RESSURREIÇÃO: PEDRA ANGULAR DA VIDA CRISTÃ REFLEXÃO SOBRE O EVANGELHO DO DOMINGO DE PÁSCOA - JO 20,1-9
Ressurreição:
experiência de afastamento das pedras
que travam o fluir da vida. (Reprodução/
Pixabay)
“...e viu que a pedra
tinha sido tirada do túmulo” (Jo 20,1)
A escuridão da madrugada
desaparece e desponta a Luz que dá início à nova Criação e à nova história.
Depois do silêncio,
renasce a Palavra. Parecia o fim e, no entanto, aquele silêncio era o mesmo que
precedeu à Palavra criadora: “Faça-se a luz”! O silêncio de
Deus é fecundo. É no tempo silencioso que a semente se torna fruto e o ser
humano se torna pessoa. O silêncio permite transformar a morte em vida. Aquele
túmulo, afinal, era uma fonte pujante de vida e de alegria. Aquele lugar,
aparentemente escuro e vazio, veria uma luz que o mundo inteiro não pode
conter. Por isso, para nós, as experiências do silêncio de Deus serão sempre um
convite à fé e à esperança.
Não há razão para o medo
e a tristeza, pois o silêncio esconde a vida e a consolação de Deus.
Arrancados do silêncio
dos nossos túmulos, também nós podemos gritar como Maria Madalena no primeiro
dia de Páscoa: “Vi o Senhor”!
Este grito, que nos
enche de esperança, rasgará todo o silêncio e ecoará por toda a eternidade.
A pedra que fora
removida do túmulo de Jesus revelou a Madalena uma novidade que seu coração
buscava, uma novidade que espanta, enche o interior do desejo de procura: “Ele
vive”.
O caminho de Madalena em
direção ao túmulo é símbolo da coragem de atravessar o escuro da madrugada para
ver resplandecer uma nova aurora em sua vida, pela força criadora da única
Presença que tudo sustenta, tudo recria e enche de amor: a presença do Cristo
Ressuscitado.
Ressurreição: experiência de
afastamento das pedras que travam o fluir da vida.
“Nossa vida está
escondida com Cristo em Deus”. Essa vida quer se expandir. Vida que vem de Deus, vivida em
Deus e que desemboca, como um rio, no Grande Oceano da Vida.
A experiência da
Ressurreição permite transformar todas as pedras da entrada do túmulo em pedra
fundamento, sobre a qual construir nossa vida. A ressurreição tudo
integra, tudo pacifica, mesmo as pedras que bloqueavam a vida.
A ressurreição nos faz
sair da estreiteza da vida e renascer para coisas maiores, do alto.
“Há um risco de
acostumarmos e conviver com os sepulcros” (Papa Francisco).
Sepulcro é passagem: é
como ventre materno. Há um tempo para germinar, potencializar a vida.
Podemos dizer que a
Ressurreição é a “pedra angular” da nossa vida de fé. Pedra
sobre a qual a fé pode se construir, base sólida que fundamenta a nossa vida.
Diferença entre a Pedra
angular e a pedra rolada na entrada do túmulo (que impede o fluir da vida):
pedra na entrada no túmulo é sinal de morte, pois se fixa no passado; pedra
angular é sinal de vida, base sobre a qual se constrói um futuro inspirador.
Há muitas pedras na
entrada do nosso coração, travando a vida (tristeza, fracasso, crise,
trauma...); só a experiência de encontro com o Ressuscitado pode rolar estas
pedras, integrando-as e dando um novo significado. A experiência de
Ressurreição permite transformar a pedra da entrada do túmulo em Pedra angular.
