Confinamento nos obriga ao mergulho interior (Szabo Viktor/ Unsplash
A crise sanitária que
estamos vivendo está deixando a muitos com as sensibilidades à flor da pele. A
verdade é que não sabemos muito o que nos espera, apesar das previsões de
especialistas que se dedicam a estudos dessas situações. Estamos diante do
maior de todos os nossos riscos: o do morrer. A revelação de nossa fragilidade
é assustadora. Já sabemos que somos frágeis, mas, diante de nós, está o fato.
Além disso, estamos tendo que mudar radicalmente o ritmo de vida e, numa
sociedade cada vez mais tarefeira, o que temos para fazer, no isolamento de
nossas casas? Além da lida doméstica, temos tido uma oportunidade singular de
olhar para dentro de nós mesmos.
São nestas situações
limites que sabemos se temos ou não fé. É quando a confiança é colocada à
prova, que podemos discernir nossa postura, se é de fé ou não. Há uma certa
ironia ou, no mínimo, um simbolismo no fato de este isolamento de quarentena se
dar em pleno momento litúrgico que, para alguns cristãos, corresponde ao que
chamamos de Quaresma. Tempo de retiro, de deserto. Em todo período quaresmal,
ano após ano, insistimos no fato de que temos a oportunidade de fazer um
mergulho em nós mesmos, para lá encontrarmos um caminho de encontro com Deus.
Agora, esse mergulho está sendo inevitável: mas como temos lidado com esse
encontro profundo com nossa interioridade? O Dom Especial desta semana se
propõe a contribuir com esse processo de interiorização, refletindo sobre a
singularidade desta Quaresma, e como ela interpela nossa fé.
Abre a reflexão,
Eduardo César, com o artigo A fé em tempos de isolamento,
no qual chama a atenção para o real sentido da fé, na sua perspectiva de um
consentimento, quando acolhemos a comunicação que o próprio Deus faz de si
conosco. A pergunta motivadora para esta reflexão é sobre como viver a fé,
nesse nosso contexto de isolamento, no qual o ritmo da vida e a maneira de
realizarmos a convivência estão radicalmente diferentes. A fé é uma grande
aliada, na experiência e no enfrentamento desse difícil momento, quando a
percebemos e a compreendemos em seu papel transformação.
No segundo
artigo, Quaresma em quarentena: tempos de provação, Daniel Reis reflete sobre o sentido deste tempo litúrgico,
trazendo as implicações espirituais para a especificidade da crise sanitária
que o mundo tem sofrido. Alertando para os riscos que falsas interpretações
teológicas e religiosas a respeito da gravidade do mundo, quando tendem a
imputar a Deus a origem do caos que nos acomete, o autor trabalha de modo a nos
ajudar a perceber como a pedagogia da Quaresma nos ajuda a passar por esse
momento, experimentando verdadeiros valores espirituais.
O mergulho interior,
provocado por esta quaresma de quarentena, pode revelar algo que o tempo todo
buscamos por esconder: nosso vazio existencial; nossa falta radical. Essa é uma
boa ocasião para que percebamos a perversidade do capitalismo, que nos
condiciona num individualismo solitário e voraz, ao mesmo tempo que nos
convence de que no consumo e na saciedade dos desejos imediatos estão a solução
para o drama do existir. Quando tudo está parado, quando o tempo do fazer e do
consumir está em suspenso, temos a chance de refletir a respeito daquilo que
realmente nos humaniza e, em decorrência disso, quais os valores que podem dar
um significado rico de sentido para como conviver sabiamente com esse vazio.
Será que a fé cristã tem algo a nos ensinar, a este respeito? Daniel Couto nos
ajuda nessa reflexão, com o artigo O isolamento: dicotomia entre a fé e o capitalismo.
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