Não é possível reconhecer o Corpo do Senhor
presente na
Eucaristia
se não reconhecemos o Corpo do Senhor na
comunidade
onde alguns passam necessidades.
(Jametlene
Reskp/ Unsplash)
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“Estavam tomando a
ceia” (Jo 13,2)
Na Quinta-feira Santa
celebramos o Amor de Jesus até o extremo, a radicalidade de sua ternura que se
faz cuidado até o ponto de identificar-se com a humanidade mais ferida.
Não é só o “dia do amor
fraterno”, mas do amor pleno, em todas as suas dimensões, tal como se revelou
na vida e mensagem de Jesus, culminando neste dia através de quatro expressões:
É Amor de Ceia,
compartilhar o pão e o vinho (Eucaristia), em gesto de comunhão aberta a todos
os homens e mulheres da terra, amor que protesta contra a fome e marginalização
de milhões de pessoas;
É Amor de Lava-pés, ou
seja, de serviço concreto aos outros, na casa, no trabalho, nas relações... É
lavar os pés, dar dignidade a quem está próximo ou distante, em gesto concreto
de compromisso e ajuda humana;
É o Amor do Novo
Mandamento, o único mandato de Jesus, que marca a identidade dos seus
seguidores.
É Amor que se institui
em forma de Ministério concreto de serviço aos demais. Este é o dia do
sacerdócio, que não é posição de poder sobre os outros, mas um modo de viver,
acompanhando e ajudando os outros, homens e mulheres, em gesto concreto de amor
(“como eu vos tenho amado” e “vos lavei os pés”).
Enfim, Jesus pede aos
seus que amem assim, que se lavem os pés, que se ajudem e sirvam a todos. Esta
é sua Páscoa de Quinta-feira Santa. E tudo isso junto a uma mesa, despojada e
provocativa.
Modelada pelo ser
humano, a mesa, ao mesmo tempo modela todo aquele que dela se aproxima; na
perspectiva cristã, a mesa desperta em nós aquela sensibilidade e delicadeza
de servidores, como Jesus teve, ao se prostrar, com o avental,
aos pés dos apóstolos para lavar-lhes os pés.
Jesus, antes de se
deixar no sacramento do pão, “desejou ardentemente” cear com
os seus, ou seja, Ele teve fome, desejo ardente, motivação para...
A mesa e a refeição
foram o “lugar sagrado” do pão, dos afetos, dos desejos de
relações livres, de compromisso, de justiça e de solidariedade vividos por Ele
durante sua peregrinação, passando de mesa em mesa, até se fazer alimento, numa
mesa de refeição e de festa: a da sua Páscoa.
Podemos dizer que a mesa
tem um “quê” de mistério pascal, pois ela nos capacita para acolher o
inesperado que vem: o “outro” em sua aflição, em sua fome, em sua dor.
Nela, o coração humano
encontra repouso, alento, força e vigor para caminhar com sentido de viver no
mundo que o cerca, ora em sua paixão, ora em sua morte, mas também em sua
ressurreição, até que toda a Criação seja plenificada em Deus.
Palco da realidade
cotidiana, a mesa da refeição e da festa transforma-se num grande teatro, onde
o personagem principal é a vida e suas aventuras.
Nesse teatro cotidiano,
nós contamos, recontamos e nos reconectamos com a nossa própria história,
muitas vezes enterrada pelo esquecimento. Como seres pensantes e pulsantes,
somos desafiados, junto à mesa, a compor uma nova história.
O importante é que
estejamos à mesa da refeição sempre inteiros, para que nada seja perdido,
alienado aos nossos olhos, mas sim resgatado, redimido pelo “mistério
do encontro”.
Mesa criativa, solo de
onde brota o alimento material, emocional, psíquico e espiritual em suas
múltiplas formas, cores, aromas e sabores do Reino do Pão e da Festa da Vida.
