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Bartolomeu será canonizado
em 10 de Novembro. Reconhecimento
de santidade dispensou milagres. (Reprodução/
7 Margens)
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Bispo,
à frente de seu tempo, defendia: 'A castidade não é da essência do estado
sacerdotal, mas apenas de conveniência'.
Por António Marujo
Frei Bartolomeu dos
Mártires, arcebispo de Braga no século 16, “era um apaixonado pela reforma da
Igreja” e o anúncio da sua canonização, com dispensa de milagre, traduz uma
“grande alegria” para Braga, para as dioceses que nessa altura faziam parte da
arquidiocese minhota (Bragança, Vila Real e Viana do Castelo) e para Portugal.
A 10 de novembro, será lido em Braga o decreto de canonização, única cerimônia
prevista para assinalar o fato.
A declaração foi feita
por dom Jorge Ortiga, atual arcebispo de Braga e, nesse cargo, sucessor de
Bartolomeu dos Mártires (1514-1590). Acrescentando que esta “grande alegria” é
“provocadora e motivadora de comportamentos novos”, Jorge Ortiga estabelece
vários paralelos entre a situação da época em que viveu o seu antecessor e a
atual: “Tal como no século 16, vivemos hoje uma situação de crise, debilidades
e fraquezas que importa olhar de frente, encarar nos seus contornos e discernir
o que devemos fazer para encontrar atitudes novas e responder aos desafios que
se colocam.”
O anúncio da canonização
do arcebispo e frade dominicano foi feito na manhã deste sábado, 6 de Julho, em
Roma: o papa alargou o culto litúrgico de Bartolomeu dos Mártires “a toda a
Igreja e declarou a sua inscrição” na lista dos santos, noticiou a página oficial
da arquidiocese de Braga. A decisão já tinha sido tomada na véspera, durante a
audiência do papa ao arcebispo Angelo Becciu, prefeito da Congregação para a
Causa dos Santos. Em janeiro, Francisco concedera a autorização necessária à
dispensa do milagre. Tendo em conta este fato, não haverá cerimônia litúrgica,
mas apenas a leitura do decreto de canonização. Ou seja, a canonização tem
efeito imediato e não precisará de nenhum rito mais, como acontece
habitualmente.
Uma ideia de
reforma para a Igreja
Bartolomeu dos Mártires
“reconheceu a crise e os problemas da época”, diz ainda o arcebispo Ortiga. E,
“a partir da sua experiência em Braga”, levou para a última sessão do Concílio
de Trento (1561-1563), na qual participou, a ideia da reforma do catolicismo. O
arcebispo português foi um dos que se situou no campo que pedia a reforma da
Igreja Católica, na linha do desafio que a Reforma protestante tinha colocado,
acrescenta d. Jorge.
Nessa altura, recorda o
atual arcebispo de Braga, a Igreja Católica “precisava de readquirir
credibilidade” mas, ao mesmo tempo, de dar resposta às exigências de
evangelização aos territórios que entretanto se desvendavam aos europeus:
Brasil e Américas, África Subsariana, Extremo Oriente Asiático.
“Hoje também estamos
numa situação idêntica, já que a Igreja precisa de uma renovação interna e de
percorrer caminhos novos” na sua missão, diz, levando o “evangelho para longe”.
O catolicismo precisa de encontrar “caminhos para se tornar válido” para as
pessoas. “A Igreja tem um dinamismo próprio, no âmbito interno, na sua atitude”
e, ao mesmo tempo, deve “situar-se no tempo, na sociedade em que vive,
reconhecendo as aspirações das pessoas e mostrando que o Evangelho tem alguma
coisa de válido a dizer a essas aspirações.”
A grande personalidade
de Bartolomeu dos Mártires também se verificou pela sua ação em outros campos
como a formação dos padres e dos fiéis católicos. Bartolomeu “tinha uma grande
proximidade” para com os padres e as comunidades católicas que visitava e não
foi um “arcebispo de corte”, diz Jorge Ortiga, como havia tantos outros no
tempo.
O arcebispo de Braga
recorda vários documentos que atestam a passagem e as orientações que o seu
antecessor deixava “em diversas paróquias depois de falar” com os padres e as
outras pessoas que lá viviam. “Isso era uma característica da sua vida, era uma
pessoa e um arcebispo presente”, diz.
Austeridade de vida
como dever
Uma das histórias que se
conta habitualmente é que o arcebispo teria defendido no Concílio de Trento uma
exceção à regra do celibato para os padres do Barroso (Portugal), castigados
pelo isolamento. Mas o seu principal biógrafo contemporâneo, o também frade
dominicano Raul Rolo, que morreu há poucos anos, contestava a veracidade do
fato, considerando-a uma “aleivosa infâmia”, a que o escritor e antigo
presidente da República, Teófilo Braga, teria dado voz amplificada. Mas, dizia
frei Rolo, Bartolomeu dos Mártires, em muitos dos 32 livros que publicou,
defendia que o celibato eclesiástico não era uma regra de Direito divino, mas
da tradição e da disciplina católica: “A castidade não é da essência do estado
sacerdotal, mas apenas de conveniência”, escreveu Bartolomeu dos Mártires.
Traduzindo a preocupação
do agora novo santo com a formação, refira-se que, quando renunciou ao cargo de
arcebispo, em 1581, Bartolomeu deixava na extensa diocese de Braga, várias
escolas com mais de 400 alunos e mais de 1,1 mil colegiais em classes de
humanidades, filosofia e “casos de consciência”.
A sua ação não esquecia
a pobreza de muitos setores da população e do próprio clero, fazendo com que os
padres mais ricos partilhassem com os mais pobres e providenciando apoio a
muitos desfavorecidos. O que levou a que, quando morreu em Viana do Castelo, em
1590, já fosse conhecido como “arcebispo santo” ou “pai dos pobres e dos
doentes”. Bispos e padres, dizia ele, eram apenas administradores dos bens da
Igreja, que estavam destinados a evangelizar e a socorrer os pobres.
Bartolomeu dos Mártires
dava ele próprio o exemplo: a austeridade de vida era a sua regra, fato que
levou vários outros bispos e superiores de ordens religiosas a pedir-lhe que
moderasse o seu rigor. Em casa, afirmava, era ele o estranho “e os pobres os
verdadeiros e naturais senhores”. Em 1570, quando a peste se espalhou, ele
próprio assistiu a muitos doentes, com riscos de contágio e contrariando os
apelos do rei, dom Sebastião, e do cardeal dom Henrique, para que saísse de
Braga – fatos narrados na biografia que sobre ele, escrita pelo frei Luís de
Sousa, A vida do arcebispo.
Os bispos portugueses
reagiram positivamente à notícia. O porta-voz da Conferência Episcopal fala de
um “grande modelo para a renovação da Igreja”, recordando a nota pastoral
publicada há cinco anos, em que diziam que Bartolomeu dos Mártires mostra que
“a evangelização e as reformas na Igreja não só são necessárias como
possíveis”.
O bispo de Bragança-Miranda, José Cordeiro, fala de frei Bartolomeu como alguém que “encarnou o perfil de bispo ideal”. Em Viana do Castelo, onde é grande a devoção a Bartolomeu dos Mártires, o bispo Anacleto Oliveira diz que a decisão do papa deve levar a mais “responsabilidade” às comunidades católicas da região e de todo o país, no sentido de “se sentirem motivadas a seguir o seu exemplo”.
Publicado originalmente em 7 Margens.
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