Filas em todo o país para receber auxílio
emergencial de 600 reais
A parte mais carente da população
representa 60% dos cidadãos
A renda básica de
emergência, aprovada graças à ação das organizações da sociedade civil, acabou
sendo de 600 reais por mês, fixada apenas por três meses, até o momento. O
Governo Federal elaborou o orçamento pensando que o universo da população que
se registraria para o saque seriam aqueles já inscritos em alguns programas
sociais em andamento, como o Bolsa Família, e os inscritos no denominado
Cadastro Único. Equivocaram-se muito. Começaram a aparecer brasileiros do nada.
Ao ser aberto o prazo de
solicitação, surgiram mais de 20 milhões de pessoas que nunca tiveram uma conta
bancária. Entre eles, 13 milhões de habitantes que não estavam em nenhum tipo
de registro, seja ele qual for, e a metade deles sem acesso à internet,
imprescindível, a princípio, para baixar o aplicativo móvel, que é usado para
se inscrever no programa. Intermináveis filas começaram a envergonhar o país,
com multidões nas portas da Caixa Econômica Federal, uma instituição bancária
pública, responsável pelo pagamento desse auxílio.
No total, cerca de 60
milhões de habitantes terão acesso direto à renda básica de emergência no
Brasil. Esse número, analisado no âmbito dos núcleos familiares, alcança cerca
de 130 milhões de brasileiros, 60% da população, atualmente em torno de 210
milhões.
“Encontramos mais de 21
milhões de pessoas invisíveis, muito mais do que imaginávamos”, reconheceu Onyx
Lorenzoni, ministro da Cidadania, em uma reunião com parlamentares, em 7 de
maio. “Essa também foi uma das razões para buscar o complemento orçamentário,
para que todos pudessem receber o primeiro pagamento”.
Um mês e meio depois da
aprovação da medida, a Caixa Econômica Federal confessa que existem ainda entre
6 e 8 milhões de pessoas aguardando o primeiro pagamento mensal dessa renda
básica de emergência. São aqueles que, até o dia de hoje, continuam fazendo
fila para regularizar sua situação. “Uma minoria barulhenta”, segundo o
presidente brasileiro Jair Bolsonaro. “Uns realmente têm razão, outros se
equivocaram e outros não têm direito”, disse o presidente, na quinta-feira
passada, em pronunciamento com Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica
Federal.
“Nós, sim, imaginávamos,
é o retrato da desigualdade no Brasil”, afirma para essa reportagem Sheila de
Carvalho, advogada, ativista de direitos humanos e membro da equipe de
coordenação da campanha da sociedade civil pela renda básica de emergência.
“Estamos falando de uma população que em sua maioria vive abaixo do salário
mínimo”.
O mais impactante é que
esses números, que são perturbadores, podem ser ainda maiores, já que outra
parte dos cidadãos que precisam ficaram de fora por não atender aos requisitos.
Tatiana Lima, jornalista e pesquisadora social, explica ao jornal Público que o
registro exclui aqueles que superaram em 2018 - porque tinham um contrato de
trabalho - o nível de renda que eram obrigados a apresentar na declaração de
renda, mas que durante 2019 e 2020 possam ter ficado desempregados. “A rua é um
mecanismo de sobrevivência. Os desempregados vão às ruas e montam uma barraca
para vender alguma coisa, ou vendem nos ônibus, trens e metrô”. Também é
impossível convencê-los a ficar em casa resguardados da covid-19, apesar de já
serem contados oficialmente 168.331 casos confirmados e 11.519 mortes.
O número de cidadãos que
precisa dessa ajuda aumentaria ainda mais se levarmos em conta trabalhadores
com contratos, mas com recursos limitados, levando em consideração o salário
mínimo mensal, 1.045 reais, e a escassa proteção social para o trabalhador no
Brasil.
Milhões de brasileiros invisíveis apareceram do nada para receber a ajuda
Em um
seminário recente, um dos onze juízes do Supremo Tribunal Federal, Gilmar
Mendes, tentava expressar um sentimento generalizado no país: “A dificuldade do
Governo em encontrar esses chamados invisíveis, que sequer estavam nos
cadastros governamentais, isso nos enche de vergonha”, admitiu. “É realmente
uma chaga que precisamos banir”.
Como se o escárnio não fosse suficiente, alguns trabalhadores com
dívidas anteriores estão vendo essa renda básica de emergência embargadas em
suas contas correntes, algo que o Governo garantiu que não aconteceria. A
Comissão Nacional de Justiça publicou uma resolução a esse respeito para
cancelar esses embargos em plena pandemia.
As dificuldades de acesso a essa renda urgente, as multidões nas
portas da Caixa Econômica Federal, os milhões de pessoas que ficaram de fora
deste programa e os constantes apelos de Bolsonaro para retomar a atividade
normal, em meio à explosão da pandemia no Brasil, faz com que Tatiana Lima
qualifique a postura do Governo Federal como “uma política de morte”. Uma
maneira qualquer de decidir “quem vai viver e quem vai morrer”, levando em
consideração que metade da população brasileira é negra e pobre. “É o que
Achille Mbembe, escritor camaronês, define como necropolítica”.
Diante de tal magnitude dos obstáculos, o futuro brasileiro só
conhece o curto prazo. O médio e o longo prazo são impenetráveis. “É muito
importante que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário monitorem a
implementação desse benefício para que seja efetivo e que consigamos ter um
mínimo de economia girando nos próximos meses”, destaca Sheila de Carvalho. Na
sua opinião, a próxima medida nesse curto prazo deveria ser, quase com a mesma
urgência com que foi tratada a renda básica de emergência, “a ampliação da
medida para além de três meses, porque três meses não serão suficientes”.
Lutarão para que cheguem até dezembro e, a partir de então, terão que encadear
outras lutas.
*A reportagem de Víctor David López foi publicada por Público
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