Papa Francisco em audiência com 40 representantes
de
povos nativos
da América Latina, em 2017. (LePresse)
Bispos
do mundo inteiro discutem, em 2019, os desafios pastorais da Igreja na Amazônia
O sínodo dos bispos
sobre a Amazônia, que acontecerá em outubro de 2019, colocou os vaticanistas da
velha guarda em uma espécie de crise. Alguns deles não compreendem a
necessidade da convocação de um sínodo de caráter universal para tratar de uma
região específica. O que muitos não conseguem entender é que, durante a
assembleia, os participantes não pretendem tocar somente nas questões
ambientais - como era de se esperar -, mas retomar algumas pautas já levantadas
pelo Concílio Vaticano II na década de 60, como a criação de um clero indígena,
para melhor atender aos fiéis locais, e a possibilidade de repropor os viri
probati na igreja latina, ou seja, a ordenação de homens casados “de
fé comprovada” que poderiam, como qualquer outro sacerdote, administrar os
sacramentos. A medida, se promulgada, aplicar-se-ia em situações nas quais o
acesso ao sacerdote é praticamente impossível. Os bispos da região amazônica
estão preocupados com a grande quantidade de pessoas que, vivendo em locais de
difícil acesso, participam da missa uma vez ao ano ou sequer têm essa
possibilidade.
O tema, que recentemente
chegou a ser discutido pelos bispos alemães em conferência realizada em 2017, é
o que chama mais a atenção daqueles que anseiam por maiores aberturas da Igreja
Católica em relação ao celibato sacerdotal. Porém, obviamente, não é o único
tema a ser tratado. Pouco se falou, por exemplo, sobre o documento preparatório
do sínodo divulgado em junho deste ano. Isso demonstra um total desinteresse
com a matéria tanto da parte dos europeus, quanto dos próprios
latino-americanos. Em linhas gerais, o texto fala de reconhecer não somente a
biodiversidade ambiental do lugar, mas a sua biodiversidade cultural, marcada,
sobretudo, pela presença de povos nativos. Além disso, se entrará em cheio na
questão dos direitos dos povos indígenas e na crise que é fruto de uma
“mentalidade extrativista”, como a Santa Sé a caracteriza.
Essa próxima assembleia
é mais uma demonstração que Francisco pretende levar adiante a sua missão nas
periferias, sejam elas existenciais ou físicas. Não se trata somente de um
sínodo para resolver a questão amazônica ou produzir um documento que possa
contemplá-la, mas levar ao conhecimento dos demais católicos essa realidade
desafiadora para a qual a Igreja se vê impelida a dar uma resposta. Para a
Europa, de maneira particular, é uma demonstração de que é possível viver a fé
em circunstâncias das mais adversas possíveis. É hora de reconhecer que não
foram poucos aqueles que lutaram para que o os valores do Evangelho chegassem
àquelas terras.
A América Latina, de
maneira geral, sempre atuou na Igreja de maneira decisiva: basta que nos
aprofundemos na atuação dos bispos latino-americanos durante o último grande
concílio. Após o lançamento da encíclica Laudato Si, em 2015,era
de se esperar que Francisco, mais cedo ou mais tarde, passasse da reflexão à
ação. Sem medo de que possa ser mal interpretado, uma vez que consideram a
preservação do meio ambiente a última coisa que deveria ser refletida por um
sumo pontífice, Francisco leva adiante o seu governo certo de que, no mundo de
hoje, a mensagem cristã precisa ir ao encontro das pessoas, não o contrário; de
que as pessoas devem aprender a tratar o lugar onde vivem e a natureza que
desfrutam como uma casa comum onde todos são filhos do mesmo Pai e têm o
direito de ser olhados com respeito.
*Mirticeli Dias de
Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano
para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas
jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé.
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