domingo, 13 de outubro de 2019
A GRATIDÃO: A MAIS AGRADÁVEL DE TODOS AS VIRTUDES
“Não houve quem voltasse para dar glória a Deus,
a não ser este estrangeiro? (Lc 17,18)
Lucas descreve, ao longo de seu livro, o
acontecimento salvífico de Jesus como uma “viagem”. Mais uma vez, o
evangelho deste domingo nos recorda que Jesus está a caminho de Jerusalém, onde
os conflitos com as autoridades religiosas atingirão o ponto máximo, culminando
na sua morte e na entrega total. Nessa subida, a salvação vai se fazendo
presente, não só no final do caminho. Muitos dos oprimidos e excluídos, que
estavam à beira do caminho, foram reconstruídos em sua dignidade pela presença
itinerante de Jesus.
No seu deslocamento contínuo, Jesus está sempre
com os seus sentidos abertos, atento a tudo e todos. Não é alguém distraído,
centrado em si mesmo e incapaz de ver e ouvir aqueles que cruzam o seu caminho.
Seus sentidos transbordam compaixão.Nesse caminho, dez leprosos saem ao seu
encontro. Assim como exigia sua condição de enfermos contagiosos (inabilitados
para a convivência social), param ao longe e se comunicam através dos gritos:
“Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!”.
Enfermidade é a lepra, mas maior enfermidade é a
falta de fé (de enraizamento e confiança na vida, de escuta e de ajuda mútua);
não cremos em Deus, não cremos unos nos outros, e assim vivemos em conflito
permanente, em um mundo de leprosos, submetidos a um sistema que violenta e exclui.
É urgente superar a “lepra” de uma vida marcada
por imposições e medos, optar pelo caminho de Jesus, que é a fé que salva;
precisamos passar por uma profunda limpeza de pele em nosso interior, para
eliminar todo vestígio das lepras da intolerância, do preconceito, da
indiferença..., que rompem toda possibilidade de viver encontros humanizadores.
Jesus escuta os gritos e olha aqueles leprosos.
Todos temos experiência que, dirigir nosso olhar para alguém – um olhar
carregado de respeito e ternura - é um dos meios que mais o reabilita, quando
este está enfermo. Muito mais ainda, quando se trata de alguém que sofre
exclusão e experimenta continuamente como as pessoas desviam dele seu
olhar.
Olhar cara a cara, centrar em alguém nossos
olhos e deixar-nos olhar por ele, nos compromete e nos impede passar ao largo.
Ao vê-los, Jesus coloca os leprosos como protagonistas, no centro de atenção de
todos. Eles lhe gritaram suplicando-lhe compaixão e isso é o que receberam já
d’Ele: um olhar compadecido e atento, que percebe as necessidades deles, antes
mesmo de serem explicitadas.
Estranhamos o método terapêutico que Jesus
emprega aqui. Ele olha para eles e diz: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”.
Evidentemente, Jesus não vê apenas o exterior dos doentes; seu olhar expressa
que Ele os acolhe e assim lhes transmite dignidade e ativa neles a autonomia;
ao olhá-los, diz que devem apresentar-se aos sacerdotes. Nessa palavra, apesar
de sóbria, os doentes encontram a esperança de que os sacerdotes os proclamarão
puros, e de que assim poderão voltar à comunhão humana e religiosa.
Neste ponto, o relato já poderia ser dado por
concluído. Se este continua é porque o mais importante vai ser descrito a
seguir. Dos dez leprosos, um deles, vendo-se curado, não chega a apresentar-se
aos sacerdotes, mas dá meia volta em seu caminho para prostrar-se por terra aos
pés de Jesus e manifestar-lhe uma profunda gratidão, ao mesmo tempo que louva a
Deus. Com este gesto reconhece Jesus não só como seu “mestre”, mas como um
sanador e Salvador.
A sua admiração por ter sido curado se torna
caminho de retorno e hino de gratidão.
Este leproso samaritano está disposto a começar
de novo, do zero, e Jesus com ele, iniciando um caminho arriscado de fé
salvadora. Ele regressará à sua casa com a certeza de que a cura manifestada em
sua pele atravessou, na realidade, todo seu ser. As palavras de Jesus
“levanta-te e vai! Tua fé te salvou”, serão o motor para empreender o caminho
mais uma vez, e o profundo agradecimento experimentado o fará viver de um modo
novo.
