PAULO FREIRE: NÃO SE PODE FALAR DE EDUCAÇÃO SEM AMOR
O sistema educacional
brasileiro nunca adotou afamada
pedagogia de Paulo Freire. (Nikhita S/
Unsplash)
O
problema da educação não é o suposto "marxismo cultural" nas escolas,
mas o descaso com o qual é tratada e a luta por poder por trás disso.
Dados divulgados, em
dezembro de 2018, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
revelam: mais de 2,8 milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola. Quatro
em cada dez jovens de 19 anos não concluíram o ensino médio. Em Minas Gerais,
20% dos jovens entre 15 e 29 anos não estudam e não trabalham. No Brasil, 62%
destes abandonaram a escola e 55% pararam de estudar ainda no ensino
fundamental. Entre os estudantes do ensino médio, sete em cada dez alunos que
estavam concluindo esta etapa não tinham níveis suficientes de compreensão e
leitura em português. Não entendem o que leem! “Descobri que o analfabetismo
era uma castração dos homens e das mulheres, uma proibição que a sociedade
organizada impunha às classes populares” (Paulo Freire).
Prédios sucateados,
bibliotecas fechadas, evasão escolar! Lâmpadas queimadas, janelas e carteiras
quebradas, goteiras, banheiros entupidos e sem água. Dados do Censo Escolar
2017 mostram que entre as instituições de Ensino Fundamental, apenas 41,6% contam
com rede de esgoto, e 52,3% apenas com fossa. Turmas superlotadas. Professores
com meses de salários minguados e atrasados, jornada de trabalho extenuante.
Stress e depressão. A merenda escolar como única refeição do dia muitas vezes
em falta, roubada por agentes públicos. Quanto maior a pobreza e a fome, maior
é a probabilidade de problemas de aprendizagem. Jovens reprovados por não
conseguirem acompanhar o ritmo escolar. Entram mais cedo no mercado de
trabalho, abandonam a escola para ajudar nas despesas da família.
Dentro desse contexto o
Ministério da Educação enviou um e-mail para os diretores de escolas do país
pedindo a leitura de uma carta do ministro Ricardo Vélez Rodríguez. Depois da
leitura, que se execute o Hino Nacional, tudo deveria ser filmado e encaminhado
ao MEC. Tempos insanos e nebulosos.
Neoliberalismo
autoritário. As incontáveis deficiências - da educação infantil ao ensino
superior - não preocupam o titular da pasta da educação, um colombiano. O
espectro do “marxismo cultural” é mais alarmante que garantir o direito
universal e constitucional à educação. Logo nos seus primeiros dias, o atual
governo extinguiu o Ministério da Cultura e desmantelou o Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação. “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem
ensino” (Paulo Freire).
Enquanto isso, o mundo
já ingressou na quarta revolução industrial, na ‘era do conhecimento’ e da
informação. Na contramão, mentalidades pré-civilizatórias condenam o país ao
atraso, cortam recursos federais em cultura, ciência, tecnologia e pesquisa.
Gerar e difundir conhecimento é coisa de comunista! Patriotismo é cantar o hino
e prestar continência (a Trump). “O autoritarismo é uma das características
centrais da educação no Brasil, do primeiro grau à universidade” (Paulo
Freire).
A Constituição determina
pisos de gastos com a educação para o Executivo federal, estadual e municipal.
A União deve destinar 18% de sua receita líquida para essa área, enquanto
estados e municípios devem alocar 25%. Em 2014 foi sancionada pela presidenta
Dilma uma lei que colocava como meta, para o governo, gastos equivalentes a 10%
do PIB em educação, no prazo de dez anos. Mas, em 2017, Temer cortou R$ 4,3
bilhões do orçamento do MEC.Em 2018 deputados e senadores
aprovaram o corte da metade de uma das fontes de recursos do Fundo Social do
Pré-Sal, destinado a investimentos em saúde e educação. Um golpe mortal na
educação.
Milicianos do ódio
instalados no poder! “Vou entrar com um lança-chamas no MEC e tirar o Paulo
Freire lá de dentro”, bradou o presidente em campanha eleitoral. Ele jamais leu
uma linha escrita pelo educador. Talvez por isso tenha escolhido como ministro
da educação alguém que ignora conhecimentos básicos em pedagogia.
Paulo Freire, patrono da
educação brasileira, é o terceiro pensador mais citado do mundo em
universidades da área de humanas. Uma vida dedicada a superar a educação
autoritária e castradora do pensar. Brasileiro mais homenageado da história,
com 35 títulos de Doutor Honoris Causa por todo o mundo. Freire também era um
cristão de profundo compromisso ético com a defesa da vida. Suas raízes
evangélicas sustentam sua Pedagogia do oprimido: “Assumo
apaixonadamente, corporalmente, com todo meu ser, uma postura cristã, porque
ela me parece plenamente revolucionária, humanista e libertadora”.
Educação como Prática da
Liberdade, título de um dos seus livros. Sim, “libertação” como exercício
da liberdade, elemento central do processo de humanização plena da pessoa. A
educação deve ensinar a respeitar o outro, a conviver em comunidade, forjar
cidadãos. Educar é encaminhar o aluno em direção às múltiplas escolhas da
liberdade. Ser pensante é ser transgressor. “Não basta saber ler que Eva viu a
uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social,
quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho” (Paulo
Freire).
Freire acreditava que os
mais pobres poderiam recuperar sua plena dignidade e humanidade através da
educação. Infelizmente, seu país não se importa com a educação como ele se
importava. O sistema educacional brasileiro nunca adotou sua afamada pedagogia.
Ao contrário, “não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo,
torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente” (Paulo Freire).
Liberar armas é mais urgente que construir escolas e valorizar professores. Faz
sinal de arminha e canta o Hino que a educação melhora!
*Élio Gasda é doutor
em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo
global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo
e economia (Paulinas, 2016).
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