quarta-feira, 1 de abril de 2020

O JUIZ DE GARANTIAS

Uma abordagem jurídica sobre o tema com viés mais direcionado ao direito penal
Uma abordagem jurídica sobre o tema com viés mais direcionado ao direito penal (Divulgação)

*Renato Campos Andrade

Nesta semana a abordagem jurídica manterá o viés constitucional, mas sob outro enfoque, mais direcionado ao direito penal.

Será tratada a figura do juízo de garantais. É comum entre os debates entre leigos a indicação de que os processos judiciais, inclusive de natureza penal, são muito lentos, que ninguém é punido e que existem muitos recursos. Tais críticas abarcam aspectos de natureza processual e material, isto é, forma com que os processos são conduzidos e penas existentes no Brasil.

E outro lado, em discussões que envolvam especialistas na matéria criminal se verificam críticas ao sistema acusatório, que limita e dificulta a defesa, na medida em que investigações e julgamento possuiriam um caráter punitivo exacerbado.

Certamente o direito penal, como todos os ramos do direito, necessita de constantes interpretações e revisões de modo que acompanhe a sociedade e suas mudanças.

Assim, a introdução do juiz de garantias parece ser uma resposta ao segundo grupo de discussões. Trata-se de impedir que o juiz responsável pela parte investigativa do processo seja o mesmo que irá proferir a sentença de condenação ou absolvição.

O dr. Vítor Burgarelli, no artigo Juiz das garantias no Brasil: contexto e necessidade:

O objetivo do juiz das garantias, na prática é o seguinte: um juiz criminal da comarca – o juiz das garantias – será responsável pelo “suporte” às investigações na fase de inquérito até a denúncia pelo MP; e outro será responsável por julgar o processo, preservando sua imparcialidade por não ter sido contaminado pela coleta de informações sem contraditório na fase investigativa.

Como bem retrata o articulista, a ideia é ressaltar a imparcialidade e independência do poder judiciário.

O doutor Vítor aborda o juiz de garantias de maneira clara e técnica, pelo que o artigo é um importante ponto de partida para esta matéria.

O procedimento judicial seria então separado em fase acusatória, quando ocorre a investigação e admissibilidade da acusação, com depoimentos e colheita de provas, da fase de instrução, das alegações e da decisão final.

O primeiro juiz, que teve contato com a investigação preliminar não levaria sua bagagem ao segundo momento, em que sua parcialidade poderia estar de certa forma abalada.

O juiz de garantias atuará de forma a receber a comunicação de prisões, de autos de flagrante, a garantir os direitos do preso, a decidir sobre prisão provisória e sua prorrogação, decidir sobre produção antecipada de provas, acompanhar o inquérito, receber a denúncia, dentre outros.

Por outra visão, retira-se do julgamento um juiz conhecedor de todo o processo e que acompanhou tudo desde o início, que ser julgado pelo mesmo juiz preserva o princípio do juiz natural, que tal medida não é aplicada no âmbito dos tribunais, ofensa ao princípio da duração razoável do processo (visto que estenderia o processo judicial por mais tempo), dentre outros.

Existem posições fortes nos dois lados. A maior prova disso foi o procedimento legislativo que criou a figura do juiz de garantias e o fato da sua implementação ter sido autorizada e depois suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.

Tudo iniciou com o debate no legislativo e a dúvida quanto à constitucionalidade dessa figura, conforme trata o dr. Ottoniel Antunes Camargos, cujo artigo é O que é o juiz de garantias? Como funciona? É ou não constitucional?

A análise da constitucionalidade ainda renderá novos capítulos, conforme ótica do articulista:

Em que pese o avanço que o juiz de garantias representa, visto que tem a finalidade de aumentar a efetividade dos direitos individuas durante as investigações, existem vários argumentos que debatem o instituto e indicam a sua inconstitucionalidade. Assim, apresenta-se a seguir os principais argumentos utilizados na ADI 6.298 do DF para impugnar a constitucionalidade do juiz de garantias.

O artigo cita os possíveis vícios e os analisa de maneira didática, inclusive com uma ótica sobre suas repercussões.

As questões continuam afloradas, visto a decisão de suspensão da implementação, conforme dispões a doutora Andreia Aparecida Batista, A figura do juiz de garantias: mais imparcialidade e assertividade entre a investigação e a sentença.

A doutora aborda decisão do presidente do STF que “suspendeu a eficácia da lei por 180 dias, até a efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais, já que adotar esse modelo demanda logística da gestão judiciária”.

O trabalho da doutora Andreia reforça o acerto da adoção do juiz de garantias.

Contudo, pouco tempo depois, outra decisão do Supremo Tribunal Federal, dessa vez proferida pelo ministro Luiz Fux determinou a suspensão do juiz de garantia por prazo indeterminado, até que a corte vote as quatro ações propostas no Supremo que envolvem o pacote anticrime, instituidor da medida.

Assim, ainda não será dessa vez o início do juiz de garantias e muito ainda será debatido sobre sua constitucionalidade, logística e implementação. A aguardar o STF.

São discussões necessárias para a realização do direito por meio de procedimentos imparciais e equilibrados. Junto a essa discussão abordada vale o retorno ao debate entre os leigos, de maneira a estudar medidas mais céleres e eficientes, sem a perda do direito de defesa e julgamento legítimo.

*Renato Campos Andrade é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil da Dom Helder Escola de Direito, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade, especialista em Direito Processual e em Direito do Consumidor.

Domtotal

Nenhum comentário:

Postar um comentário