DECISÕES VITAIS: REFLEXÃO SOBRE O EVANGELHO DO 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM - LC 14,25-33
Seguir Jesus,
aderindo-se a seu projeto, exige dar-lhe
completa
prioridade. (Deny Abdurahman/ Unsplash)
Qualquer
um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo (Lc 14,33)
O verbo que marca o
início do relato evangélico deste domingo não indica seguimento, mas
acompanhamento. Seu significado: “viajar com”, “caminhar junto a”, está longe
de manifestar adesão ao projeto ou identificação com a pessoa com quem se
compartilha a caminhada.
As grandes multidões, às
quais o relato de Lucas faz referência, vão se somando, pelo caminho, à marcha
dos seguidores de Jesus. Agregam-se ao passo do Galileu, mas não se comprometem
com ele e com a causa do Reino. Por isso, Jesus provoca uma brusca parada e se
dirige à multidão.
Suas palavras interpelam
cada um dos seus integrantes e pretendem fixar as linhas que distinguem
acompanhantes de seguidores. Não basta simplesmente acompanhar Jesus; isso não
leva a lugar nenhum.
Chegou o momento de tomar
decisões. Segui-lo, aderindo-se a seu projeto, exige dar-lhe completa
prioridade. Jesus é bem claro e não fica na superfície; não quer entusiasmos
que sejam fogos artificiais.
Ninguém deve sentir-se
enganado. Ficam claras as condições que marcam a fronteira entre “ser massa” e
formar parte do grupo daqueles(as) que se identificam com Jesus. As três
condições expostas (vv. 26-27; v. 23) não deixam lugar a dúvidas e terminam do
mesmo modo: “não pode ser meu discípulo”.
Só no contexto do
seguimento de Jesus, podemos entender as exigências que propõe aos que o seguem
(preferir-lhe à família, carregar a cruz, renúncia de tudo).
Frente à multidão que
“só acompanha”, Jesus apresenta dois casos em forma de duas pequenas parábolas.
Embora muito diferentes, apontam para uma mesma direção. Os protagonistas de
ambos exemplos se encontram frente uma ação a realizar. Precisam tomar uma
decisão. No primeiro caso, trata-se de construir uma torre; qualquer um dos
integrantes da multidão pode ser o ator principal: “qual de vós querendo
construir uma torre...” É preciso refletir sobre si mesmo e fazer cálculos das
possibilidades que se tem em mãos. No segundo caso, fala-se de uma terceira
pessoa, um rei que vai enfrentar uma batalha: “qual é o rei que ao sair para
guerrear com outro...?" Trata-se, nesse caso, de atuar com prudência,
prevendo acontecimentos hostis que possam surgir a partir de fora.
No primeiro, ressalta-se
a atividade construtiva e pacífica; no segundo, aparece um risco: o movimento
destrutivo motivado por uma guerra que surge repentinamente. Ambas situações
parecem concordar com as duas condições antes expostas. Uma, exige dar um passo
adiante, seguindo o que fora projetado. Outra, pede uma parada estratégica para
medir a possibilidade de enfrentar o risco que pressiona. Trata-se de pensar;
pensar antes de fazer; e fazer requer discernimento.
Temos a impressão que o
tema central do evangelho deste domingo é tão forte que se torna quase
impossível abordá-lo de frente. Por isso, o melhor é pôr em prática o conselho
que recebemos dele: “sentar-nos para pensar”. Temos a sensação de que o
seguimento de Jesus implica sempre o dinamismo de mover-nos, deslocar-nos e
caminhar; mas, às vezes, o mais aconselhável seja isso: parar um pouco e
sentar-nos.
A advertência de Jesus
revela grande atualidade nestes momentos críticos e decisões que ajudam a dar
uma feição original ao seu seguimento. Jesus chama, antes de mais nada, a um
discernimento maduro: os dois protagonistas das parábolas “se sentam” para
refletir, discernir... Seria uma grave irresponsabilidade viver hoje como
discípulos(as) de Jesus que não sabem o que querem, nem para onde pretender ir,
nem com que meios poderão contar.
Não se pode dar o passo
sem medir as consequências. Requer-se “sentar e pensar” com calma. Porque a
condição para formar parte do reinado de Deus implica a ruptura com os impulsos
do ego: autocentramento, apegos, busca dos próprios interesses, busca de
projeção e poder...
Os apelos de Jesus são
absolutos e constantes. Se estamos apegados ao que temos, jamais seremos
capazes de “fazer estrada com ele” e participar da preciosa vida que ele nos
oferece.
