Um
olhar comparativo no evento que originou a república brasileira, no final do
século XIX, nos ajuda a entender nossa situação atual e como essa arquitetura
político-institucional mal-ajambrada e elitista ressurge potente nos dias
atuais.
Naquele
período, a antiga nobreza, os ricos (latifundiários e empresários) e a classe
média (profissionais liberais brancos) estavam amedrontados: perda de prestígio
da monarquia, crise econômica do império e, principalmente, o terror advindo
com a pseudolibertação dos escravizados. As elites temiam que os
afrodescendentes ocupassem os espaços de privilégios desses segmentos.
Ademais,
revoltas populares eclodiam em várias partes do país. As lutas por direitos das
classes populares não eram interpretadas como lutas políticas legítimas de um
país que excluía pobres, pretos, trabalhadores. Todos os movimentos populares
organizados eram tratados como tentativas de rebelião contra “a lei e a ordem”.
Por isso, contidos e reprimidos com políticas autoritárias e higienistas.
Tudo
o que era popular, até mesmo no plano da cultura, era criminalizado como algo
perigoso no aspecto político e demoníaco, no plano religioso.
Em
15 de novembro de 1889, um golpe de estado liderado por um militar, o marechal
Deodoro da Fonseca, e apoiado por latifundiários, maçons, ilustrados da classe
média e setores descontentes com a monarquia e da cúpula do catolicismo
derrubaram o imperador.
Para
justificar o golpe, a república se instalava a propagar a ideia de um país
moderno e independente. Os republicanos conservadores aderiram ao positivismo,
que era apresentado pelos letrados das casernas e das classes médias como a
teoria social capaz de justificar a abissal desigualdade social e a aplicação
de políticas públicas higienistas, segregadoras, excludentes. Até mesmo uma
política de embranquecimento da população foi colocada em prática.
Para
os católicos conservadores se erigia um regime político capaz de garantir aos
homens e mulheres de bem seus privilégios e, simultaneamente, a criminalização
dos setores populares que começavam a incomodar aquela ordem social baseada na
violência. Tudo sob o falso manto da laicidade do estado.
Naquele
momento, a república era fundada sem o povo. E os militares eram a melhor
solução para essa nova ordem elitista e segregadora, paradoxalmente apresentada
como moderna e democrática.
A
espada era a única forma de conter, pela força, as insurreições populares.
Aliás, mais uma vez a união da espada com uma ajudazinha da cruz, como ocorrera
no processo de colonização e a dizimação dos povos originários.
Note-se
que durante todo o século XX, diga-se de passagem, o país foi tutelado por
militares que voltaram ao poder em 1930, dividindo-o com Getúlio Vargas;
ficaram mais poderosos aderindo ao golpe do Estado Novo, com Vargas; tiraram
Vargas de cena em 1946, num golpe encomendado pelos Estados Unidos; ameaçaram
virar a mesa em 1961 se o vice-presidente João Goulart assumisse o lugar de
Jânio e três anos depois, mais uma vez, sob a batuta do “império do norte”,
tiraram João Goulart do Palácio da Alvorada, dando início à segunda ditadura
militar que durou 21 anos. Em todos esses momentos os segmentos de elite
(empresários, latifundiários, banqueiros, donos da mídia e setores
conservadores da classe média apoiaram os militares).
Agora,
em 15 de novembro de 2018, parece que retrocedemos a 1889, a velha república
apresentada como novíssima. O presidente eleito, um capitão reformado que
sempre exaltou os militares, inclusive seus métodos lesivos aos direitos
humanos durante a última ditadura, demonstra que seu futuro governo será tocado
em parceria com a caserna. Seu vice, até bem pouco tempo na ativa, e os vários
generais que serão nomeados para postos-chave do futuro governo não deixam
nenhuma dúvida dessa estratégia.
Como
em 1889, os ricos, as elites e as classes médias conservadoras e de mentalidade
escravocrata estão respirando aliviados porque a ameaça da igualdade de
direitos e oportunidades para os pobres, os pretos e as minorias será estancada
pelo governo da força e da espada, ao que tudo indica “com o Supremo, com
tudo”. Até um xerife justiceiro – que atuou politicamente quando usava toga
para favorecer a Casa Grande – já foi indicado para o posto de policiamento e
repressão de todos indesejáveis que, no momento atual, são os “consumidores
falhos” (para se adequar ao ultraliberalismo) e os inimigos seletivamente
eleitos pelos homens bons e de bem(s).
Também
no campo religioso, a novíssima religião ultraliberal e excludente – que
congrega católicos e evangélicos, a chamada “teologia da prosperidade” do
neopentecostalismo -, garantirá a paz dos túmulos e das consciências dos bons
cristãos que odeiam justiça e igualdade social nessa banda dos trópicos. Cruz e
espada juntas e misturadas, novamente: “deus acima de tudo”.
Tio
Sam volta a ter o Brasil como seu quintal predileto nas Américas, graças ao
trabalho eficiente dos think tanks que atuaram nos últimos tempos na formação
dos influenciadores ultraliberais no sistema de justiça, na mídia, na academia
e na classe média propagando o deus-mercado, o estado mínimo, a meritocracia,
entre outros modismos que enfeitiçam mentes e corações no Brasil.
No
campo educacional, o positivismo se traveste de “escola sem partido”, a pregar,
como doutrina, uma ciência perfeita e pretensamente isenta que esconde toda uma
ideologia a justificar a subserviência do povo às elites, como outrora.
A
novíssima república, alicerçada no discurso mentiroso das fake news do
mudancismo, via WhatsApp – que começou a ser alicerçada com o golpe de 2016 e
se consolida com a eleição do capitão -, enterra de vez a nova república
inaugurada com a Constituição Federal de 1988 e associa-se à irmã siamesa, a
velha república dos coronéis, fundada por um golpe de homens brancos, ricos,
ilustrados, cristãos e de bem.
Bem-vindos
a 1889.
Fonte: domtotal.com
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