Maria Madalena,
de Guido Reni (1630). (Roma - Palazzo Barberini)
Mais
uma vez, essa figura emblemática do Evangelho traz ares de ressurreição a
homens e mulheres do nosso tempo.
Há uma festa que, ainda
hoje, passa despercebida para a maioria dos católicos: o dia em que se recorda
Maria Madalena. Por quê? Porque, até poucos anos, tal celebração simplesmente
não existia.
Os familiarizados com os
Evangelhos sabem que ela foi a primeira a testemunhar a ressurreição de Cristo.
Porém, por muitos anos, a sua memória foi celebrada como a de uma “penitente”,
dando a entender que a sua trajetória não tivesse tanta importância na história
da salvação. Sem contar o equívoco milenar de associar sua figura à da pecadora
que, por pouco, não foi vítima de um apedrejamento.
Em 2016, em pleno ano da
misericórdia, papa Francisco realizou um gesto que, com certeza, surpreendeu
não só as mulheres, mas todos aqueles que, em meio às tantas intempéries da
vida, se identificam com a “pecadora” salva por Cristo. Naquele ano, o sumo
pontífice elevou-a ao grau de apóstola, equiparando a celebração de sua memória
à dos 12 apóstolos.
Desde então, no 22 de
julho, é celebrada a “apóstola das apóstolas”, como veio empossada oficialmente
pela Congregação para o Culto Divino, o departamento vaticano que se encarrega
da liturgia, do sacramento e da espiritualidade católicas.
Para muitos, pode
significar um ato de piedade qualquer. Porém, em se tratando da linha de
governo do papa Francisco, mais uma tentativa de ampliar a visão acerca do
papel fundamental da mulher na Igreja. E isso vai muito além de discutir se é
viável instaurar o diaconato feminino ou não. Reivindicar que a mulher seja
tratada de maneira digna no ambiente eclesiástico é mais que conferir-lhe
determinadas funções. A voz da mulher tem peso nas decisões que envolvem as
questões religiosas? Sabemos que não.
Divulgam o trabalho de
nossas nossas teólogas, freiras e leigas da mesma forma que divulgam o saber
produzido pelos homens? Dão-lhes o justo reconhecimento em nossas paróquias,
dioceses e no próprio Vaticano? Como vemos, há um longo caminho a ser
percorrido.
O reconhecimento de que
as mulheres –, estigmatizadas e demonizadas pela sociedade renascentista –, têm
um papel fundamental na construção de uma igreja onde todos se sentem membros
do mesmo corpo, não deveria se restringir aos documentos do magistério.
Sabemos do esforço dos
últimos papas no tocante à difusão do princípio da complementaridade entre
homem e mulher. Porém, não foi suficiente para acabar com o clericalismo
machista, cuja onda devastadora ainda paira sobre os ambientes eclesiásticos
europeus. E não adianta dizer que é exagero, já que basta adentrarmos na
realidade romana para vermos que nós, na América Latina, estamos um passo à
frente no que tange a promoção do feminino na vida eclesial, apesar de não
termos atingido um patamar ideal.
Portanto, celebrar Maria
Madalena, a apóstola, é celebrar a esperança de que papa Francisco inaugura um
tempo novo, onde homens e mulheres, juntos, são capazes de promover não um mero
projeto institucional, mas um estilo de vida: o cristianismo. E pensar que, nos
primeiros séculos, os cristãos também eram perseguidos por causa daquela
“fraternidade inadequada” para os moldes da época. Era inadmissível, para um
romano, que todos fossem considerados iguais perante uma divindade. Nos
primórdios, era assim que nos considerávamos: éramos simplesmente irmãos.
*Mirticeli Dias de
Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano
para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas
jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé.
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