O destaque do agradecimento deste samaritano se
converte para nós hoje um convite a sermos agradecidos. Quem se sente
agradecido para com alguém, mantém uma relação próxima com essa pessoa, está
atenta a ela, escuta-a e deseja demonstrar-lhe sua gratidão.
Viver como agradecidos é reconhecer que tudo é
dom, que nada nos é devido, que tudo parte de um Deus Misericórdia, cuja
grandeza e bondade são insondáveis. Intuir isto, é reconhecer que só podemos
viver diante d’Ele dando-lhe graças. E isso gera um modo novo de nos situar não
só diante de Deus, mas também diante dos outros e de nós mesmos.
Na experiência bíblica, a gratidão nasce com
naturalidade e espontaneidade nos corações humildes, nas pessoas conscientes de
que aquilo que recebem não é por mérito ou retribuição. Tudo é gratuidade.
A gratidão é a virtude humana por excelência.
Por um pouco que a deixemos aflorar, a gratidão irá abrindo caminho,
pacificando nosso coração e fazendo emergir, ao mesmo tempo, o melhor que há em
nós.
A gratidão é um sentimento profundamente
terapêutico: ela nos afasta dos obscuros pensamentos e nos situa na terra firme
da presença, em sintonia com o presente.
Para que isto seja possível a gratidão deve ser
um estado duradouro da personalidade. Um modo de ser que desperta a pessoa para
ativa uma consciência assombrada de ter recebido um dom não buscado de alguém
que não espera nada em troca, um dom que provoca um estado emotivo que a livra
de ressentimentos, e que a leva a reagir, por sua vez, de modo positivo e altruísta
com os demais. Por isso, há um tom de assombro na atitude agradecida: Não só
“por quê a mim?”, mas, sobretudo, “como é possível esta generosidade?”
Começamos agradecendo a alguém por algo, e isto
está bem. Mas, uma vez emergida ou sentida, se permanecemos em conexão
consciente com ela, a gratidão revelará aquilo realmente somos: outro nome ou
dimensão de nossa verdadeira identidade.
Comprovaremos então que a gratidão não é só algo
que fazemos ou sentimos, senão que é exatamente o que somos: seres vulneráveis
e dependentes que, em sua verdadeira identidade, somos gratidão.
Dirigida para aqueles que nos acolhem e nos
cuidam, a gratidão fará com que se renove nosso olhar para eles, para vê-los em
sua verdadeira beleza e, mais além, reconhecê-los naquela mesma e única
identidade que compartilhamos. Atendida em si mesma, a gratidão nos mostra que
estamos em “casa”.
A gratidão é atitude fundamental para a
integridade pessoal; muitos relacionam a gratidão com a maturidade humana e com
a melhoria relações interpessoais, ou ainda com a felicidade. Constata-se que
as pessoas agradecidas mostram uma tendência notável a apreciar as pequenas
satisfações e prazeres que costumam estar ao alcance de todos, e que muitos não
percebem.
A pessoa capaz de agradecimento aparece, de modo
constante, como mais extrovertida, mais aberta, mais responsável e amável. E,
como facilmente podia prever-se, menos neurótica. Uma pessoa ingrata é uma
pessoa doente, incapaz de reconhecer-se cercada de tantos dons e cuidados. Por
isso, para S. Inácio, o agradecimento é a experiência humana que mais pura e
decididamente mobiliza a generosidade da pessoa. Em outro contexto, o mesmo S.
Inácio afirma que a ingratidão é o maior de todos os pecados. De fato, ela
envenena as relações, petrificando nossa interioridade e levando-nos a um
processo de desumanização.
Texto
bíblico: Lc 17,11-19
Na
oração: Todos vivemos o milagre diário da vida, mas só
alguns sabem agradecer. Nossa vida inteira deve navegar em um mar de ação de
graças.
A memória agradecida é o húmus natural de onde
brota a gratidão. Só a generosidade gratuita do coração de Deus é capaz de
reconfigurar mentes e encorajar atitudes oblativas em nós.
- Faça memória de tantos dons e bens recebidos,
e deixe brotar naturalmente do seu interior, o desejo uma resposta generosa e
radical ao Deus que é Fonte de tudo.
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário