Introdução
domingo, 26 de abril de 2020
A RELIGIOSIDADE E A ESPIRITUALIDADE COMO PROMOTORAS DE SAÚDE MENTAL
Quando
as sociedades são analisadas em seus primórdios desde o paleolítico, com a
domesticação do fogo bem como com o “enterro dos corpos, pinturas rupestres,
mitos e ritos dos povos caçadores, crenças na possibilidade de uma outra vida,
encontramos a dimensão religiosa lado a lado com o ser humano” (LUCHETTI, 2011,
p. 55).
A
religiosidade está presente na história humana desde o início, pois o homem
primitivo, com o “culto do urso” e o “culto do crânio”, há cerca de 600 mil
anos, já mostrava “lampejos de uma dimensão espiritual que motivava seus
rituais, indicando que o fenômeno religioso sempre foi um dos grandes
instrumentos de sentido” (RIBEIRO, 2014, p. 11).
Na
compreensão de Moreira-Almeida (2010), ao longo da história ocidental, pelo
menos desde a Grécia antiga, a exploração filosófica e científica tem se
mostrado possível. Ainda que por vezes tensas, na maior parte do tempo as
relações entre essas duas instâncias geralmente foram neutras ou harmônicas,
havendo apoio e estímulo a pesquisas por parte das instituições religiosas.
O
reconhecimento da dimensão espiritual também é muito enfatizado, principalmente
nos momentos de maior sofrimento, presentes no que conhecemos como cuidados
paliativos, definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como cuidados
ativos totais de pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento
curativo, sendo prioritário o controle da dor e a atenção a outros sintomas de
ordem psicológica, social e espiritual e buscando produzir sensação de alívio,
conforto, calmaria e outras vivências análogas.
De
acordo com as pesquisas de Campos (2011), pessoas com maior nível de
espiritualidade enfrentam as mesmas dificuldades, porém, na maioria das vezes,
vivem mais e melhor e no momento da morte não se encontram desesperadas ou
angustiadas, porque encontraram um sentido para tal realidade-limite.
De
acordo com Esperandio (2014), vivências religiosas/espirituais tendem a
produzir experiências subjetivas positivas que colaboram no enfrentamento de
depressão, ansiedade, pânico, hipocondria, tentativas de suicídio, doenças
crônicas, enfermidades debilitantes, além de serem fatores de prevenção para o
desenvolvimento de infarto, derrame, câncer, doenças autoimunes, diabetes,
hipertensão, doenças reumatológicas e ósseas, entre outras.
1. Religiosidade/espiritualidade e suas influências positivas para
a saúde mental
A
OMS, desde a década de 1980, incluiu o domínio religiosidade, espiritualidade e
crenças pessoais para avaliar a qualidade de vida e seus impactos na saúde,
visando perceber se e como as crenças pessoais afetavam a qualidade de vida e
como o indivíduo utilizava suas crenças em momentos de sofrimento.
Um
dos objetivos de suas pesquisas foi identificar se as crenças religiosas
contribuíam para a elaboração de um sentido, para a sensação de bem-estar e de
força. Tal hipótese foi testada com a ajuda de um instrumento avaliatório
(WHOQOL-100) que trazia quatro questões:
a)
Suas crenças pessoais dão sentido à sua vida?
b)
Em que extensão você sente um significado em sua vida?
c)
Em que extensão suas crenças pessoais dão-lhe forças para enfrentar
dificuldades?
d)
Em que extensão suas crenças pessoais ajudam-no a entender as dificuldades na
vida?
Com
base nessa pesquisa transcultural, realizada em várias partes do mundo,
notou-se que o fenômeno religioso não se mostrou apenas um suporte social, mas
uma experiência de inclusão no cosmo, trazendo a sensação de conforto, de
bem-estar subjetivo, a presença de um propósito maior de vida, entre outros
benefícios.
Conforme
Baltazar (2003), as vivências de religiosidade/espiritualidade propõem
determinada visão de mundo, de sociedade, conduzindo o pensamento dos
indivíduos em direção a uma construção de sentido para suas experiências por
meio dos símbolos religiosos.
Vemos
então que a dimensão religiosa gera uma compensação simbólica consoladora,
impõe-se como uma forma de resistência simbólica oculta, silenciosa, atuante,
provedora de sentido numa existência constantemente ameaçada.
O
último Censo demográfico de 2010, no quesito religião e pertença religiosa,
indicou que 92% da população brasileira declarou pertencer a alguma religião ou
a outras religiosidades não especificadas, o que comprova a significativa
presença da religiosidade na vida dos brasileiros.
A
religiosidade influencia o modo como as pessoas lidam com situações de
estresse, sofrimento e problemas vitais, proporcionando-lhes maior aceitação,
firmeza, adaptação a situações difíceis de vida e conferindo-lhes paz,
autoconfiança e uma imagem positiva de si mesmas.
Religiosidade
e espiritualidade têm a ver com experiência, não com dogmas, normas, costumes.
De fato, ainda que tais práticas favoreçam a vivência da religiosidade, de
certa maneira nasceram da espiritualidade, mas não são a espiritualidade, pois
esta é percebida como busca pessoal por questões fundamentais sobre a vida,
sobre o significado, sobre a relação com o sagrado ou sobre a transcendência.
Religiosidade
e espiritualidade frequentemente são consideradas importantes aliadas das
pessoas que sofrem ou estão doentes. Estudos de Freitas (2014), por exemplo,
afirmam que pacientes mais religiosos apresentam melhores desfechos clínicos
que os que não praticam uma religião. Atualmente, existem diversos instrumentos
para avaliá-las em pesquisas científicas, e sua conceituação se mostra,
portanto, pertinente.
2. Religiosidade/espiritualidade e psicologia: uma longa história
de relações e interações
Conforme
afirma Baltazar (2003), não se pode desconsiderar que pioneiros da psicologia e
da psiquiatria como William James, Wilhelm Wundt, Sigmund Freud, Carl Gustav
Jung, Pierre Janet, Gordon Allport e Stanley Hall interessaram-se pelo
comportamento religioso e realizaram estudos desse comportamento.
Também
é preciso reconhecer que houve casos de interpretação espiritual ou religiosa
para problemas de percepção ou de comportamento, alusivos à influência de
demônios ou de outros espíritos nas atividades cotidianas, bem como de
esclarecimentos religiosos para problemas psicológicos como culpabilidade,
principalmente no campo da sexualidade, problemas esses não poucas vezes
alimentados por doutrinas ou líderes religiosos despreparados ou com pouco
conhecimento sobre o assunto.
Para
William James, pioneiro da psicologia, “espiritualidade poderia ser o conjunto
de sentimentos, sensações, atos, experiências de um indivíduo em contato com
ele próprio, em relação com o que ele considera divino” (SALGADO, 2008, p.
287).
Mesmo
que haja várias definições sobre espiritualidade, todas têm alguns elementos em
comum: sensação de conexão com outros indivíduos, com a transcendência, relação
com o universo por meio da vida, propiciando uma sensação de paz, alívio e
bem-estar interior.
A
espiritualidade encoraja um estilo de vida saudável na medida em que estimula
hábitos de promoção de saúde relacionados à boa alimentação, à lida com
frustrações, à moderação na ingestão de bebidas e no comportamento sexual, à
restrição do uso de fumo e de drogas.
As
pesquisas de Vasconcelos (2010) apontaram que a visão religiosa continua
presente em todos os estratos sociais como parte importante da compreensão do
processo saúde-doença, para o enfrentamento das crises pessoais e familiares
que acompanham as doenças mais graves.
Temos
nessa constatação aquilo que, pelo senso comum, já se cogitava, ou seja, que
práticas religiosas tornam a vida mais suportável, capaz de ser levada adiante
apesar das adversidades, proporcionando-lhe certo sentido e significado.
A
religiosidade pode propiciar à pessoa maior aceitação, firmeza, adaptação a
situações difíceis, gerando paz, autoconfiança e uma imagem positiva de si
mesma.
Embora
seja do conhecimento de todos que a psicologia é uma ciência laica, mesmo assim
religiosidade e espiritualidade podem ser objeto de seu estudo, o que não é o
mesmo que dizer que a psicologia adota pressupostos religiosos em seus modos de
significar o mundo, a condição humana e as relações sociais.
A
possibilidade de associar tratamento psicológico com a espiritualidade não
significa que os profissionais de saúde devam se tornar uma espécie de
catequistas, “mas apenas apoiar, encorajar crenças e práticas que já estão
direcionadas pelo paciente, não lhes cabendo introduzir novas crenças ou
encorajando práticas estranhas” (KOENIG, 2005, p. 14).
Sendo
assim, caberá ao psicólogo apenas nutrir e encorajar a fé do paciente –
qualquer que ela seja –, se for recrutado para tal feito, deixando-se guiar o
tempo todo pelo desejo do paciente, caso haja.
O
motivo pelo qual se pode confirmar que práticas religiosas influenciam a vida e
a saúde das pessoas é o fato de que as religiões, por meio de seus dogmas e
doutrinas, orientam seus membros no que diz respeito a questões de saúde,
doença, morte, promoção e conservação da vida, recuperação, bem-estar físico e
emocional.
Considerações finais
Conforme
Abdala (2013), há indícios de que a religiosidade/espiritualidade atuam como
fortíssimo recurso interno para lidar com perdas e sofrimentos, constituindo,
portanto, ferramentas capazes de oferecer sentido, segurança e orientação. Os
pesquisadores dessa temática afirmam que as crenças dos pacientes são poderosos
determinantes de seu grau de saúde e o desejo de ser saudável influencia
diretamente os estados físicos, sociais, psíquicos e espirituais das pessoas.
Com
base em Koenig (2005), um dos maiores estudiosos sobre a temática da
religiosidade/espiritualidade e seus impactos na saúde física e mental, é
inegável que a religião pode levar a maior bem-estar, dando significado e
propósito à vida, pois, apoiados em crenças e práticas religiosas, os
indivíduos têm níveis significativamente maiores de satisfação com a vida,
autoestima, otimismo, sendo mais propensos a redimensionar seus valores e
ressignificar o sentido da existência.
Segundo
Dalgalarrondo (2008), a presença do elemento religioso no modo de construir,
enfrentar e vivenciar o sofrimento mental ajuda as pessoas a enfrentar
situações de estresse, ficando clara a estratégia do coping
religioso-espiritual. Coping é uma palavra inglesa, sem tradução literal em
português, cujo verbo de origem significa “lidar com”, “manejar”, “enfrentar”
ou “adaptar-se”.
As
relações entre espiritualidade, saúde e vida mais saudável, para Vanderlei
(2010), têm sido objeto de interesse em diversos estudos no sentido de provar
que as crenças e o seu cultivo fazem bem à saúde, ajudam as pessoas a viver
mais e geram maior qualidade de vida.
Vivências
de religiosidade/espiritualidade ajudam muito, pois as pessoas sentem que há
uma presença, força ou energia que lhes envolvem e acompanham. Tal sensação
cria uma atmosfera de proteção e de força para vencer as adversidades,
possibilitando sentido, conforto e inclusão.
Na
opinião de Fleck (2003), vivências religiosas geram grande influência sobre a
saúde física, sendo consideradas como possível fator de prevenção do
desenvolvimento de doenças, além de fator de eventual redução de óbitos ou
impactos de diversas doenças.
Para
Koenig (2005), de modo geral, todas as religiões possuem orientações que
apresentam uma visão positiva do mundo presente, como a vida após a morte, e a
experiência religiosa/espiritual tende a gerar esperança de que coisas boas podem
surgir de qualquer situação difícil e de que todas as coisas são possíveis.
Pe. Arilço Chaves Nantes
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário