quarta-feira, 24 de outubro de 2018
VOCÊ NÃO É MELHOR DO QUE QUEM NÃO É CRISTÃO
Jesus mostra que o que Deus procura
é um coração contrito e disposto a segui-lo em seu amor aos outros.
Todas as culturas têm uma maneira
própria de lidar com as questões divinas. Pensar que todas elas pensam o divino
assim como a sociedade ocidental pensa seria muita inocência ou presunção. Até
mesmo dentro da própria América Latina é possível perceber modos de vida
religiosa totalmente diversa da que se está acostumada nos países ocidentais,
bastando para isso olhar para as religiões andinas e indígenas para perceber
que elas possuem seu modo próprio e rico de se relacionar com a divindade.
Essa característica plurirreligiosa, no
entanto, ainda é vista por muitos/as cristãos/ãs como algo maléfico. São
diversos os movimentos que querem “evangelizar” os povos originários do
continente, transformando-os em cristãos/ãs na versão ocidental, por
acreditarem que esta é a única forma possível da salvação de Deus se fazer
presente para eles. Nesse tipo de postura, Deus não diverge de nada de um
soberano que tem sua ordem pré-definida e que deve ser, então obedecida
cabalmente. A evangelização é somente uma desculpa para mostrar quem é o Todo
Poderoso e quem é que manda, realmente, no mundo todo.
A perspectiva que Jesus tem de Deus, no
entanto, como narrada nos Evangelhos, segue por um caminho totalmente oposto.
Deus, para Jesus, é o seu Pai e está disposto a se relacionar pessoalmente com
seus filhos e filhas. Assim, sai de cena uma visão meramente do “Senhor de toda
terra”, tão presente na religião judaica, e entra a figura subversiva de um
Deus que se mostra como Pai/Mãe de seus filhos e filhas. Esse Deus, então, não deve
ser considerado um “Deus acima de todos”, mas um “Deus conosco” (Emanuel, como
narra Lucas), que decide caminhar com aqueles e aquelas que se mostram
dispostas a seguir seus caminhos, estendendo sua graça sobre todos e todas, sem
distinção, e promovendo sua salvação da morte a todos e todas,
independentemente de cultura ou nacionalidade.
Paulo, falando aos Gálatas, ressalta
esse caráter não discriminatório da graça de Deus, que não faz separação de
raça, cor, etnia, ou qualquer outra coisa. Faz isso em resposta a grupos de
judeus convertidos que queriam que os gentios seguissem os rituais judaicos
para serem considerados como salvos em Cristo.
Seguindo nessa linha é possível
perceber que o Cristianismo, após ser decretada religião do Império Romano, seguiu
na mesma via, tendo ainda hoje esse tipo de atitude como algo comum. São
diversos os grupos, sejam evangélicos, sejam católicos, que continuam a seguir
os mesmos passos dos primeiros judeus convertidos, pregando que as pessoas que
desejam ser alcançadas pela salvação que vem pela graça, necessariamente,
precisam cumprir os rituais do Cristianismo, como batismo, ceia, “aceitar
Jesus”, dentre tantos outros.
Ao fazer isso, não raramente, esses/as
que se dizem cristãos/ãs consideram-se melhores, mais iluminados, e, alguns,
até mesmo, mais dignos da salvação do que as pessoas que não são convertidas ao
Cristianismo. O seguimento de Jesus, nesse sentido, transformou-se em máquina
proselitista e, com isso, ao invés de se tornar instrumento de graça e salvação
para as nações, em muitos lugares tem se tornado instrumento de morte de
culturas, povos, e saberes.
Nesse ponto, faz-se importante perceber
a subversividade trazida por Jesus em seu tempo. Diante de um povo que se
considerava escolhido por Deus e guardião dos rituais desejados por ele para
ser considerado santo, Jesus apresenta um Deus totalmente diferente, que não
ligava para os rituais de pureza, que não estava nem aí a respeito de qual o
dia da semana em que se colhiam espigas, que não tinha nenhuma preferência por
ações morais ritualísticas, mas que prezava, antes de tudo, pelo mostrar da
compaixão e misericórdia.
Jesus mostra que o que Deus
procura é um coração contrito e disposto a segui-lo em seu amor aos outros, em
sua misericórdia e apreço pelos marginalizados e excluídos na sociedade
injusta. O próprio Jesus não se importava se algo era feito por alguém que não
o seguia, antes, simplesmente disse em uma situação: “não o impeçais”.
Diante de tudo isso, uma teologia que
se diz cristã necessita olhar com atenção para as matrizes religiosas não
ocidentalizadas para reconhecer nelas também aspectos do mesmo Deus que, como
cremos, é único.
Dessa forma, podemos dizer que um
cristão que acha que tem um melhor conhecimento de Deus do que um indígena, ou
do que qualquer outra pessoa que pertença a qualquer outra religião
simplesmente porque pertence ao Cristianismo, provavelmente não compreendeu as
Escrituras e a ação do Espírito que sopra onde quer.
*Fabrício Veliq é teólogo. Doutor em
teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) e Doctor in Theology
pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven)
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