sábado, 23 de novembro de 2019
PRESUNÇÃO E ÁGUA BENTA
Desconsiderar
a humildade, nas dinâmicas espirituais e existenciais diárias, é um riscos.
Os ditados populares são
sabedorias inscritas na vida do povo, fonte incontestável de referências e têm
a força pedagógica necessária para importantes correções. Por isso mesmo, é
oportuno lembrar, aqui, um ditado popular recitado, em muitas oportunidades,
por velha amiga com longa experiência de vida, o que lhe confere autoridade:
“presunção e água benta, cada um pode ter o quanto quiser”. Lembrando que a
escolha equivocada é um risco. Certamente, além de afronta à civilidade, agir
com presunção pode trazer prejuízos a diferentes processos, com perdas sociais
e institucionais. É preciso, pois, buscar o remédio para esse mal e a receita
vem dos evangelhos, nos muitos ensinamentos de Jesus.
Se a presunção não for
tratada, ela se agrava e torna-se soberba, a grande responsável pelas
indiferenças, que enjaulam o ser humano na incompetência para se relacionar.
Distancia-o da sensibilidade indispensável para o exercício da solidariedade.
Deve-se buscar a humildade, virtude que é o grande antídoto para curar presunções.
Por ser virtude, requer dinâmicas existenciais e espirituais para
desenvolvê-la. A referência a húmus, na etimologia do vocábulo
humildade, remete ao sentido de “pés no chão”, à vida em parâmetros de
simplicidade. Para se orientar a partir desses parâmetros, torna-se oportuno
cada pessoa reconhecer a sua condição frágil e mortal que é própria de todo ser
humano. Assim se encontram razões para atitudes e hábitos simples,
reconhecendo-se humilde servidor.
Desconsiderar a
humildade, nas dinâmicas espirituais e existenciais diárias, é um risco. Pode
provocar o desvirtuamento de identidades, da personalidade e, consequentemente,
desfigurar o caráter, sustentáculo para o exercício da cidadania e da vivência
autêntica da fé cristã. Há de se ter presente que a presunção tem força de
perversão. Enfraquece o relacionamento humano, indispensável para o
desenvolvimento das iniciativas necessárias ao bem de todos.
Esse mal distancia e
alimenta perigosa pretensão: se achar melhor, muitas vezes, a partir da
desvalorização do outro. Na esfera religiosa, há de se calcular o prejuízo
terrível da presunção, causa de práticas tortas, que se dizem ligadas à fé
cristã.
Presunção é o habitat do
orgulho e da ganância. Manifesta-se em disputas por privilégios, na busca
egoísta completamente oposta à verdade do Evangelho, que tem por princípio
fundamental a igualdade, o sentido de pertencimento e a solidariedade.
A presunção propicia a
manipulação das razões e sentimentos religiosos, desfigurando a autenticidade
evangélica. É um mal que induz as pessoas a buscarem somente arrebanhar mais,
conquistar mais seguidores, arrecadar mais.
Os resultados são
nefastos pelo desvirtuamento da genuinidade do cristianismo, com a consequente
perda de seu valor profético e profundamente transformador de mentes e de
dinâmicas culturais. No horizonte da religiosidade, a presunção também impõe
atrasos, gera entendimentos rígidos, retrógrados, que buscam alimentar certo
domínio das aparências, servindo apenas para camuflar interesses contrários à
fé cristã e ao nobre sentido da religiosidade. Esses entendimentos equivocados
dão origem às idolatrias que alimentam perspectivas patológicas. E não se pode
considerar normal, especialmente no contexto religioso, a idolatria a pessoas.
No mundo político não é
diferente. A presunção também alimenta a inconsciência a respeito dos próprios
limites, o que leva à lamentável perda do sentido de realidade. Gera, assim,
incapacidade para solucionar, com a necessária urgência, os graves problemas da
atualidade. A representatividade no mundo da política, contaminada pelo
veneno da presunção, limita-se a agir em favor de oligarquias e na busca por
privilégios. A presunção cega a indispensável e saudável capacidade para a
autocrítica. Em vez desse necessário exercício, grupos e segmentos se pautam
por pretensões inconsistentes, completamente desconectadas da realidade. Contexto
que favorece a projeção de ídolos políticos revestidos de feições religiosas.
Indivíduos que fazem da política o que ela não deveria ser, com atrasos na
promoção da participação cidadã, inviabilizando, inclusive, a renovação dos
nomes no exercício da representatividade e a rapidez na solução dos muitos
problemas sociais.
Vale avançar no
horizonte deste ditado popular - “presunção e água benta, cada um pode ter o
quanto quiser”- para se reconhecer patologias que levam a atrasos
civilizatórios, com a incapacidade para se enxergar novos rumos e nomes, novas
práticas e respostas para as demandas da sociedade. Quem precisa sair de cena
não sai, por não reconhecer que é necessário fechar um ciclo para a abertura de
um novo. Alimentar a presunção é permanecer no parâmetro da mediocridade,
escondida por muitas roupagens que apenas enganam para não ter que mudar o que
precisa sofrer rápidas e urgentes intervenções. Tudo se justifica pela
deliberada falta de consciência clarividente e de autocrítica, porque “presunção
e água benta, cada um pode ter o quanto quiser”.
Por Dom Walmor
Oliveira de Azevedo
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