Para seguir a Jesus,
devemos esvaziar-nos; para entrar na posse “do todo” temos de renunciar ao
“nosso todo”. Os “apegos” imobilizam-nos, congelam-nos..., impedem-nos crescer.
“Qualquer um de vós, se
não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo”.
Trata-se de uma atitude,
uma postura, uma entrega.
E a palavra é “tudo”. Um
discípulo, com um “pé atrás”, não pode ser discípulo. Não servem as
entregas pela metade. Jesus não pode se contentar com “amor a prestações”, com
retalhos de vida.
A entrega parcial não é
entrega. O “apego” a algo ou alguém, que esvazia o seguimento, anula o resto da
entrega e torna impossível que nossa relação com Jesus cresça, se desenvolva e
plenifique nossa vida.
Todos temos a
experiência de que viver é estar continuamente tomando decisões. Desde o
momento em que levantamos até à hora de deitar, estamos decidindo, algumas
vezes sobre questões simples, outras vezes, sobre assuntos de maior
envergadura. Sabemos que nossas decisões vão modelando nossa vida e orientando,
de uma maneira ou outra, para um fim. Qual é esse fim?
Como seguidores(as) de
Jesus, somos seres em contínuo discernimento: como “cristificar” (prolongar o
modo de ser e agir de Jesus) nossas opções, ações, valores, compromissos...?
Sabemos que é no decidir
que a pessoa torna-se pessoa, que o indivíduo torna-se sujeito.
São “significativas” as
decisões que imprimem uma direção à sua vida, que a constroem dia após dia;
decisões carregadas de vida, abertas à vida, comprometidas com a vida...
São as decisões que fazem
a pessoa; formam sua personalidade, definem seu caráter e integram sua vida. A
base da pessoa são suas decisões, suas determinações, fazendo com que sua vida
tenha a marca da criatividade e da ousadia: construir o caminho de vida,
rejeitar alternativas que a atrofiam e avançar na rota, em direção a um fim
pleno de sentido.
Decidir é viver, decidir
é definir-se; por isso, ao entender e refinar suas próprias maneiras de
decidir, a pessoa está entendendo melhor e refinando mais sua vida.
Em outras palavras:
“somos o que são as nossas decisões”; e a decisão pelo seguimento de Jesus é
aquela que mais nos humaniza e potencializa todo nosso ser; afinal, somos
chamados para “seguir uma Pessoa”, aquela que foi “humana por excelência”.
Por isso, precisamos conhecer detalhadamente quais são e como as tomamos;
queremos saber se nossas decisões são realmente nossas ou se são imitação
daquilo que os outros fazem, ou submissão ao que os outros nos dizem para
fazer.
A coragem de decidir com
firmeza e clareza é o que distingue o(a) seguidor(a) de Jesus como tal, e lhe
dá sua dignidade e personalidade. Não há melhor escola humanizadora do que
saber decidir.
Essa é a grande
contribuição que a tomada de decisões dá à nossa vida: ativar ao máximo nossos
recursos, fazer valer tudo o que trazemos dentro de nós, dar vida a todo o
nosso ser, que é feito para conhecer, querer e decidir. Se evitamos decisões ou
fugimos de responsabilidades, condenamo-nos a viver num canto, encolhido e
prostrado. Para desenvolver ao máximo nossas potencialidades, temos de
enfrentar dilemas, encruzilhadas, perplexidades e responsabilidades. Isto nos
faz ter acesso à vida plena, mobilizar nossas forças, encontrar a nós mesmos,
encontrando-nos com Aquele que nos inspira.
Texto bíblico: Lc 14,25-33
Na oração: No encontro com Deus deixar aflorar aquilo que é a base, o
sólido, o fundamento, que dá sentido à sua vida. Sobre quê valores, critérios,
opções... você vai construir sua vida?
A Bíblia fala do
equilíbrio entre o olho, ouvido, coração e mão, quando se refere à decisão:
olho: atenção (ler os sinais, interiores e exteriores);
ouvido: escutar-auscultar: captar vozes do coração;
coração: é a decisão com afeto;
mão: é a ação (realizar na prática, a decisão).
Fazer memória das suas
decisões diárias: elas são “cristificadas” ou tem a marca do “ego inflado”?
Elas são oblativas,
abertas, descentradas..., ou centradas no próprio interesse?
*Adroaldo Palaoro é
padre jesuíta e atua no ministério dos Exercícios Espirituais.
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