Jesus
sempre será um problema para a sociedade e para
o cristianismo. (Free Bible Books/ Lomo
Project)
Jesus
revelou um Deus muito diferente daquele que era crido em sua época.
Por
mais inusitado que possa
parecer, Jesus sempre foi um grande problema para seu tempo e para o
cristianismo que veio após sua morte e ressurreição, uma vez que revelou um
Deus muito diferente daquele que era crido em sua época, ao mesmo tempo em que
interpelou as estruturas de morte presente na sociedade em que viveu.
Desde
sua origem, o cristianismo e seus discípulos tiveram que lidar com diversas
questões que os tiravam de alguma possível zona de conforto e suas próprias
visões de Deus, justamente por Jesus ter sido muito diferente daquilo que se
esperava dele. Exemplos desse tipo podem ser dados em coisas que, para nós,
cristãos e cristãs do século XXI, parecem besteiras, contudo se mostravam de
uma importância significativa e algumas vezes, fundamental para essa nova
religião que se iniciava.
Um
desses exemplos é o batismo de Jesus. O cristianismo nascente precisava lidar
com o fato de que Jesus havia sido batizado por João, que fazia um batismo de
arrependimento para todos e todas as que vinham até ele. Ora, se de acordo com
o cristianismo, Jesus não havia cometido nenhum pecado, qual o motivo dele ser
batizado por João? Os próprios Evangelhos tiveram dificuldades em lidar com
isso, bastando, para isso, perceber como que as narrativas vão sendo mais
elaboradas à medida que o tempo de escrita vai se passando. Marcos e Lucas
escrevem um pequeno trecho sobre isso. Mateus, por sua vez, já incorpora outros
elementos na narrativa, como por exemplo, a resistência de João Batista com
relação a esse batismo, a fim de dar a entender que João via Jesus como
superior a ele. O evangelho de João, último escrito, por sua vez, nem menciona
essa questão.
Outro
exemplo é a própria morte de Jesus crucificado. Era sabido naquela época que a
morte por crucificação era imposta pelo Império Romano a todos e todas que se
levantassem contra César, como exemplo para que outras pessoas não tentassem se
revoltar contra seu governo. Como falar que o crucificado, o morto como
bandido, entre bandidos, era o messias prometido para a salvação do povo de
Israel?
Há
vários outros exemplos que poderíamos citar, mas somente esses dois mostram a
imensa dificuldade que essas questões traziam para um cristianismo nascente que
precisava dar respostas a questões totalmente passíveis de interrogação para
aquele tempo e que, além disso, ainda pregava que um nazareno subversivo era,
de fato, a encarnação de Deus na Terra e modelo a ser seguido por todos e
todas.
Ainda
hoje Jesus continua sendo um problema, principalmente para os diversos
cristianismos que caminham na contramão daquilo proposto por ele, tais como o
neoliberal e seu irmão gêmeo, o cristianismo da teologia da prosperidade, uma
vez que Jesus os interpela mostrando que a mensagem de riqueza que anunciam em
nada tem a ver com a mensagem de amor que ele anunciava como marca
característica de Deus.
Também
se mostra como um problema para aqueles e aquelas que querem pensar um Jesus
que não viveu na carne, mas somente como um ser celestial e glorificado que não
é desse mundo e que saía fazendo milagres a torto e a direita para anunciar o
Reino de Deus, imaginando que ele não sofria os desejos, angústias, paixões,
alegria e necessidades fisiológicas como qualquer outro ser humano. No lugar,
preferem trazer para seus discursos certa ideia mitológica a respeito de sua
pessoa que distorcem totalmente aquilo que os Evangelhos narram a respeito de
Jesus de Nazaré, o que “andou por toda parte fazendo o bem e libertando a todos
os que eram oprimidos pelo diabo” (At 10,38).
Como
consequências dessa visão de Jesus como alguém desconectado da sua carne tem-se
a pregação de uma nova que não é boa nova, antes, má nova para aquele e aquela
que a escuta, uma vez que traz, em sua maioria, moralismos que oprimem e jogam
sobre os ombros das pessoas uma carga extremamente difícil e pesada de se
carregar, e que visam somente à manutenção do poder daqueles e daquelas que se
usam desse tipo de discurso.
Diante
disso, Jesus sempre será um problema para a sociedade e para o cristianismo,
uma vez que sua vida e sua entrega em amor a Deus e ao próximo revela que o ser
humano desejado por Deus deve fazer o mesmo e a religião que carrega seu
discurso deve se ater menos a regras morais e mais a ações efetivas de amor no
mundo.
*Fabrício
Veliq é protestante e teólogo. Doutor em teologia pela Faculdade Jesuíta de
Belo Horizonte (FAJE) e Doctor in Theology pela Katholieke Universiteit Leuven
(KU Leuven). E-mail: fveliq@gmail.com
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