A URGENTE E NECESSÁRIA REFORMA NO MINISTÉRIO ORDENADO
O
padre Joshua J. Whitfield é casado, foi anglicano e se
tornou
católico sem deixar o presbiterato (Arquivo pessoal)
A
compreensão da natureza clerical precisa mudar e alcançar a realidade eclesial
na prática
No catolicismo, a presidência da Eucaristia só é permitida aos
presbíteros e bispos, bem se sabe. Em muitos lugares, essa questão traz um
problema: a falta de ministros ordenados, no segundo grau da ordem, faz com que
milhares e milhares de cristãos católicos não possam celebrar a Eucaristia
dominicalmente. Há alguns anos, estimava-se que, no Brasil, 70% das comunidades
eclesiais não tinham celebração eucarística aos domingos. A celebração da
Palavra de Deus, que é um sacramental com sentido teológico-litúrgico de grande
valor, tornou-se uma espécie de tapa-buraco: compreende-se que as celebrações
da Palavra, presididas por diáconos e por leigos e leigas cumprem o preceito
dominical.
Esta não é, sem dúvidas, a solução para a problemática. Todo fiel
tem o direito de celebrar a Eucaristia aos domingos, o dia do Senhor. A
celebração da Palavra, nesse caso, é um paliativo, que acaba desfigurando seu
real valor dentro do conjunto da ritualidade do cristianismo católico. Não é
incomum, infelizmente, que as pessoas pensem que a celebração da Palavra seja
uma mini missa ou que só seja celebrada na ausência de um presbítero, ou, pior,
que não tenha tanto valor, pelo fato de não ser presidida por um padre.
Discute-se, com razão, a questão da ordenação de homens casados,
para suprir essa carência eclesial que é real. Essa é uma das pautas do
corrente Sínodo da Amazônia, que se encerrará no domingo próximo, dia 27. A
questão para a qual chamamos a atenção, aqui, é que essa reflexão não deva se
dar apenas por um quesito instrumental, no sentido de resolver a questão de
ausência de padres em muitos lugares. O mesmo se diga para a questão tão
importante da ordenação de mulheres e da inclusão pastoral de padres que pediram
dispensa do ministério para se casar.
Essas três questões são importantes, longe de dúvidas. Mas devem
se refletidas, sobretudo, como uma questão teológica, que parta da compreensão
da variedade de ministérios e de estados de vida, dentro da Igreja. O
ministério ordenado não pode ser entendido de modo cristalizado: ele não surgiu
da maneira como é compreendida atualmente. Jesus não ordenou uma pessoa sequer!
Nesse sentido, ele é e deve ser passível de mudanças. Ora, essa é uma das
questões eclesiais centrais para os nossos tempos: é preciso uma reforma no
ministério ordenado!
A formação daqueles que serão ordenados é bastante problemática.
Nenhuma estrutura eclesial e eclesiástica mudará se não se mexer nos seminários
e institutos de formação de seminaristas. Temos visto o surgimento de um novo clero
que já nasce esclerosado: triunfalista, ufanista e longe do que realmente
significa a ministerialidade do presbiterato. A compreensão da natureza
clerical precisa mudar e alcançar a realidade eclesial na prática. Fora disso,
toda iniciativa, tal como as três que aqui foram elencadas, por melhores que
sejam, já nascerão viciadas. Basta que percebamos, por exemplo, o que acontece
em muitas dioceses nas quais há o ministério de diáconos permanentes: muitas
vezes, o que aconteceu foi uma clericalização de homens casados bem atuantes
nas comunidades, que “subiram de carreira”.
A iniciativa do sínodo é pertinente e urgente. Mas ela não deve
vir sozinha, é preciso coragem para mexer na estrutura do ministério ordenado
que tem se tornado cada vez mais rígida. Não espanta que a questão da ordenação
de homens casados, para a Amazônia, seja uma das questões cruciais para a
votação, no sínodo, porque ela abre brechas para a conversa sobre o fim do
celibato clerical.
Uma reforma do ministério ordenado é urgente, em muitos aspectos,
mas, sobretudo, na maneira como eles compreendem seu próprio lugar na Igreja. A
exortação da Primeira Carta de Pedro não deve cair no
esquecimento: “Aos anciãos [presbíteros] entre vós, exorto eu [...]: sede
pastores do rebanho de Deus, confiado a vós; cuidai dele, não por coação, mas
de coração generoso; não por torpe ganância, mas livremente; não como
dominadores da herança a vós confiada, mas antes, como modelos do rebanho” (1Pd
5,1-3).
*Felipe
Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É
autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail:
felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.
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