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O
'espelho' do comportamento ético é o rosto daqueles
com
quem se convive (Unsplash/ Laura Dewilde)
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Quem abraça a ética de Jesus se volta necessariamente para o outro
Jesus é fonte da ética cristã. Seus ensinamentos são referências
para se pensar as grandes questões sociais da atualidade.
A chave de leitura para compreender a ética de Cristo é a
encarnação. Tudo o que conhecemos e sabemos de Deus encontramos no homem Jesus
de Nazaré. Deus se fez “carne” (Jo 1,14), se fez vulnerável, loucura e
escândalo, como afirma Paulo (1Cor 1,23). A ética de Cristo se apresenta como
uma ética da humanização que evidencia a superioridade do amor em relação ao
cumprimento de deveres religiosos e submissão a sistemas políticos.
O Sermão da Montanha (Mt 5-7) é o programa ético de Jesus. É a
passagem da moral das obrigações para a ética da felicidade. As
bem-aventuranças são apresentadas no plural, indicando que se trata de uma
felicidade a ser vivida em comunidade. A lei maior: “Tudo que desejais que os
outros vos façam, fazei-o também vós a eles” (Mt 7, 12). Portanto, amai vossos
inimigos e rezai pelos que vos perseguem (Mt 5, 44).
Na ética de Jesus os últimos são os primeiros (Mc 10,31). E a
situação dos últimos para esta sociedade é desesperadora. Jesus dedicava
especial atenção aos pequeninos, aos discriminados, aos que não tinham vez na
sociedade. Era sinal de contradição: felizes são os pobres e os que agora têm
fome; os que agora choram; os que são odiados, insultados e amaldiçoados por
causa de mim (Lc 6,21s). Jesus dedicou atenção especial aos preteridos de sua
época.
Pelos relatos bíblicos, constata-se que a ética de Jesus se
pautava na defesa da dignidade de todos os seres humanos.
Jesus não inaugurou um código moral para condenar os impuros e pecadores. Ao
acolher os discriminados e excluídos da sociedade (pessoas mal afamadas,
estrangeiros, crianças, mulheres) Jesus deixava desconcertadas as pessoas mais
religiosas. Sua ética questiona a moral vivida dos que não se misturam e só
sabem apontar o dedo. O amor era sua norma: “ninguém tem maior amor do que quem
dá a vida pelo irmão” (Jo 15,13).
O “espelho” do comportamento ético é o rosto daqueles com quem se
convive. A ética de Cristo tem seu fundamento no cuidado com a vida, com a
humanização. Não é uma ética de cumprimento de normas, mas da busca da
felicidade dos outros. A diferença entre a ética religiosa de cumprimento de
deveres e a ética de Cristo é ilustrada no relato da cura do homem da mão
paralisada na sinagoga em dia de sábado (Mc 3,1-6). A religião muitas vezes se
torna uma “armadilha” quando coloca o cumprimento dos deveres acima da
satisfação das necessidades mais elementares. A ética de Cristo coloca o bem do
outro acima de tudo. Muitas vezes a fidelidade às obrigações religiosas serve
de falsa justificativa para legitimar a indiferença diante do sofrimento dos
irmãos.
“Se vocês tivessem compreendido o que significa: misericórdia é o
que eu quero, não o sacrifício, não condenariam inocentes” (Mt 12,7). Eis o
pilar que sustenta toda a ética de Jesus: a compaixão. Quem abraça
a ética de Jesus se volta necessariamente para o outro, para os de fora:
“Quando foi que te vimos com fome e sede?” (Mt 25,38s). Enquanto o cristão estiver
voltado para si mesmo e suas normas religiosas, será como o sacerdote e o
levita da parábola do bom samaritano, no máximo, um cumpridor de deveres que
passa longe dos necessitados – identificado com Cristo (Lc 10,29-37). A
misericórdia, mais do que “sentir pena”, é uma “reação visceral” ao sofrimento
alheio. Para Jesus a indiferença é tão grave quanto a violência. As parábolas
do rico epulão e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31), do bom samaritano (Lc 10,25-37)
e do “juízo final” (Mt 25,31-46) atestam a misericórdia como pilar da vida
cristã. Na ética de Jesus se retribui o mal com o bem: “Quando somos ofendidos,
abençoamos; quando perseguidos, suportamos” (1 Cor 4, 12-13).
Porquê é tão difícil praticar a ética de Jesus? Em nome da “moral
e dos bons costumes”, subterfúgios têm sido praticados para impor atitudes
discriminatórias de contingentes enormes da população. No Reino de Deus há
lugar para todos – a começar pelos mais discriminados. A condição para fazer
parte desse reino é acolher a todos na sua diversidade.
A falta de ética soma-se ao fingimento oportunista e hipócrita de
muitos cristãos. Como diz Papa Francisco: “Quando as pessoas se tornam
autorreferenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua
voracidade” (Laudato si, 204). As atitudes de alguns cristãos estão, muitas
vezes, vinculadas a interesses que nada têm a ver com a ética. Porque é tão
difícil aceitar que Deus ama tanto os justos quanto os pecadores? (Mt 5,45-48).
Quem realmente são os justos? E quem são os pecadores?
A partir da ética de Cristo, o que seria inviolável? “O ser
humano” ou “a doutrina”? O cristianismo não pode ser uma religião de acusadores
enraivecidos, mas de homens e mulheres de misericórdia e de justiça. A justiça
do cristão precisa ultrapassar a dos escribas e fariseus (Mt 5,20). Quem
consegue viver esse tipo de ética proposta por Jesus?
*Élio
Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho
e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001);
Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
Fonte: domtotal.com
A lei maior: “Tudo que desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”
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