o princípio da não-violência está intrínseco ao
projeto de Reino
anunciado e testemunhado por Jesus. (Sunyu by
Unsplash)
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A não-violência ensinada e praticada por Jesus deve ser paradigma para todos os cristãos.
O ódio, a vingança, a violência contra o outro estão presentes na
humanidade desde os tempos mais remotos. Basta ler os primeiros capítulos da
Bíblia que narram o fratricídio de Caim contra Abel (cf. Gn 4, 1-10), isto é,
um irmão que mata o próprio irmão por inveja. Porém, mesmo a história da
humanidade sendo uma história manchada de sangue, há um grande desejo no
coração humano de encontrar o caminho da paz. A própria Bíblia Sagrada ao
narrar a violência de Caim contra seu irmão já mostra o caminho de superação da
violência não aceitando que Caim seja punido de morte, ao contrário, “quem
matar Caim pagará multiplicado por sete” (Gn 4, 15). E, para os cristãos, Jesus
se apresenta como o Príncipe da paz, que em sua vida e em seus ensinamentos
testemunhou a força da não-violência. “Sua missão não se realiza pela violência
e pela opressão, mas pela mansidão de um pedagogo, que deixa penetrar, nos
humildes, gota por gota, o espírito de amor e solidariedade, que faz crescer o
verdadeiro Reino de Deus” (Johan Konings).
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Jesus de Nazaré tinha tudo para ser um homem ressentido e
violento, pois sofreu desde cedo, a violência dos poderosos. Ainda criança,
seus pais tiveram que fugir com o Menino para o Egito devido à perseguição de
Herodes que, por medo de perder o poder, ordenou que matasse “todos os meninos
menores de dois anos em Belém e arredores” (Mt 2, 16), tendo assim que viver a
sua infância em terras estrangeiras. Quando adulto, Jesus experimentou
novamente a dor dos refugiados ao passar pelas aldeias de samaritanos e não ser
acolhido, porém, não aceitou a proposta de vingança de seus discípulos (cf. Lc
9, 51-55). Dor maior Ele sofreu ao ser rejeitado pelos seus conterrâneos que
por preconceito e fechamento não o acolheram e ainda queriam eliminá-lo (cf. Lc
4, 14-30); e, mesmo depois de sofrer a dura violência de ser torturado,
humilhado e condenado à morte por um tribunal injusto, “Ele não abriu a boca”
(cf. Mc 14, 53-65). Na cruz, Ele olha no rosto de seus algozes, não com
ressentimento, ódio ou desejo de vingança, mas com misericórdia. Por isso, no
lugar das famosas invectivas proféticas, Jesus prefere derramar sobre eles o
perfume do perdão: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34).
A não-violência ensinada e praticada por Jesus deve ser paradigma
para todos os cristãos. Não é possível ser fiel a Jesus de Nazaré defendendo ou
praticando a violência. Seu projeto é de paz. Sua resistência segue a via da
humilde mansidão. Sua arma é o amor. Seu maior legado é ter declarado felizes
os pobres e não os ricos e poderosos; felizes os que reagem com humilde
mansidão e não os violentos e sanguinários; felizes os que choram com os outros
e não os que riem da desgraça alheia; felizes os que têm fome e sede de justiça
e não que os usam do seu poder para cometer injustiças contra os mais fracos;
felizes os misericordiosos e não os vingativos; felizes os que mantêm o coração
limpo de tudo o que mancha o amor e não os que alimentam o ódio e o rancor;
felizes os que promovem a paz e não os fazedores de guerra; felizes os que
abraçam diariamente o caminho do Evangelho mesmo enfrentando perseguições e não
que os usam da religião para seu próprio benefício (cf. Mt 5, 1-12).
Vivemos tempos de grande violência. Violência no trânsito, nas
ruas e praças, nas cidades e no campo, nas famílias e nas igrejas, nas redes
sociais, etc. Sem contar a violência silenciosa praticada contra os pobres por
meio de uma economia de mercado que não tem a pessoa como foco e sim o lucro e
o acúmulo de riquezas. Há também de considerar a violência do preconceito
contra aqueles e aquelas que têm uma condição sexual diversa; bem como
violência contra os negros e os índios, ou seja, as minorias são diariamente
violentadas e desrespeitadas em seus direitos. O ressentimento e o ódio, porém,
não nos liberta. Faz-se necessário aprendermos de Jesus a “pedagogia da
mansidão” que nos ensinou a amar os nossos inimigos, a fazer
o bem aos que nos odeiam, a bendizer os que nos amaldiçoam,
a orar pelos que nos caluniam (cf. Lc 6, 27).
A nós cristãos cabe, portanto, deixar Jesus nascer em nós e no
mundo, como dizia M. Gandhi:“A força de um homem e de um povo está na
não-violência… A não-violência é o primeiro artigo da minha fé e o último…
Conheci a Bíblia por volta dos 45 anos de idade… De tudo o que li, o que mais
me impressionou foi o fato de Jesus ter vindo para estabelecer uma nova lei…
Não mais olho por olho, nem dente por dente; devermos estar dispostos a receber
duas bofetadas, se nos dão uma, e percorrer dois quilômetros, se nos pedem um…
Dizia a mim próprio: isto não é seguramente o cristianismo. O Sermão da
Montanha demonstrou-me como estava errado, à medida que tomava contato com os
verdadeiros cristãos, quer dizer, com os que viviam para Deus. Vi que o Sermão
da Montanha era todo o cristianismo… Enquanto não formos homens insatisfeitos e
não tivermos arrancado a raiz da violência da nossa civilização, Cristo não
terá nascido… O princípio da não-violência infringe-se com os maus pensamentos,
com a pressa injustificada, com a mentira em todas as suas vertentes, o ódio,
desejando mal ao próximo. Violamo-la ao reter para nós o de que necessitam os
outros. A não-violência, na sua forma ativa, é boa vontade em tudo o que se
vive. É amor perfeito”.
Nota-se que o princípio da não-violência está intrínseco ao
projeto de Reino anunciado e testemunhado por Jesus. Ele fez da não-violência
uma estratégia de resistência e profecia. Trata-se, portanto, de propor um
caminho novo de amor, tolerância e respeito ao outro para obter a paz tão
sonhada por todos nós. Do contrário, a humanidade estará se autodestruindo, uma
vez que “a prática da violência, como toda a ação, muda o mundo, mas a mudança
mais provável é para um mundo mais violento” (H. Arendt). Pois a violência gera
sempre mais violência, o fruto dela jamais será a paz.
*Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN, Missionário Sacramentino de
Nossa Senhora, Licenciado em Filosofia (ISTA), bacharel em teologia (FAJE), com
Especialização para Formadores em Seminários e Casas de Formação (Faculdade
Dehoniana). Publicou pela Editora O Lutador (2015) o livro Equipes Missionárias: rosto de uma
Igreja em missão. Trabalha atualmente na Paróquia Santa Cruz, Alta Floresta-MT.
Fonte:domtotal.com
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