VIVER EM REDES... SEM ENREDAR-SE REFLEXÃO SOBRE O EVANGELHO DO V DOMINGO DO TEMPO COMUM - LC 5,1-11
Tudo o que, em vão, buscamos na superfície, está dentro de
nós
(Lomo Project/ Free Bible Images)
“Avança para águas mais
profundas, e lançai vossas redes...” (Lc 5,4)
Indiscutivelmente, Jesus
é o misterioso visitante que cada dia chega até nós para advertir que
precisamos nos libertar do tedioso cotidiano, quando ele se torna convencional
e, não raro, carregado de desencanto, pesado, estressante... Corremos o risco
de sermos apenas imitadores ou repetidores, pois tememos nos perder na busca
do novo, bloqueando o desenvolvimento pessoal e comunitário.
O encontro com Jesus nos
arranca da rotina, do “sempre fizemos assim” e nos desafia a “pescar” de
maneira diferente; sua presença alarga nossa mente e nosso coração
instigando-nos a sair dos nossos estreitos mares e entrar no movimento do vasto
mar que Ele nos oferece.
Em quê grau Sua presença
nos desperta para aquilo que devemos ser como seus(suas) seguidores(as)?
São grandes os riscos de
vivermos em mares tão estreitos; é cômodo perceber, delimitar, defender e
fechar-nos no próprio mar. Isso fazemos de maneira tão zelosa
que nem vemos aquilo que está para além da margem onde nos estabilizamos.
Tal estreiteza de vida
aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social,
à falta de compromisso com as mudanças que se fazem urgentes. O próprio espaço se
torna uma couraça e o sentido do serviço some do horizonte inspirador de tudo
aquilo que se faz.
Hoje, o lago de
Tiberíades se converteu numa grande rede que abarca o mundo inteiro.
Mas, o que as pessoas buscam nessa grande rede? E, sobretudo, o quê estamos
oferecendo nela para evangelizar?
Com um só click podemos
chegar a milhões de pessoas, podemos fazer muito bem, mas também podemos criar
muita confusão e inclusive repulsa, podemos levar a mensagem de Jesus ou
simplesmente fazer transparecer todo o nosso ego inflado, cheio de si mesmo. As
redes sociais têm seus perigos, mas também tem suas grandes oportunidades que
não podemos desperdiçar. Vamos nos dando conta que, enquanto não evangelizemos
a partir dos meios eletrônicos modernos, não poderemos encher nossas redes de
peixes. O seguimento de Jesus implica hoje a necessidade de evangelizadores nas
redes sociais.
Tendo as ferramentas em
mãos (nossas pobres barcas e redes) e sendo portadores de uma mensagem de vida
(o evangelho) somos movidos por Jesus a “ser pescadores do humano”.
No mar das redes sociais
ressoa mais uma vez o apelo de Jesus: “fazei-vos pescadores do humano”.
Frente a esta nova
realidade, quê tipo de profecia responde melhor a nossa
peculiar forma de cooperar na missão do Espírito do Abbá e de Jesus.
Estamos no mundo
das telas: através delas nos interconectamos, transmitimos
informações, saberes. As diversas telas tendem à convergência: com um só
dispositivo, fixo ou móvel, podemos falar, enviar e receber fotos, música,
vídeos e qualquer tipo de arquivo; com o “boom” das redes sociais podemos fazer
isso com o grupo que elegemos em cada momento.
Se há algo que
caracteriza nosso tempo é a nova consciência de ser rede-comunhão-interconexão-unidade. Encontramo-nos
em um tempo surpreendente: as espetaculares inovações tecnológicas nos convidam
a entrar numa inimaginável rede de informações, imagens,
conexões... Nosso planeta está dotado de uma complexíssima textura de
comunicações. Com apenas alguns clics oferece-se, diante de nós, um mundo
complexo, de graça e maldade, de alianças para o bem e para o mal, de luzes e
trevas.
E aí estamos nós,
seguidores(as) de Jesus, “enredados(as)”, nos perguntando por nossa identidade
cristã, na vivência do Evangelho e na missão de nos fazer presentes neste “novo
mundo”.
Todos já sabemos que
tudo está interconectado: a globalidade é interação. Lentamente
vai-se tomando consciência de que formamos parte de um todo. A realidade vai se
revelando como um manto sem costuras, sem fraturas, onde todos estamos
implicados e comprometidos.
“Rema mar adentro!”, ressoa
a voz de Jesus. A multidão permanece em terra; somente Pedro e seus
companheiros se adentram no mar profundo. Este apelo de Jesus é muito
simbólico. Em grego “bados” e em latim “altum” significam profundidade (alto
mar); só nas profundezas é que se pode extrair o mais autêntico do ser humano,
o que é mais nobre e divino.
Tudo o que, em vão,
buscamos na superfície, está dentro de nós. Mas, ir mar adentro não é tão fácil
como pode parecer. Exige ultrapassar as seguranças do “eu superficial” e
adentrar-nos nas incontroladas águas de nosso ser profundo. Confiar naquilo que
não controlamos exige uma fé-confiança autêntica. Dizia Teilhard de
Chardin: “Quando descia ao profundo de meu ser, chegou um momento em que
não ‘dava mais pé’ e parecia que me deslizava para o vazio”.
O mar era
o símbolo das forças do mal. “Pescar homens” era um dito popular que
significava tirar alguém de um perigo grave. Não quer dizer, como se entendeu
com frequência, fazer proselitismo ou converter as pessoas à força para a
religião cristã. Aqui quer dizer: ajudar as pessoas a sair de todas as
opressões que lhe impedem crescer e desenvolver suas potencialidades. Só pode
ajudar o outro a sair da influência do mal aquele que encontrou o que é mais
verdadeiro e nobre dentro de si mesmo.
Neste contexto atual,
onde corremos o risco de nos converter em pessoas “grudadas” a uma tela, se faz
mais necessário que nunca humanizar a rede para “pescar o humano” que
está escondido no oceano interior de cada um. Esta humanização requer, em
primeiro lugar, muita responsabilidade.
Tudo isto nos leva a
pensar que na rede há uma grande necessidade de silêncio (“silêncio na rede”),
precisamente para que possamos ouvir a verdade com amor. Há excessivas palavras
que afogam, notícias falsas, “bullings”, campanhas desqualificadoras e
comentários feitos com extrema má educação. Sobretudo nas páginas religiosas,
precisamos de um silêncio construtivo para que se escute a verdade que liberta.
Silêncio
construtivo significa utilizar
uma linguagem propositiva, compreensiva, que estenda pontes de diálogo, que escute
o outro que é diferente, que leve em conta o que “o outro” diz, talvez um
aspecto da realidade que nos tinha escapado.
Silêncio
construtivo significa tomar
partido pelos mais fracos e excluídos; significa usar uma linguagem que sare as
feridas, que reconstrua os vínculos quebrados. Uma página (mensagem) que só
busca condenar, que só revela intolerância e preconceito, não pode ser
evangélica. Literalmente, “há demasiado disparos” que desumanizam.
Precisamos do azeito do consolo que cura as feridas, o vinho da esperança que
nos une como irmãos acima das diferenças, o pão da compaixão que alimenta e
eleva ...
É preciso fazer a “travessia” do
estreito mar de nossa vida, onde nossas inúteis barcas e redes só “pescam”
futilidades e lixo, para o grande oceano que Jesus nos oferece, carregado de
vida e vida em plenitude.
Texto bíblico: Lc 5,1-11
Na oração: “Rema mar adentro e desce ao profundo de teu ser!” É um
convite dirigido a todo ser humano. Sem essa profundidade, não é possível a
plenitude humana. A contemplação é o único caminho.
“Não é necessário que
percorras os mares buscando alimento; aprende a pescar em teu próprio mar
interior; o que com tanto afinco buscas fora de ti, já tens ao alcance da mão,
dentro de ti.
Se não tens pescado
nada, quê poderás oferecer aos outros? Se não tens aprendido a pescar, como
poderás ensinar a outros? Dá verdadeiro sentido à tua vida e ajudarás os outros
a atingir o mesmo”. (cf. Fray Marcos)
*Adroaldo Palaoro é
padre jesuíta e atua no ministério dos Exercícios Espirituais.
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