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O
amor nos deixa patéticos (Tyler Nix/ Unsplash)
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Quem
ama gratuitamente está passível, vulnerável em seu amar e é esse o significado
correto de
O profeta Oseias, que
exerceu sua missão no século 8 a.E.C., foi um dos que mais influenciou a
tradição profética que se seguiu, bem como trouxe a possibilidade de um
aprofundamento na compreensão de Deus, por parte da religião judaica. O
nascente cristianismo também não ficou imune, felizmente, à pregação do
profeta. O Evangelho de Mateus, por exemplo, coloca na boca de Jesus, por duas
vezes, uma referência explícita à profecia de Oseias.
Um dos temas
principais trabalhados pelo profeta é sobre o conhecimento de Deus. É por falta
desse conhecimento que o povo perecia. E a responsabilidade maior por esse
desconhecimento era dos líderes políticos e religiosos, que acabavam se
beneficiando, com o lastro de injustiça e de não cumprimento do direito. Para o
caso dos líderes religiosos, por exemplo, o pecado do povo era vantajoso, haja
vista que, quanto mais pecados, mais sacrifícios e holocaustos eram necessários
ser feitos, o que rendia benesses aos sacerdotes.
Oseias, no caminho
oposto aos dos sacerdotes e reis, retrata Deus na perspectiva do amor. Um amor
para além de toda lógica: essa é a grande originalidade da leitura profética
trazida por Oseias. Quando penso na história pessoal de Oseias, usada como
símbolo para retratar a relação de Deus com o povo, recordo-me de um verso de
uma canção de Rita Lee: "o amor nos torna patéticos". Vítima da
infidelidade da esposa, o profeta, mesmo depois tê-la rechaçado, contrai
novamente matrimônio com ela, porque movido por puro amor. Não é assim, pois, a
postura de Deus, resultado do amor, que o torna um Deus sempre à espera de que
voltemos à relação com ele?
É uma pena que na
semântica de nossa língua, a palavra patético seja tão
carregada de maus sentidos e significados. Quando olhamos para a profecia de
Oseias e, sobretudo, para a cruz de Jesus Cristo, descobrimos um Deus
radicalmente passível de afecção: porque o amor, repito, está
contra toda a lógica humana. “Eu os amarei com generosidade” (Os 14,5). A
generosidade do amor de Deus, que é o chamado para que vivamos também em nossas
relações, é um amor que independe de mérito, porque ele é pura graça. É por
isso que o amor nos deixa patéticos: quem ama gratuitamente está passível,
vulnerável em seu amar.
Esse é um Deus digno
de ser conhecido e que nos retira do perecimento de uma vida sem sentido. E
esse foi o Deus revelado, em carne, na pessoa de Jesus Cristo. Voltar à
profecia de Oseias e também à encarnação-cruz de Jesus é um caminho urgente
para cristãos e cristãs, que se perderam em falsas imagens de Deus. Não basta crer
em Deus. É preciso saber em qual Deus cremos, isto é, em qual imagem dele está
ancorada a nossa confiança e esperança. O profundo conhecimento desse Deus,
revelado em Jesus Cristo, diz muito sobre nossa missão cristã no mundo, de
anunciar uma Boa-Notícia. Perguntarmo-nos sobre “qual Deus” é um exercício
fundamental de fé, se queremos ser fiéis à missão cristã que só tem razão de
ser, se pautada no amor generoso, que desvela o rosto do verdadeiro Deus.
*Felipe Magalhães Francisco é
teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de
poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com
Fonte:domtotal.com
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