terça-feira, 16 de julho de 2019
CRISTÃOS DIABÓLICOS
Muitas pessoas podem até carregar o
nome de cristãos sem sequer medir as consequências que essa nomeação significa
para a vida.
Já faz tempo que o homem
Jesus de Nazaré andou por muitos lugares fazendo o bem e convidando todas as
pessoas a acolherem o Reino que ele veio inaugurar. No entanto, esse convite
não vinha acrescido da promessa de uma vida fácil e concorde ao poder. Antes,
alertava para o caminho do amor e do serviço aos outros, a partir da conversão
do coração. Jesus ensinou que a novidade do Evangelho exige uma mudança de vida
que já não deixa ninguém possuir os velhos hábitos e vícios. Por isso, a
decisão de seguir Jesus deve ser livre e consciente, consequência de uma
maturidade pessoal que superou a esfera dos interesses primários e dos
encantamentos imediatos.
É preciso considerar que
a fé em Jesus Cristo chegou até nossos dias por diversos caminhos. Muitos
destes são tortuosos e marcados esquizofrenicamente por um testemunho contrário
ao Evangelho, porque tecidos à base de dominações, violências e escravidões. A
fé cristã, tal como a maioria de nós a recebemos, é fruto da transmissão de uma
cultura de massa que já não requer a decisão convicta e individual de se tornar
um cristão. Desse modo, muitas pessoas podem até carregar esse nome sem sequer
medir as consequências que essa nomeação significa para a vida.
O censo de 2010 marcou a
oscilação que aconteceu entre o catolicismo e as igrejas evangélicas, mas
indicou que, apesar do crescimento ou diminuição entre esses públicos, a fé
cristã ainda é confessada por maior número de brasileiros. Por isso, mesmo em
nosso país marcadamente formado sob a matriz do cristianismo, em diversos
momentos, à custa da subalternação de outras fés e expressões religiosas,
encontramos os fortes ecos de uma sociedade radicalmente rompida com o
Evangelho de Jesus.
Caso fosse diferente, os
casos de abuso e violência de mulheres e crianças seriam menores e repudiados
com veemência pelos que se confessam cristãos. As pessoas LGBTIs seriam
tratadas com respeito e dignidade e seus corpos não seriam atingidos por
objetos cortantes nas calçadas do país. Fosse cristão, o país não toleraria seu
exército alvejar e assassinar com mais de oitenta tiros o músico negro que
passeava de carro com sua família. Também não toleraria o silêncio das
autoridades sobre o perverso assassinato de uma jovem vereadora do Estado do
Rio de Janeiro. Fosse cristão, repudiar-se-ia cada gesto de arma reproduzido
diante das câmeras e filmadoras por um homem que, já sabemos, não é cristão,
entre outras coisas.
O comportamento é
decisivo para verificar com qual espécie de cristianismo uma pessoa pode estar
comprometida. Certamente, quem adere às violências, age segundo os próprios
interesses e não se importa com os pobres, os trabalhadores e os idosos, agindo
de modo a descartá-los ou condicioná-los a uma vida ainda mais precária,
insurgiu-se contra o Evangelho e já rejeitou o convite de Jesus para promover a
vida plena do Reino no aqui e agora da história. Esse é o caso dos
parlamentares evangélicos e católicos que votaram favoravelmente pela Reforma
da Previdência Social elaborada pela equipe econômica do governo de Jair
Bolsonaro. Como é do conhecimento de todos, o dinheiro que será poupado pela
reforma vai fazer do Brasil uma nação de miseráveis, mortos de fome e
escravizados.
Do ponto de vista da fé
cristã, esse projeto significa tudo o que há de mais diabólico no ser humano e
que o faz escolher o caminho da morte em detrimento daquele que promove a vida.
Por isso, vê-se que tanto os parlamentares que ostentam o nome de cristãos
quanto os demais cidadãos dessas igrejas ditas cristãs assim se denominam não
por assentirem ao projeto de Jesus, mas o fazem por conveniência cultural.
Estes agem não como fruto de quem ouviu a palavra do Mestre e reorientou a
própria vida segundo essa palavra, mas segundo os próprios projetos de poder.
Mais que traidores da pátria, esses “terríveis cristãos” são traidores da fé em
Jesus Cristo, do Evangelho e do Reino da vida, já não merecem o nome que nem
sabem o porquê o carregam.
*Tânia da Silva Mayer
é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
(FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail:
taniamayer.palavra@gmail.com.
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