domingo, 15 de dezembro de 2019
ADVENTO:: CRISTIFICAR OS SENTIDOS
“Ide
contar a João o que estais ouvindo e vendo” (Mt 11,4)
O
evangelho de Mateus nos apresenta a chamada “prova messiânica”. João Batista, a
partir do cárcere, envia emissários para perguntar a Jesus se é Ele o esperado
ou se devem esperar um outro. Jesus não responde com alguns argumentos
teológicos, nem com citações bíblicas, ou com alguns dogmas e doutrinas, mas
remete os discípulos de João aos puros fatos, que podem ser “vistos e ouvidos”:
“os cegos veem, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem,
os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados”.
Estas
“obras”, estas boas notícias, são a prova de identidade do Messias; e deverão
ser a prova de identidade dos seus seguidores. Só quando nossa vida prolongar e
atualizar estas mesmas obras, só quando formos “boa notícia para os pobres” é
que estaremos sendo seguidores(as) daquele Messias. Por que Jesus fala de
cegos, surdos, coxos, inválidos, leprosos..., e muitos outros coletivos que
continuam sendo marginalizados? O texto quer dizer que a chegada do Reino terá
ressonâncias vitais para todos, mas sobretudo para os mais desfavorecidos, que
tinham perdido a esperança; quer dizer que aquele que acolhe o Reino, sairá da
dinâmica da morte e entrará na dinâmica da vida.
É
interessante que, entre os sinais da presença do Messias não há referência a um
só sinal “religioso”: nem culto, nem orações, nem sacrifícios, nem doutrinas.
Isto nos deve fazer pensar. Nós cristãos, com frequência, nos esquecemos que,
para Jesus, o primeiro é o ser humano, a prioridade é a vida.
As
“obras” que Jesus realizava, desconcertaram o Batista porque este, em sua
pregação junto ao Jordão, o que na realidade anunciava era a chegada de um
Messias ameaçante e justiceiro. João Batista, portanto, falava à multidão da
“perdição eterna”, na linha do juízo mais severo. Por isso, o Messias viria a
este mundo para remediar o problema do “pecado”.
Ainda
hoje na Igreja, em muitos ambientes mais fechados e conservadores, prevalece a
figura de João Batista, com julgamentos, medos e ameaça do juízo final. Com
isso, a religião e suas observâncias deixam de ser fonte de esperança e nos
distanciam do compromisso com os “últimos e excluídos”. Jesus corrige João. Ele
não veio para impôr medo e anunciar ameaças aos pecadores e às pessoas
“perdidas”. Ele veio a este mundo para aliviar o “sofrimento humano”, para
incluir quem estava excluído, para ativar a dignidade dos mais carentes, para
abrir um horizonte de esperança a todos...
Dito
isto, com facilidade compreendemos onde, em quê e como encontramos e vivemos o
centro mesmo do Evangelho. O decisivo e determinante, na Igreja e na vida
cristã, não é a doutrina, nem as práticas religiosas que alimentam a culpa
doentia, nem o legalismo estéril, nem o ritualismo que afasta da vida... Há
algo que é mais simples, mais claro e que está ao alcance de todos, a saber: o
central e determinante da vida cristã é o compromisso contra todo tipo de
sofrimento e contra tudo aquilo que exclui e gera desumanização.
Dito
de outra maneira: seguir Jesus é contagiar vida plena e felicidade aos outros.
Tanto mais, quanto mais limitadas e desamparadas são as pessoas com as quais
convivemos. Somente o “projeto com vida”, que Jesus traçou em seu Evangelho, é
a luz e a esperança que tanto aspiramos.
O
Advento nos revela que a mística cristã é uma mística de olhos e ouvidos
compassivamente abertos. Temos de aguçar a vista e afinar os ouvidos para
sermos capazes de contemplar as obras de Deus em favor da vida, que se
visibilizam na história da humanidade, sobretudo entre os mais pobres e
excluídos.
