![]() |
Natal de verdade é marcado
pelo espírito de simplicidade
(Greyson Joralemon/ Unsplash)
|
A sobra de um é a necessidade de outro, e quem reparte bens partilha Deus
Fica decretado que, neste Natal, em
vez de dar presentes, nos faremos presentes junto aos famintos, carentes e
excluídos. Papai Noel que nos desculpe, mas lacradas as chaminés, abriremos
corações e portas à chegada salvífica do Menino Jesus.
Por trazer a muitos mais
constrangimentos que alegrias, fica decretado que o Natal não mais nos
travestirá no que não somos: neste verão, arrancaremos da árvore de Natal todos
os algodões de falsas neves; trocaremos nozes e castanhas por frutas tropicais;
renas e trenós por carroças repletas de alimentos não perecíveis; e se algum
Papai Noel sobrar por aí, que apareça de bermuda e chinelos.
Fica decretado que, cartas de
crianças, só as endereçadas ao Menino Jesus, como a do Pedrinho, que escreveu
convencido de que Caim e Abel não teriam brigado se dormissem em quartos
separados; propôs ao Criador ninguém mais nascer nem morrer, e todos nós
vivermos para sempre; e, ao ver o presépio, prometeu enviar seu agasalho ao
filho desnudo de Maria e José.
Fica decretado que as crianças, em
vez de brinquedos e bolas, pedirão bênçãos e graças, abrindo seus corações para
destinar aos pobres todo o supérfluo que entulha armários e gavetas. A sobra de
um é a necessidade de outro, e quem reparte bens partilha Deus.
Fica decretado que, pelo menos um
dia, desligaremos toda a parafernália eletrônica, inclusive o telefone celular
e, recolhidos à solidão, faremos uma viagem ao interior de nosso espírito, lá
onde habita Aquele que, distinto de nós, funda a nossa verdadeira identidade.
Entregues à meditação, fecharemos os olhos para ver melhor.
Fica decretado que, despidas de
pudores, as famílias farão ao menos um momento de oração, lerão um texto
bíblico, agradecerão ao Pai e Mãe de Amor o dom da vida, as alegrias do ano que
finda, e até dores que exacerbam a emoção sem que se possa entender com a
razão. Finita, a vida é um rio que sabe ter o mar como destino, mas jamais
quantas curvas, cachoeiras e pedras haverá de encontrar em seu percurso.
Fica decretado que arrancaremos a
espada das mãos de Herodes e nenhuma criança será mais surrada ou humilhada,
nem condenada ao trabalho precoce e à violência sexual. Todas terão direito à
ternura e à alegria, à saúde e à escola, ao pão e à paz, ao sonho e à beleza.
Como Deus não tem religião, fica
decretado que nenhum fiel considerará a sua mais perfeita que a do outro, nem
fará rastejar a sua língua, qual serpente venenosa, nas trilhas da injúria e da
perfídia. O Menino do presépio veio para todos, indistintamente, e não há como
professar que é “Pai Nosso” se o pão também não for nosso, mas privilégio da
minoria abastada.
Fica decretado que toda dieta se
reverterá em benefício do prato vazio de quem tem fome, e que ninguém dará ao
outro um presente embrulhado em bajulação ou escusas intenções. O tempo gasto
em fazer laços será muito inferior ao dedicado a dar abraços.
Fica decretado que as mesas de Natal
estarão cobertas de afeto e, dispostos a renascer com o Menino, trataremos de
sepultar iras e invejas, amarguras e ambições desmedidas, para que o nosso
coração seja acolhedor como a manjedoura de Belém.
Fica decretado que, como os reis
magos, daremos todos um voto de confiança à esperança, para que ela conduza
este país a dias melhores. Não buscaremos o nosso próprio interesse, mas o da
maioria, sobretudo dos que, à semelhança de José e Maria, foram excluídos da
cidade e, como uma família sem-terra, obrigados a ocupar um pasto, onde nasceu
Aquele que, segundo sua mãe, “despediu os ricos com as mãos vazias e encheu de
bens os famintos” e, no Sermão da Montanha, exaltou como “bem-aventurados os
que têm fome e sede de justiça”.
Frei Beto
Fonte: domtotal.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário