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A dificuldade em
ver as coisas de longe é o que
caracteriza a
miopia. (Dmitry Ratushny/ Unsplash)
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Cristianismo míope é aquele que não consegue enxergar as coisas que estão longe do seu arcabouço conceitual e, muitas vezes, ritualístico.
A miopia é um problema ocular muito fácil de ser encontrado. É
muito provável que cada leitor e cada leitora desse texto conheça alguém que
possua esse tipo de distúrbio ocular e que, por isso, necessita usar óculos
para corrigi-lo.
A dificuldade em ver as coisas de longe é o que caracteriza a
miopia, fazendo com que diversas pessoas fiquem com as vistas doendo quando
tentam ler alguma placa de ônibus, ou algum sinal distante. Outra
característica marcante consiste em ter dificuldade para reconhecer de longe o
rosto de alguma pessoa, tendo que, muitas vezes, pedir desculpas a ela por não
a ter cumprimentado, ainda que não tenha sido por mal.
Em 2004, como nos mostram Nassaralla e Nassaralla Jr1.,
a miopia era considerada uma das maiores causas de cegueira legal em todo
mundo, o que por si só já mostra como algo que, aparentemente, considera-se
como corriqueiro, pode ter consequências bastante danosas para quem a possui.
Da mesma forma, é possível falar sobre essa temática dento do
próprio cristianismo. Vê-se crescer, em dias atuais, um movimento cristão que
podemos chamar de um cristianismo míope, ou seja, que não consegue enxergar as
coisas que estão longe do seu arcabouço conceitual e, muitas vezes,
ritualístico.
Esses movimentos, tão acostumados a viverem em seus próprios
mundos, a ver as coisas de uma só forma dentro dos mesmos moldes de sempre,
quando confrontados com uma situação que vai além do seu próprio campo de
visão, têm dificuldades para enxergar e, por isso mesmo, condenam sem nem ao
menos conhecer sobre aquilo que falam.
Nesse sentido, podem ser comparados a aqueles e aquelas que não
percebem que há um problema na visão que precisa ser tratado para possibilitar
enxergar o que está além de forma mais clara, reconhecendo as perfeições e
imperfeições que há naquilo que os olhos comuns de um míope não conseguem ver e
que lhe está longe.
Infelizmente, em dias atuais é possível perceber um cristianismo
míope em diversas questões, tais como as ambientais, as referentes ao diálogo
inter-religioso, as que têm relações com as religiões de matrizes africanas,
dentre tantos outras que poderíamos citar, nas quais alguns movimentos
cristãos, ao invés de colocarem as lentes do amor de Cristo que capacita ver o
outro como ser humano e a natureza como obra da criação, preferem, ao invés
disso, suscitar preconceitos contra pessoas que pensam de formas diferentes,
bem como fomentar a destruição da natureza com um falso discurso de que ela
está aí para ser dominada e subjugada ao invés de ser cuidada e utilizada com sabedoria
e misericórdia.
Essa miopia pode ser diagnosticada toda vez em que determinado
movimento que se diz cristão começa a se fechar em seus próprios conceitos e
dogmas, no intuito de restringir as liberdades dos que pensam de maneiras
diversas, ao mesmo tempo em que condenam tudo, todos e todas que não seguem às
cartilhas propostas por eles. Esses, como toda pessoa míope que não trata esse
problema com lentes corretivas, passam a ver tudo o que lhe são distantes de
maneira distorcida e confusa e, com base nisso, podem tomar decisões erradas e
com grandes consequências que, na maioria das vezes, atingem aos mais pobres e
aos mais desprovidos de recursos.
Nesse cenário, urge a necessidade cada vez maior de que, enquanto
cristãos, estejamos atentos aos sinais de possíveis miopias que possam afetar
nosso olhar sobre o mundo, a sociedade, a política e até mesmo a própria
religião que seguimos.
O exemplo de Cristo, sua aproximação dos mais pobres, sua luta em favor dos seus direitos, contra os detentores do poder religioso e político de seu tempo, sua abertura ao diferente, sua subversão com relação aos dogmas que escravizavam, mostrando que o ser humano sempre foi mais importante do que as normas, deve ser sempre o parâmetro pelo qual avaliamos se estamos ficando míopes ou não.
[1] NASSARALLA JR, J.J; NASSARALA, B.A. Degenerações periféricas
da retina do olho míope X LASIK. In: Arquivo Brasileiro de Oftamologia,
2004, v. 67, n.2, p.353-358. Disponível em: www.scielo.br/pdf/abo/v67n2/19768
*Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em teologia pela
Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) e Doctor in Theology pela Katholieke
Universiteit Leuven (KU Leuven). E-mail: fveliq@gmail.com
Fonte: domtotal.com
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