Este
tempo que vivemos e este lugar no qual estamos imersos, requer de nós novos
olhos e novos ouvidos para facilitar a convivência, a transformação social e
aceitar a nova visão da existência humana. É preciso sair dos sentidos
estreitos, autorreferentes e centrados em nós mesmos..., para os sentidos
contemplativos, oblativos, capazes de nos deixar impactar pela realidade e
entrar em sintonia com ela, vibrando e nos alegrando com as surpresas que daí
brotam.
O
tempo do Advento chega ao mais profundo, transforma nosso coração e nossos
sentidos, e nos leva a um mundo novo de possibilidades inéditas, descobre e
revela o melhor em cada um de nós. Quem se unifica e se dilata em seus
sentidos, encontra seu verdadeiro rosto, porque a beleza do rosto é “epifania
da pessoa”. O verdadeiro rosto deixa transparecer o coração quando este é
carregado de compaixão. O olhar de Jesus é reflexo do olhar do Pai, pois Ele se
fixa sobretudo nas pessoas concretas e, com particular atenção, nos mais pobres
e necessitados, aqueles que eram “invisíveis” para a sociedade de seu tempo: os
enfermos, as viúvas, as crianças, o estrangeiro...
Estamos
vivendo um tempo litúrgico privilegiado onde o trato íntimo com o Senhor nos
transforma, nos inspira a assumir suas atitudes profundas e a “cristificar
nossos sentidos”, para segui-Lo em sua encarnação no nosso mundo. Através
dos nossos sentidos, o modo de ser e de agir de Jesus entra em nossa intimidade
e, por meio deles respondemos também à realidade de um modo novo.
A
contemplação do mundo da dor e das sombras de nossa realidade implica uma
compreensão responsável que olha, escuta, sente, se encarna e se encarrega das
realidades de sofrimento. É uma contemplação que nos enraíza na realidade da
exclusão para descobrir como o rosto ferido e maltratado de nosso Deus se
transforma em narrações de resistência e esperança para seu povo.
O
tempo do Advento também deixa transparecer um grande obstáculo, que acaba
reforçando o impulso possessivo dos nossos sentidos: vivemos numa cultura de
imagens artificiais, não escolhidas, arremessadas contra nós, com fins
mercantilistas. Nossos olhos e ouvidos estão saturados, nossas retinas estão
fatigadas, nossos tímpanos perderam sua vibração. Estar submetidos a tal
impacto, visual e sonoro, nos faz perder a inocência, ou seja, a capacidade de
estar simplesmente numa atitude receptiva e de acolhida; também esvazia a
contemplação desinteressada e distendida, aquela que nos dispõe para sentir e
captar a presença divina na realidade e nas pessoas.
Nossos
sentidos estão se tornando filhos da necessidade ou do interesse, esvaziando-se
de toda gratuidade e atitude receptiva. Sentidos petrificados e possessivos
acabam por bloquear também o nosso interior. Dos sentidos petrificados brotam
atitudes de julgamento, de intolerância, de violência, de preconceito..., nos
distanciando daqueles que são “os preferidos de Deus”.
Nossa
civilização, que já ultrapassou a era do trabalho escravo, ainda está na era
dos “sentidos escravos”.
Estão
comercializando com nossas pupilas e nossos tímpanos; nas publicidades comerciais,
temos os olhos e ouvidos vendidos e não levamos nenhuma “comissãozinha”. Só os
sentidos contemplativos deixam de ser possessivos e devoradores, para se
tornarem oblativos e abertos; e, quando são oblativos, eles nos unificam por
dentro e nos movem a viver em profunda sintonia com a realidade, carregada de
presenças.
O
Advento é oportunidade única para recuperar a capacidade do assombro e da
admiração, e assim, viver os sentidos de maneira agradecida, gerando comunhão.
E a conversão começa pelos sentidos.
Texto bíblico: Mt 11,2-11
Na
oração: Através dos “sentidos cristificados” alcançamos uma forma de olhar,
escutar, sentir, apalpar, saborear... que nos abre à percepção da Presença
divina e à revelação do sacramento do irmão.
-
quê novos sinais e vozes você está captando no seu interior e na sua realidade
cotidiana, manifestação da surpreendente ação de Deus em favor da vida?
-
de quê maneira você prolonga as “obras” de Jesus no seu ambiente?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário