ESPERAS CONSTRUTIVAS : REFLEXÃO SOBRE A LITURGIA DO 19º DOMINGO DO TEMPO COMUM - LC 12,32-48
Um
cristão é uma pessoa que vive em 'estado de espera'.
(Kevin
Grieve/ Unsplash)
“Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma
festa de casamento...” (Lc 12,36)
O texto do evangelho deste domingo faz parte de um amplo contexto,
que começou no domingo passado com a petição de alguém a Jesus: "Mestre,
dize ao meu irmão que reparta a herança comigo". A partir daí, Lucas
revela uma longa conversação de Jesus com os discípulos e toca diversos temas
de difícil harmonização. Naturalmente se trata de pensamentos dispersos que o
evangelista organiza à sua maneira para ir aclarando as exigências de Jesus, na
formação do seu discipulado.
No domingo passado, Jesus nos pedia para não colocar nossa
confiança nas riquezas; hoje, Ele nos diz em quem devemos confiar para que
nossa vida seja autêntica. Confiadamente, é preciso ativar todos os recursos de
nosso ser, conscientes que Deus atua em nosso interior, e que só através da
sintonia com essa presença interna nossa vida avança, amadurece e se plenifica.
Nosso Deus não é o "Deus todo-poderoso" distante, mas o fundamento de
nossa vida: afinal, somos morada do Deus sempre surpreendente.
A condição humana pode ser definida em termos de "espera
radical".
O nosso coração está habitado por "esperas" de todo
gênero. São tantas as esperas na vida humana!
Está todo mundo esperando. É através das esperas que nos fazemos
humanos.
A espera está ligada ao verbo "esperançar": espera
ativa, aberta ao futuro imprevisível, ao novo plenificante...; ela cria o
espaço vital que permite a realização do possível.
Quem espera faz-se disponível, acolhedor, abre espaço para o
mistério do outro que lhe vem ao encontro; quem espera, acolhe o diferente. Os
intolerantes e preconceituosos não esperam nada: amargam a vida no fechamento,
no dogmatismo e no moralismo.
Esperar é passar do "tempo fechado" ao "tempo
aberto", da fugacidade do "ter" à plenitude do "ser",
do "lugar estreito" ao "lugar amplo", do "medo
paralisante" à "coragem criativa"...
Durante a espera, a imaginação trabalha e cria mil momentos
insuperavelmente felizes.
E quando acontece o encontro entre o desejo e a realização, entre
a espera e o esperado, entre o vazio e aquilo que plenifica, explode uma
alegria incontida. Uma mistura de festa com ternura e boas emoções
solidificam esta certeza: valeu a pena esperar!
A vida que é feita de tantas esperas, também é
"esperada". Somos continuamente tentados a pensar que somente nós
esperamos e esquecer que também Deus nos espera. A espera divina é paciente,
compreensiva e compassiva.
Em nossas esperas, somos ansiosos e impacientes; fazemos da espera
um tempo "em branco", vivendo como se nada estivesse para acontecer,
mergulhados no tempo rotineiro, sem abertura à surpresa.
Não sabemos esperar: basta ir às salas de esperas dos hospitais e
consultórios para comprovar como as pessoas se desesperam porque não lhe
atendem à hora marcada. Perdemos a paciência porque pretendemos que tudo seja
imediato e a nosso gosto. Não suportamos uma contradição.
O evangelho deste domingo pode ser uma boa oportunidade para
recordar isto. Exercitar-se na arte de esperar com paciência. Desejar, dar asas
à imaginação sobre aquele que vai chegar, sem que esteja em nossa mão adiantar
ou controlar sua chegada.
Deus, pelo contrário, nos espera incansavelmente. Por isso se
"humanizou". Não nos esperou com prepotência, tampouco com soberba.
Esperou na humildade, no húmus da vida, afundando os pés na nossa existência.
