sexta-feira, 10 de abril de 2020
"UMA VIDA CONSUMADA FAZ FECUNDA A MORTE"
A vida humana é fecunda, é
potencialidade, é explosão de criatividade... Assim como na semente há vida
latente esperando a oportunidade de expandir-se, também no ser humano
encontram-se ricas possibilida-des, esperando a morte do “eu mesquinho”, para
se plenificarem. A maior perda da vida é aquilo que “resseca” dentro de nós
enquanto vivemos: sonhos, criatividade, intuição. A vida é fecunda, é um
turbilhão energético, é explosão de criatividade, é potencialidade.
“A tragédia não é
quando um ser humano morre; a tragédia é aquilo que morre dentro da pessoa
enquanto ela ainda está viva” (Albert Schweiter).
Uma vida pensada sem “mortes”
perde-se, no final, na total irresponsabilidade. E viver significa esvaziar-se
do ego para deixar transparecer o que há de divino em seu interior. O grão de
trigo que não morre, apodrece, e não multiplica as mil possibilidades latentes
em seu interior.
“Jesus morreu de vida”: de
bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de compaixão ousada, de
liberdade arriscada, de proximidade curadora... Jesus foi Aquele que não ficou
indiferente diante da fome, da doença, da violência, da exclusão..., enfim,
diante de tudo o que atenta contra a vida. Seu modo de ser, suas opções, sua
liberdade diante da lei, da religião, do templo, seus encontros escandalosos
com os pobres e excluídos..., desestabilizou tudo, pôs em crise as instituições
e as pessoas encarregadas da religião. Tornou-se um perigo a ser
eliminado.
Nesse sentido, a cruz de Jesus
não é um “peso morto”; ela tem sentido porque é consequência de uma opção
radical em favor do Reino. A Cruz não significa passividade e resignação; ela
nasce de sua vida plena e transbordante; ela resume, concentra, radicaliza,
condensa o significado de uma vida vivida por Jesus na fidelidade ao Pai, que
quer que todos vivam intensamente.
Existem cruzes que são vazias,
sem sentido, insensatas..., pois elas fecham a pessoa em si mesma, no seu
sofrimento e angústia; não apontam para o futuro, para a vida. São cruzes que
nós impusemos sobre nossos ombros ou que os outros nos impuseram. São cruzes
que nascem dos fracassos, dos traumas, das rejeições, das experiências
frustrantes... Tornam-se um “peso morto” pois não abrem um horizonte de vida;
elas se fixam no passado, na morte... e nos deixam no túmulo. Fazer o caminho
contemplativo junto a Jesus que leva a Cruz da fidelidade nos ajuda a romper
com as cruzes que nos afundam no desespero.
A Cruz assumida por Jesus é
“expansiva” porque é expressão de uma vida entregue; ao mesmo tempo, ela O
projeta para a “margem” onde Ele revela uma presença despojada, vulnerável, que
se identifica com a dor do mundo, com a marginalização dos excluídos e com a
desgraça de todos os miseráveis da terra. Sua Cruz manifesta que Deus é
Compaixão porque continua do lado do inocente sofredor; Deus não apenas se
solidariza, mas sofre “em sua pele”.
Acompanhando Jesus na paixão,
também “vamos sendo talhados” pelas cenas que contemplamos, com o coração
aberto à dor e à aflição. É o seguimento levado às últimas consequências.
Participando da morte de Jesus, podemos também fazer de nossas cotidianas
mortes um ato de decisão, de entrega, de oblação. A certeza de nossa fé em
Cristo, morto e ressuscitado, nos ajuda a tirar do coração os medos, os
impulsos egoístas de busca de segurança e proteção, e encontrar uma paz
profunda que nos permita fazer de nossa vida uma oferenda gratuita em favor da
vida dos outros.
É gratificante trazer à memória
tantos homens e mulheres que são presença compassiva e, à maneira de Jesus,
arriscam suas vidas em favor da vida; histórias silenciosas de tantas pessoas
que com sua presença ajudam os outros a viver; pessoas que revelam a paixão por
viver em pequenas paciências cotidianas, que entregam suas vidas no
escondimento, sem vozes que as exaltem; elas são como o fermento silencioso que
se dissolve na massa para fazê-la crescer.
Nos evangelhos, a Paixão de
Jesus não é uma simples sequência de fatos, mas um confronto entre pessoas. Os
diversos personagens entram em contato direto com Jesus, reagindo cada um a seu
modo, vivendo cada qual o mistério do próprio chamado e da própria tomada de
posição frente a proposta de Jesus.
Contemplar toda a galeria de
pessoas que se encontra com Jesus. Cada qual com uma resposta diferente, diante
de Jesus sempre igual em sua atitude de disponibilidade e de entrega.
Os evangelistas dão um destaque
especial à presença das mulheres no caminho da Cruz, solidárias com Aquele que
era vítima da indiferença cruel.
Estão ali, precedendo-nos no
caminho, e não dizem nada. É seu corpo, são seus gestos, suas mãos, seus olhos,
seu silêncio... que falam por elas. A linguagem delas é a linguagem do encontro
solidário. Se elas podem permanecer nessas circunstâncias, é porque amaram
muito. Elas nos falam de resistência e de fidelidade, de uma presença
comovedora. Estão juntas, expostas a outros olhares, como comunidade de
discípulas em torno a seu Mestre, que lhes ensina, agora sem palavras, uma
sabedoria muito maior.
Em meio à impotência, não se
afastam da dor experimentada ao ver sofrer a quem mais se ama, senão que se
expõem ao olhar d’Aquele cujo rosto foi desfigurado. Sobem com Ele ao lugar do
abandono e da ingratidão, levantando uma ponte de proximidade e de
solidariedade que cruza a totalidade da vida de Jesus. Nem um só instante
afastaram seus olhares d’Ele. E o que para uns é escândalo e para outros é
loucura, para estas mulheres é uma força de Deus impressionante. Elas acompanharam
a vida de Jesus muito de perto, “à sombra”, e agora, a morte d’Ele lança uma
forte luz sobre elas, tornando-as visíveis para que todos saibam quem são
elas.
Elas tem a coragem de
permanecer ali, acolhendo o acontecimento em toda sua crueldade e profundidade;
elas estão de pé, enquanto outros desistiram ou se afastaram assustados.
Fonte: domtotal.com
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