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O
itinerário espiritual pode ser descrito como uma viagem da cabeça ao
coração;
é uma viagem longa, difícil, mas apaixonante. (Ron Fung by Unsplash)
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“...voltaram para
sua terra por outro caminho” (Mt 2,12)
“Por que é que os homens se deslocam em vez de
ficarem quietos”? Esta
pergunta do escritor Bruce Chatwin nos reconduz ao centro do mistério do
próprio ser humano.
Somos
seres de travessia. As viagens nunca são apenas exteriores. Não é simplesmente
no espaço geográfico que o ser humano viaja. Isso significaria não perceber
toda sua a profundidade; deslocar-se implica uma mudança de posição, uma
ampliação do olhar, uma abertura ao novo, uma adaptação a realidades e
linguagens diferentes, uma expansão da sensibilidade, um confronto, um diálogo
tenso ou deslumbrado..., que deixam necessariamente impressões muito profundas.
A
experiência da viagem é a experiência de fronteira e do horizonte aberto,
de que o ser humano precisa para ser ele mesmo. Nesse sentido, a viagem é uma
etapa fundamental da descoberta e da construção de sua própria identidade e do
conhecimento do mundo que o cerca. É a sua consciência que perambula, descobre
cada detalhe do mundo e olha tudo de novo como da primeira vez. A viagem é uma
espécie de propulsor desse olhar novo. Por isso, é capaz de introduzir na sua
vida elementos sempre inéditos que o incitam a uma mudança contínua. Nada mais
anti-humano que uma vida estabilizada em posições fechadas, ideias atrofiadas,
visões limitadas pelo medo do diferente...
Mais
do que viajantes, aos poucos vamos nos descobrindo peregrinos.
Quando
fazemos uma peregrinação, muitas vezes nos interrogamos onde é que ela termina,
porque uma das coisas que experimentamos é que, à medida que caminhamos, a
realidade torna-se sempre mais aberta e nós nos enriquecemos muito mais. A
peregrinação não tem propriamente um fim: tem uma extraordinária finalidade. No
caso dos Magos é o encontro com o “Rei de Israel”.
Na
noite de Natal, Jesus se manifestou aos pastores, homens pobres e humildes, que
foram os primeiros a se deslocarem para levar um pouco de calor à fria gruta de
Belém. Agora são os Magos que chegam de terras longínquas, também eles atraídos
misteriosamente por essa Criança. Os pastores e os Magos são muito distintos
entre si; mas uma coisa tem em comum: o céu.
Os
pastores de Belém foram correndo para ver o menino Jesus não porque fossem
particularmente devotos, mas porque velavam de noite e, levantando os olhos ao
céu, viram um sinal e escutaram uma mensagem.
Assim
também os Magos: investigavam os céus, viram uma nova estrela, interpretaram o
sinal e se puseram a caminho. Os pastores e os Magos nos ensinam que para
encontrar Jesus é necessário saber levantar o olhar para o céu, não fixar-nos
em nós mesmos, ter o coração e a mente abertos ao horizonte de Deus, que sempre
nos surpreende, saber acolher suas mensagens e responder com prontidão e
generosidade.
O
termo “magos” tem uma considerável gama de
significados; mas, certamente, em Mateus são sábios cuja sabedoria religiosa e
filosófica os põe em caminho; é a sabedoria que leva a Cristo. Somente homens de uma
certa inquietude interior, homens de esperança, em busca da verdadeira estrela
da salvação, seriam capazes de colocar-se em caminho e percorrer a longa
distância entre Oriente e Belém.
Chama
a atenção a prontidão da resposta dos Magos. Com simplicidade expressam como no
preciso momento em que perceberam a indicação do céu, imediatamente reagiram e
a seguiram.
A
estrela que os guiava era uma estrela nova, superior, peregrina, que despertava
assombro e atraía àqueles que a contemplavam. Os caminhos deste novo astro,
orientam à salvação divina para toda a humanidade.
A
experiência dos Magos nos exorta a não nos contentar com a mediocridade, a não
permanecer adormecidos e estáticos, mas a buscar o sentido das coisas, a
perscrutar com paixão o grande mistério da vida. Eles nos ensinam a não nos
escandalizar frente à pequenez e à pobreza, mas a reconhecer a majestade na
humildade e sabermos ajoelhar diante dela. O deslocamento dos Magos ajuda a nos
deixar guiar pela estrela do Evangelho para encontrar Aquele que é Luz, e
despertar a luz que nos habita. Assim, poderemos levar aos outros um raio de
sua luz e compartilhar com eles a alegria do caminho.
Os
Magos vêm do Oriente e caminham para a luz. Estão orientados. Oriente significa
onde nasce o sol, a luz. A desorientação é a perda do sentido, do caminho, é
viver na escuridão. A verdadeira luz está mais presente na gruta despojada que
nos palácios e templos de Jerusalém.
Epifania,
portanto, é abrir caminhos; Epifania é buscar e caminhar para a luz.
Mateus
termina seu relato notando que, uma vez que os magos se encontraram com o
Menino Jesus, “regressaram por outro caminho”. E não mudam de caminho para
evitar Herodes, mas porque encontraram o Caminho: “Eu sou o
Caminho, a Verdade e a Vida”.
Deus,
a Luz, não está presente nos caminhos e pretensões de Herodes (e existem muitos
Herodes e faraós soltos pela história), mas naquele que é frágil e está deitado
em um presépio.
Como
os Magos, levantemos e voltemos à casa por outro caminho!
Quem
se encontra com Jesus voltará à sua casa, ao seu trabalho, às suas ocupações,
mas já não será o mesmo. Voltará de outra maneira, por outro caminho, com um
coração dilatado e um espírito renovado. Quem se encontra com a Criança de
Belém, dá-se conta de que os caminhos de Herodes, do poder, do prestígio, da
riqueza, são caminhos que levam à morte. E Epifania é o caminho da vida, da
acolhida e do encontro.
O itinerário
espiritual,
portanto, pode ser descrito como uma viagem da cabeça ao coração; é uma viagem
longa, difícil, mas apaixonante.
Por
diferentes motivos, também hoje vivemos uma grande mobilidade; precisamos ser
espertos em mover-nos entre o diferente, o que nos confunde, o mistério, o que
nos questiona... Sempre caminhando. Esta é a atitude daquele que segue um Deus
sempre maior, sempre surpreendente, que está sempre mais além de onde estamos.
Então, que sigamos, sempre adiante... mas façamos isso juntos, sem deixar
ninguém fora!
Este
e o dinamismo que deve perpassar nossa vida: da instalação ao crescimento, da
acomodação ao deslocamento contínuo. Partimos da realidade de que a tendência
natural é amparar-nos nas “zonas de conforto”; elas nos dão mais segurança; é
mais cômodo; requer menos energias.
A
inércia leva a viver o ordinário, o repetitivo; custa-nos admitir e saborear o
excepcional, o extraordinário; muitas vezes nos movemos em meio a um certo
ceticismo vital, sem paixão pela vida e pela missão. Mas o caminho da fé nos
leva de assombro em assombro, de graça em graça, de alegria em alegria.
“Há um tempo em que é preciso abandonar as
roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos
caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e,
se não ousarmos fazê-la teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos” (Fernando Pessoa).
Texto bíblico: Mt 2,1-12
Na
oração: Esse “outro caminho” é o caminho que deve direcionar para Deus nossa
vida.
O
que importa é pôr-se a caminho nas pegadas dos Magos, fazer escolhas e recusar
desvios.
-
Há alguma “estrela” abrindo horizontes para você?
-
O que há de “herodiano” em sua realidade e em seu mundo
interior? quais são as causas, as manifestações e os efeitos das suas
inseguranças, do fixismo em torno do próprio eu, dos seus medos?
-
conserve-se em movimento interior, sempre; nada de roteiros rígidos que
sufocam o Espírito, matam a criativi-dade, prendem à rotina e empobrecem o
dinamismo de uma vida em transformação.
*Adroaldo Palaoro é padre jesuíta e atua no ministério dos
Exercícios Espirituais.
Fonte:domtotal.com
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