Se queremos fazer caminho
com Jesus temos de acolher suas condições
e entendê-las como Ele as entende. (Unsplash/
Jehyun Sung)
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“Se alguém me quer seguir, renuncie
a si mesmo...” (lc 9,23)
Depois do longo e intenso percurso
pascal, retomamos o tempo litúrgico conhecimento como “Tempo Comum”, seguindo o
evangelista Lucas (Ano C).
A cena do evangelho deste domingo é
muito conhecida, pois ela é relatada nos três evangelhos sinóticos, embora com
grandes diferenças. Os discípulos já levam um bom tempo acompanhando Jesus. Por
que o seguem? Jesus quer saber qual é a motivação presente no interior de cada
um deles. Por isso, dirige uma pergunta ao grupo: “E vós, quem dizeis que
eu sou?”
Esta é a pergunta que também deve
ter ressonância em nosso interior; afinal, dizemos ser seguidores(as) de Jesus.
Seguimos, de fato, uma pessoa ou seguimos uma doutrina, uma religião, uma
moral...? Não é suficiente repetir fórmulas aprendidas na catequese. Aqui trata-se
de expressar uma identificação profunda com a vida e com o modo de ser do
Profeta da Galiléia. Por que o seguimos? Não basta afirmar que Ele é o “Messias
de Deus”; é preciso dar passos no caminho aberto por Ele, acender também hoje o
fogo que Ele quis espalhar no mundo. Como podemos falar tanto dele sem sentir
sua sede de justiça, seu desejo de solidariedade, sua vontade de paz?
Na experiência humana ressoa, desde
sempre, a marca ou o chamado a transcender-se, a ir além de si mesmo. O
seguimento de Jesus pressupõe a pessoa capaz de sair de si mesma, de
descentrar-se. Deixar ressoar a voz do chamado no próprio interior implica um
investimento de toda a pessoa. O ouvido se abre, o olhar se aclara, a mente se
expande, o coração compreende, o corpo se ergue e a vida se reinicia.
Vida aberta e sempre em movimento,
pronta para acolher e viver as surpresas.
Estamos inseridos numa cultura onde
as entregas são vividas pela metade, as opções são de fôlego curto e os
projetos não tem consistência.
Vivemos a chamada “cultura líquida”
onde tudo parece que nos escapa das mãos. Não há solidez nas decisões pois elas
são apressadas e superficiais, porque o horizonte está obscuro.
Jesus não impõe nenhuma condição,
não quer gente que busque carreiras ilustres, riquezas, prestígio.... Quer
pessoas que sejam capazes de descentrar-se, de renunciar ao próprio ego, de
desapegar-se daquilo que as atrofia e as limita, para investir numa proposta de
vida que dê direção e sentido à própria existência. Este é o lema de
Jesus: “renunciar a si mesmo, tomar a cruz cada dia e segui-Lo”
O que significa “renunciar a si
mesmo”. Significa sair da visão egocentrada, nascida da crença errônea de
que somos o ego. Talvez pudesse ser expresso desta forma: “Deixa de crer
que és o eu separado e descobrirás a riqueza de tua verdadeira identidade; nem
sequer vê a tua vida a partir do ego, porque sofrerás e farás sofrer;
contempla-a a partir de tua verdadeira identidade, onde há uma unidade
profunda, mas sem apego nem comparações”.
Não é a renúncia o que nos salva,
mas o desenvolvimento e a expansão da vida em direção à plenitude.
A renúncia é sempre lícita e
aconselhável quando fazemos por algo melhor. O apego a nós mesmo, às coisas ou
às pessoas, impede-nos de mover com facilidade. Perdemos o fluxo da vida e o
impulso do movimento, a suavidade do “deslizar pela existência”.
Na vida cristã, o seguimento é
questão de sedução, de paixão, de atração, de coração...; isso significa que
Jesus Cristo é de fato o “amor primeiro”, aquele que antecede a qualquer outro,
de maneira especial o amor a si mesmo. Daí nasce a harmonia
interior. Quando o seguimento torna-se o eixo central, todos os elementos
da vida, todas as afeições, todas as potencialidades do espírito, encontram-se
em “seus lugares”, estabelecendo uma deliciosa experiência de paz. Os
afetos “orientados” e “ordenados” à pessoa de Jesus, cria um novo referencial,
um novo centro afetivo.
