheu numa região marginalizada, numa aldeia insignificante do
ponto de vista político e econômico, uma mulher jovem, humilde, simples e
trabalhadora para ser a mãe de Jesus, nosso Salvador. É essa mulher simples do
povo quem proclama, profeticamente, que Deus “demonstrou a força do seu braço,
dispersou os orgulhosos, derrubou os poderosos de seus tronos e os humildes
exaltou” (Lc 1,51-52). Maria se faz solidária com todos os pobres e sofredores
e nos ensina que a vida do verdadeiro discípulo implica no andar com Jesus
colocando no centro aqueles que estão à margem da sociedade.
Vivemos num mundo
desigual, mundo de injustiça e miséria. Esse não é o plano de Deus para nós.
Deus quer o mundo da justiça, mundo do amor e da fraternidade, como sinal do
seu reino definitivo. A Igreja que encontra em Maria sua Mãe e Modelo deve
fazer o caminho das escolhas de Deus e se aproximar cada vez mais dos pequenos
e humildes, dos caídos à beira do caminho, dando-lhes consolo e esperança,
cuidando de suas feridas e ajudando-os a se levantarem. Pelo serviço a estes,
seremos sinais de transformação e vida que o mundo tanto precisa.
Essas três
características nos mostram que toda devoção a Maria nos leva a realizar, em
nossas vidas, a vontade de Deus. Portanto, quem é devoto de Maria, caminha, com
ela, nos passos de Jesus. Ela mesma nos diz: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo
2,5). Ela é a primeira e mais perfeita discípula de Jesus, disponível para
Deus, disposta a servir a todos: vendo seu exemplo e testemunho, peçamos a
graça de também nos esvaziar de toda e qualquer pretensão e orgulho para
colocar os dons que o Senhor nos concede a serviço de todos e possamos ser os
agentes de luz e transformação que o mundo tanto precisa. Maria, a Mãe
Aparecida, nos inspire nessa caminhada!
Antônio Ronaldo
Vieira Nogueira é presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte-CE. Mestre em
Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) e professor de
Teologia Sistemática da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF).
Fonte: domtotal.com
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