Mas Deus não precisa vir de nenhuma parte. Ele está chamando
sempre, mas a partir de dentro de cada um de nós; é a partir de dentro que Ele
se faz visível em nossas relações com os outros.
Somos nós que projetamos Deus fora e distante de nós, que nos
ameaça com prêmios e castigos, que aparece de surpresa para nos pegar em
flagra. O medo de Deus brota quando o imaginamos fora de nós. "Deus de
fora" é o Deus idealizado, que alimenta medo, ameaça com inferno, que
castiga.
No evangelho deste domingo, Jesus revela "Deus em saída"
até o ser humano e desvela o ser humano em saída até Deus. E o encontro entre
ambos é o que o Evangelho propõe. O encontro de pessoas que se esperavam: como
nos aeroportos-rodoviárias, desejando a chegada do(a) amigo(a); ou nas salas de
urgências dos hospitais desejando saber a situação do enfermo familiar.
Essas são esperas autênticas: desejantes, emocionantes,
inocentes... porque esperam uma pessoa.
Essa deve ser a disposição de uma "Igreja em saída" e
que não aguarda em uma sala de espera.
O decisivo é entrar em sintonia com o Deus presente em nós;
"esperar" significa estar desperto para conectar-nos com essa
presença, sempre nova e sempre cheia de surpresa. Deus, ao mesmo tempo, está
sempre presente e sempre chegando de maneira surpreendente. Ele é dom e pura
gratuidade. Aqui não há mais lugar para o medo, a culpa, a angústia. Quem entra
em sintonia com Ele e se deixa conduzir por Ele não atua por mérito, mas por
pura gratuidade.
O evangelho de hoje, através de parábolas, nos apresenta alguém
que não vive a relação com Deus internamente. O que acontece com ele? As
consequências são funestas, provocadas não por Deus, mas pela pessoa mesma:
irresponsabilidade no serviço, violência com os outros, auto-agressão,
partindo-se ao meio... Uma experiência infernal.
Um cristão é uma pessoa que vive em "estado de espera".
O importante é isto, o "estado", o processo, a
continuidade, o estar sempre a tempo, sempre alerta, sempre preparado. A vida
inteira se converte numa contínua espera: o equilíbrio, o contato, a liberdade,
a generosidade, cada nervo sintonizado, cada músculo em forma. E assim entramos
na vida e enfrentamos mil situações.
Cada pequeno encontro é uma satisfação em si mesma e uma
preparação para a seguinte. Sempre avante. Avanço que pode ser mudado de
direção a cada instante.
"Não morras na sala de espera" (Hervey Cox). As
"salas de espera do espírito" estão cheias de pessoas que
simplesmente estão ali, ali moram e permanecem, ali vivem e morrem. O fato de
já estar na "sala de espera" lhes dá a impressão de que já fizeram
alguma coisa, já começaram a viagem.
As esperas têm rosto de criatividade, de itinerância, de abertura
ao diferente. Elas põem em ação nossos melhores recursos internos; elas
alimentam uma contínua atitude de busca.
Só assim o coração estará mais preparado para a chegada do Momento
cume, quando deixaremos "Deus ser Deus" na nossa morada interior.
Texto bíblico: Lc 12, 32-48
Na oração: Você é um impaciente? Não suporta esperar a fila no cinema? Fica
nervoso quando o ônibus atrasa mais de cinco minutos? Espera que lhe respondam
as mensagens de Whatsapp em questão de segundos? Ou quando alguém chega um
pouco atrasado no encontro marcado?...
E, no entanto, você sabe que o importante requer seu tempo, que os
bons pratos são cozidos a fogo lento.
A paciência não é uma palavra da moda hoje em dia. E talvez por
isso é das mais necessárias. A paciência supõe esperar e respeitar os tempos.
Supõe desejar a chegada do outro e não ter mais que fazer a não ser esperar.
Desejar e esperar.
- Como você vive suas "esperas cotidianas?"
*Adroaldo Palaoro é padre jesuíta e atua no ministério dos
Exercícios Espirituais.
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