Se queremos fazer caminho com Jesus
temos de acolher suas condições e entendê-las como Ele as entende. “Renunciar
a si mesmo” é descentrar-se, não ser já o centro de seu próprio projeto. É
pôr a vida inteira a serviço do outro, neste caso o projeto de Jesus. A isto
Jesus chama “perder a vida por sua causa”. E quem assim fizer,
“ganhará”, salvará sua vida. A condição que Jesus propõe para segui-lo não
pretende negar nossa autonomia, mas orientar nossas energias e valores para a
construção do Reino que Ele iniciou, renunciando, também Ele, a si mesmo, para
cumprir em tudo a vontade do Pai.
Na medida em que nos desprendemos de
todo apego, incluído o apego à vida, a favor dos outros, estaremos amando de
verdade e, portanto, crescendo como ser humano. Nossa Vida com maiúscula se
potenciará, e a vida com minúscula, adquirirá, então, todo seu sentido.
A resposta à pergunta de Jesus (“e vós,
quem dizeis que eu sou?”) implica adesão à pessoa d’Ele e ao seu projeto,
o Reino; significa fazer o caminho com Ele, colocar-se onde sempre se colocou,
na margem, na periferia... Isso acarreta oposição, perseguição, cruz.
Em quê consiste “carregar a Cruz?” É
acaso suportar tudo sem reclamar como se toda contrariedade nos é mandada pelo
Deus mesmo? É submeter-se à dor pela dor, como se a dor fosse um valor em si
mesmo?
Algo ou muito disto temos entendido
assim e não tem nada a ver com a condição que Jesus propõe para que sigamos
seus passos. Ele quer dizer que todos devem estar dispostos a viver da mesma
maneira que Ele viveu, embora sabendo que este estilo de vida pode acarretar a
perseguição e talvez a morte. Tomar a Cruz significa prontidão, estar
preparado, mobilizado...
Essa é a cruz de Jesus e também deve
ser a nossa. Não inventemos cruzes sob medida, não coloquemos cruzes sobre nós
ou sobre os outros. Sigamos os passos de Jesus, assumindo seu estilo de vida!
Nesse sentido, a cruz de Jesus não é
um “peso morto”; ela tem sentido porque é consequência de uma opção radical em
favor do Reino. A Cruz não significa passividade e resignação; ela nasce de sua
vida plena e transbordante; ela resume, concentra, radicaliza, condensa o
significado de uma vida vivida na fidelidade ao Pai, que quer que todos vivam
intensamente.
“Jesus morreu de vida”: de
bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de compaixão ousada, de
liberdade arriscada, de proximidade curadora.
Aquele que acompanha Jesus vai
também tomando consciência que a opção pela vida pode conduzi-lo à Cruz.
Mas não basta carregar a Cruz; a
novidade cristã é carregá-la como Jesus. Essa é a nova maneira de carregar a
Cruz que Jesus nos ensina: transformá-la em sinal e fonte de amor e
de entrega.
A palavra “cruz” – em grego “staurós”
– vem do verbo “ficar em pé”. “Tomar sua Cruz”não é, portanto,
suportar passivamente sua vida, tornar-se escravo de um destino tirânico;
significa prontidão, estado de vigilância... para passar de uma vida suportada
para uma vida escolhida.
Texto bíblico:
Lc 9,18-24
Na oração: “Quem é Jesus para mim?” Pergunta
instigante que nos ajuda a captar a originalidade de Sua vida, a escutar a
novidade de Seu chama-do, a deixar-nos atrair pelo Seu projeto, contagiar-nos
por Sua liberdade, empenharmos por viver seu caminho.
- Cada um de nós deve se colocar
diante de Jesus, deixar-se olhar diretamente por Ele e escutar, a partir do
mais profundo de si mesmo, Sua pergunta: “Quem sou Eu realmente para
você?”
- A esta pergunta responde-se
mais com a vida que com palavras sublimes.
Padre: Adroaldo Palaoro sacerdote jesuíta.
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