A grande e sublime
refeição foi a Última Ceia que se apresenta como o cume de todas as refeições
que Jesus participara com diferentes pessoas, porque nela desembocam as
aspirações de todos os tempos.
Na Eucaristia, estão a
mesa, a comida e a bebida, os comensais, sem exclusão de ninguém, provocando,
como na mesa humana, a partilha, o encontro, a troca, a comensalidade, a união
e a comunhão.
O altar se torna o móvel
sagrado por excelência, em torno do qual se reúne a povo peregrinante, que
marcha para o festim do Reino, mesa definitiva, preparada para todos aqueles
que ouviram e atenderam o convite do Senhor. A mesa do Senhor oferece pão e
vinho, os quais são distribuídos sem distinção de pessoas.
A eucaristia reúne os
participantes na comensalidade divina, recordando-lhes o grave compromisso que
os une a todos os homens e mulheres. Unir-se a Cristo é unir-se a toda e
qualquer pessoa.
Quê fazia e quê
queria fazer Jesus na Última Ceia?
A chave de resposta está
no evangelho de hoje; a única forma de compreender a Eucaristia é entender o
Lava-pés. O gesto escandaloso de Jesus revela um enfoque nem sempre percebido
em seu sentido último. Jesus não faz um gesto teatral; Ele revela aos apóstolos
um “novo ângulo” ou um novo modo de ver as coisas: não a
partir do lugar dos comensais, mas a partir da perspectiva de
quem não está sentado à mesa.
O gesto de Jesus convida
a nos deslocar, ou seja, ocupar o lugar da pessoa que não participa da mesa.
Quê novidade se percebe a partir deste lugar?
Quando me situo no lugar fora
da mesa, a primeira coisa que percebo é que falta um lugar junto à mesa,
precisamente o meu lugar.
Suponhamos que os
comensais me admitam à mesa e arrumem um lugar para mim. Automaticamente se
revela um problema: redistribuição de espaço, de alimentos, etc...
Portanto, olhar a
refeição a partir do ângulo de quem não participa muda totalmente as
perspectivas.
Assim fica claro que não
é normal que haja pessoas excluídas da refeição, quando todos fomos criados
para sentarmos como irmãos(ãs) na mesma mesa do Pai. Enquanto houver excluídos
não será o banquete que Jesus quis, e portanto, será necessário cair-nos na
conta da exigência de mudança para que todos eles possam participar. Somente
fazendo-nos solidários da promoção e libertação daqueles que não se sentam à
mesa comum poderemos realizar, na verdade, a prática do sacrifício de Jesus.
Esse era o desejo que
habitava o mais profundo do coração d’Ele: reunir todos os homens e mulheres ao
redor de uma mesa, sem exclusões e nem marginalizações.
Não é possível
reconhecer o Corpo do Senhor presente na Eucaristia se não reconhecemos o Corpo
do Senhor na comunidade onde alguns passam necessidades. Pois, se fechamos os
olhos às divisões e às desigualdades mentimos ao dizer que Cristo está presente
na Eucaristia.
Enquanto não nos
mobilizamos a mudar nossa sociedade de maneira que mais pessoas aceitem a
alegria de compartilhar o pão e a vida, faltará algo em nossa Eucaristia.
Essa “ferida” o cristão
deve sempre tê-la presente.
Texto bíblico: Jo 13,1-15
Na oração: O apelo, neste dia, é “cristificar nossas mesas
cotidianas”; e ao participar delas nos descobrimos solidários com
todo o povo que caminha; ao mesmo tempo, elas prolongam em nossas casas a “mesa
do Se-nhor”, quebrando em nós qualquer solidão ou muralha e nos
ajudando a acolher as pessoas, a amá-las na sua diferença. A “mesa
cristificada” desperta em nós outras fomes: justiça, solidariedade,
compaixão...
- Jesus, companheiro de
mesa, nos convida a ser mesa de acolhida e de partilha.
Adroaldo Palaoro é padre
jesuíta e atua no ministério dos Exercícios Espirituais.
Fonte: domtotal.com
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