domingo, 31 de maio de 2020
CONHEÇA A VIDA DE CHARLES DE FOUCAULD, UM SANTO ATUAL
De
soldado folgazão a monge no deserto, tornou-se pioneiro da vida religiosa entre
os mais pobres e os marginalizados
O
inspirador dos Irmãozinhos e Irmãzinhas de Jesus, o francês Charles de
Foucauld, tem finalmente abertas as portas para a canonização como santo da
Igreja Católica, 104 anos depois de ter sido assassinado em Tamanrasset (Saara
argelino), em parte graças ao impulso que o papa Francisco deu ao processo. O
papa aprovou, quarta-feira, 27 de Maio, a cura inexplicada apresentada pela
Congregação para a Causa dos Santos e que abre as portas à canonização. Falta
agora saber a data da cerimônia.
Em
dezembro de 2016, quando se completaram 100 anos da sua morte, o papa Francisco
dissera, acerca de Charles de Foucauld: “Um homem que venceu tantas
resistências e deu um testemunho que fez bem à Igreja. Peçamos que nos abençoe
do céu e nos ajude a caminhar nos caminhos de pobreza, contemplação e serviço
aos pobres.”
Na
altura da sua beatificação, há 15 anos (13 de Novembro de 2005), em Roma, o
então papa Bento XVI referiu-se ao etnólogo e linguista que se tornaria eremita
que “através da sua vida contemplativa escondida em Nazaré [onde viveu uma
temporada, Charles] encontrou a verdade da humanidade de Jesus (…)
convidando-nos à fraternidade universal, vivendo mais tarde no Saara, dando-nos
exemplo do amor a Cristo (…) e pondo a eucaristia e o evangelho no centro da
existência”.
Charles
de Foucauld (1858-1916), cuja vida e pensamento se inspirou na espiritualidade
de Francisco de Assis, sonhou com o projeto de criar comunidades “semelhantes
às comunidades dos primeiros tempos na Igreja”. A sua ideia, que nasceu numa
visita à Terra Santa depois de ter deixado o exército, acabou por dar origem a
dez congregações religiosas, entre as quais as fraternidades dos Irmãozinhos e
Irmãzinhas de Jesus, todas elas criadas só depois da sua morte.
O
irmão Charles viveu num eremitério entre os tuaregues do deserto do Saara e
queria que a sua vida fosse a de um “irmão universal”. Acabaria, com a sua
experiência de vida entre os mais pobres, por se constituir como um pioneiro da
renovação das ordens religiosas no século 20.
“Uma profunda agitação”
Nascido
em Estrasburgo, em setembro de 1858, filho de conde, Charles-Eugène de Foucauld
fica órfão aos seis anos. Em 1876 vai para o exército. Aos 22 anos, parte para
a Argélia, então colônia francesa. Não deixara, no entanto, a fama de
“folgazão” com que ficara conhecido na Escola de Cavalaria de Saumur.
Ao
fim de três anos, a sua vida muda de rumo, abandona o exército e dedica-se a
fazer explorações geográficas no Marrocos. É neste contacto mais direto com os
muçulmanos que ele sente “uma profunda agitação” e começa a colocar a pergunta
que abandonara há anos: “Será que Deus existe?”
Em
1886, Foucauld converte-se, tenta sucessivamente a vida religiosa em vários
mosteiros. Parte em 1900 para Jerusalém e Nazaré, regressa um ano depois à
Argélia, passando a viver no eremitério de Beni Abbès.
A
sua ideia é imitar o estilo de vida simples de Jesus, em Nazaré. “Sonho com
qualquer coisa de muito simples, grupos pequenos e semelhantes às comunidades
dos primeiros tempos na Igreja… viver a vida de Nazaré, no trabalho e na
contemplação de Jesus… ser uma família pequena, onde tudo seja muito humilde e
simples.”
Nos
anos seguintes viverá entre mais dois eremitérios e pequenas viagens à França e
no interior da Argélia. Constrói o seu dia a dia na ajuda aos mais pobres dos
nômades do deserto. Não pretende “instruir” os muçulmanos na religião cristã
nem convertê-los, mas dar-lhes “a conhecer, mais com os atos do que pelas
palavras, a moral cristã”.
Ao
mesmo tempo, Charles de Foucauld escreve obras sobre a linguística e a cultura
tuaregue, que se constituirão como referência nos estudos sobre a matéria, e
traduzindo ao mesmo tempo numerosos poemas e textos da cultura nômade.
Precursor
do diálogo inter-religioso, apesar da sua proximidade com os nômades do deserto
e do apoio que dava aos mais pobres, o emergir da 1ª Guerra Mundial cria-lhe
dificuldades. Acabará vítima do conflito mundial e da luta que diversos grupos
muçulmanos já travavam contra a ocupação francesa. Atacado por um grupo hostil
aos cristãos, morre assassinado a 1º de dezembro de 1916.
“Respeitar a cultura diferente”
Quando foi beatificado, em Novembro de 2015, vários tuaregues
estiveram presentes na cerimônia de Roma, com o véu tradicional e túnicas
azuis. O então papa Bento XVI, que os recebeu no final da cerimônia, disse que
a vida de Charles de Foucauld é um convite a todos os que desejam a
“fraternidade universal”.
Na cerimônia, que foi presidida pelo cardeal português José
Saraiva Martins, então responsável pela Congregação da Causa dos Santos, este
sublinhou a “simplicidade” daquele que é conhecido como o irmão Charles,
acrescentando que Foucauld levou o seu compromisso ao ponto de “testemunhar
Jesus no respeito pelas outras experiências religiosas” e a “reafirmar o
primado da caridade vivida na fraternidade”.
As comunidades de frades e freiras que se inspiram na sua vida e
testemunho vivem normalmente em bairros degradados, em meios pobres ou junto de
populações desfavorecidas. Em Portugal, por exemplo, há uma comunidade dos
Irmãozinhos em Setúbal, e três comunidades de irmãs em Chelas (Lisboa),
Apelação (Loures) e Fátima. No Brasil a Fraternidade da Visitação Charles de
Foucauld está em Goiás.
“A primeira coisa a fazer é respeitar uma cultura diferente da
sua, de procurar compreender a luz da verdade e descobrir nela o projeto de
Deus sobre cada ser humano”, escrevia a irmã Magdeleine Hutin, ou Magdeleine de
Jesus, que criou as Irmãzinhas de Jesus a partir da proposta de Charles de
Foucauld. “É somente a partir do respeito das culturas, das civilizações e das
religiões que será possível revelar aos outros o amor de Deus.”
O caminho para chegar à canonização de Foucauld não foi isento
de dificuldades, recorda Vázquez Borau do site Religión Digital.
No mesmo dia em que foi aprovado o decreto de canonização do
irmão Charles, o papa aprovou ainda outras duas canonizações e cinco
beatificações. Uma das novas beatas será Pauline Jaricot (1799-1862) que se
converteu aos 17 anos e, sem nunca se consagrar à vida monástica, se dedicou à
evangelização, preocupando-se em apoiar os missionários. Acabou por fundar a
Obra da Propagação da Fé, que acabou por ganhar dimensão internacional.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário