segunda-feira, 27 de abril de 2020

CONHECER UM DEUS VERDADEIRAMENTE DIGNO DE FÉ

O amor nos deixa patéticos (Tyler Nix/ Unsplash)

Quem ama gratuitamente está passível, vulnerável em seu amar e é esse o significado correto de 
O profeta Oseias, que exerceu sua missão no século 8 a.E.C., foi um dos que mais influenciou a tradição profética que se seguiu, bem como trouxe a possibilidade de um aprofundamento na compreensão de Deus, por parte da religião judaica. O nascente cristianismo também não ficou imune, felizmente, à pregação do profeta. O Evangelho de Mateus, por exemplo, coloca na boca de Jesus, por duas vezes, uma referência explícita à profecia de Oseias.
Um dos temas principais trabalhados pelo profeta é sobre o conhecimento de Deus. É por falta desse conhecimento que o povo perecia. E a responsabilidade maior por esse desconhecimento era dos líderes políticos e religiosos, que acabavam se beneficiando, com o lastro de injustiça e de não cumprimento do direito. Para o caso dos líderes religiosos, por exemplo, o pecado do povo era vantajoso, haja vista que, quanto mais pecados, mais sacrifícios e holocaustos eram necessários ser feitos, o que rendia benesses aos sacerdotes.
Oseias, no caminho oposto aos dos sacerdotes e reis, retrata Deus na perspectiva do amor. Um amor para além de toda lógica: essa é a grande originalidade da leitura profética trazida por Oseias. Quando penso na história pessoal de Oseias, usada como símbolo para retratar a relação de Deus com o povo, recordo-me de um verso de uma canção de Rita Lee: "o amor nos torna patéticos". Vítima da infidelidade da esposa, o profeta, mesmo depois tê-la rechaçado, contrai novamente matrimônio com ela, porque movido por puro amor. Não é assim, pois, a postura de Deus, resultado do amor, que o torna um Deus sempre à espera de que voltemos à relação com ele?
É uma pena que na semântica de nossa língua, a palavra patético seja tão carregada de maus sentidos e significados. Quando olhamos para a profecia de Oseias e, sobretudo, para a cruz de Jesus Cristo, descobrimos um Deus radicalmente passível de afecção: porque o amor, repito, está contra toda a lógica humana. “Eu os amarei com generosidade” (Os 14,5). A generosidade do amor de Deus, que é o chamado para que vivamos também em nossas relações, é um amor que independe de mérito, porque ele é pura graça. É por isso que o amor nos deixa patéticos: quem ama gratuitamente está passível, vulnerável em seu amar.
Esse é um Deus digno de ser conhecido e que nos retira do perecimento de uma vida sem sentido. E esse foi o Deus revelado, em carne, na pessoa de Jesus Cristo. Voltar à profecia de Oseias e também à encarnação-cruz de Jesus é um caminho urgente para cristãos e cristãs, que se perderam em falsas imagens de Deus. Não basta crer em Deus. É preciso saber em qual Deus cremos, isto é, em qual imagem dele está ancorada a nossa confiança e esperança. O profundo conhecimento desse Deus, revelado em Jesus Cristo, diz muito sobre nossa missão cristã no mundo, de anunciar uma Boa-Notícia. Perguntarmo-nos sobre “qual Deus” é um exercício fundamental de fé, se queremos ser fiéis à missão cristã que só tem razão de ser, se pautada no amor generoso, que desvela o rosto do verdadeiro Deus.
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com
Fonte:domtotal.com

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