No evangelho de hoje, a
experiência dos três personagens (nossos espelhos), revelam
pedras na entrada de seus corações. Madalena, vai ao sepulcro sozinha, de
madrugada, busca um corpo, carrega uma pesada pedra de tristeza, fracasso e dor
pela perda do amigo. Encontra a pedra do sepulcro removida e fica assombrada
diante deste fato. A pedra do seu coração também começa a ser removida (vai
culminar no encontro com Jesus); ela entra em outro movimento: sai de sua
solidão e vai avisar os outros discípulos, embora não tenha clareza do que está
ocorrendo.
Sua vida foi uma longa
noite até que o encontro com Jesus a libertou e lhe abriu um novo horizonte,
restituindo-a em sua dignidade de filha de Deus e potenciando-a para iniciar
uma nova vida e formar parte do grupo dos mais achegados a Jesus. Madalena, a
“apóstola dos apóstolos”, é uma de nossas grandes mestras na noite e na crise
que supõe a passagem pelo Sábado santo.
Pedro e João também
carregam a pedra do medo (estavam trancados em casa, como se fosse sua
sepultura). Com o aviso de Madalena, começa um movimento interior neles: saem
do esconderijo correndo e vão ao encontro do túmulo.
João, talvez com uma
pedra menor, corre mais veloz. Foi o único apóstolo fiel até o fim.
Pedro, que carrega pedra
até no nome, permanece na dúvida.
João corre e chega
primeiro; não entra de imediato no túmulo: precisa de tempo para processar a
novidade
da pedra removida. Ele é
mais místico e se deixa impactar pela surpresa que encontra. Por isso, quando
entra no túmulo,
mergulha no mistério: viu e acreditou. Bastou alguns sinais (faixas de linho no
chão e sudário enrolado), mas foi o suficiente para compreender o que estava
acontecendo. Se não houvesse encontro com o Ressuscitado, para ele bastariam os
sinais.
Pedro, primário na sua
reação, entra abruptamente no túmulo: vê os mesmos sinais, mas ainda permanece
na dúvida. Mas ambos, Pedro e João, sentem que as pedras interiores começam a
ser afastadas.
“A pedra tinha sido
removida”: debaixo
de cada pedra que parece amassar-nos, há vida que quer ressuscitar. À luz da
ressurreição não há pedra que seja capaz de sufocar o impulso vital.
O sepulcro vazio é um
convite a saber olhar com o coração para descobrir, nas faixas e sudários de nossa
vida, a presença do Ressuscitado. Só o amor nos capacita para um olhar
contemplativo; por isso, o amor corre mais depressa que a autoridade. Para quem
tem olhar contemplativo, as faixas já representam um grande sinal: apontam para
uma vida destravada e plena.
“Viver como
ressuscitados” é a marca que identifica os(as) seguidores(as) de Jesus.
Estar atentos às faixas
e sudários de nosso cotidiano: elas apontam para a vida.
Texto bíblico: Jo 20,1-9
Na oração: Vamos, no dia de hoje,
acompanhar Maria Madalena em seu itinerário da morte à vida, vamos fazer o
caminho com ela da nostalgia à fé, do luto à esperança, do vazio à comunidade,
do silêncio ao anúncio.
Vamos assumir como
nossas as suas perdas, seu pranto e seu desconsolo, e identificar neles também
nossas perdas e as de nosso mundo.
Vamos pedir ao Deus de
todo consolo que, com sua ternura e cuidado, regue as sementes de nossas
perdas, nossas frustrações, nossos ceticismos, nossas expectativas fracassadas,
para que engendrem vida nova e não amargura e nem desespero.
Acompanhando Maria
Madalena em seu percurso de luto, façamos memória dos nossos lutos e os de
nosso povo e peçamos a Deus para sermos consolados, e assim poder ser
testemunhas da consolação em meio a tantos fracassos históricos, como estão acontecendo
em nosso mundo e em nossos ambientes cotidianos.
“Olhar o ofício de
consolar que Cristo nosso Senhor exerce...” (S. Inácio de Loyola)
*Adroaldo Palaoro é padre jesuíta e atua no ministério dos
Exercícios Espirituais.
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