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É tarefa teológica e
cristã denunciar as irresponsabilidades
que acontecem no
meio da Igreja (Unsplash/ Nycholas Benaia) |
Diversos
movimentos de dentro da Igreja cristã se mostram irresponsáveis na situação
atual
Ao longo de sua história, não foram raras as vezes que o cristianismo,
na figura de seus líderes, mostrou-se com postura irresponsável. Basta tomar
alguns eventos históricos conhecidos, como as Cruzadas, a luta contra o
modernismo e a teoria da evolução ou mesmo, já no século 20, a postura da
Igreja cristã frente ao fascismo na Itália e nazismo na Alemanha. Esses
episódios, dentre vários que poderíamos citar, mostram a faceta de uma religião
que, diante do mal e do terror, mostrou-se irresponsável e conivente com aquilo
que acontecia ao mundo e, principalmente, aos mais fracos.
Num primeiro momento, esses embates ocorreram a partir do catolicismo
que se via impelido a dar uma resposta frente à perda da hegemonia que, desde
as revoluções científicas do século 15 e 16, crescia de maneira muito rápida,
sobretudo em solo europeu. Como se sabe, desde o Concílio de Trento, passando
pelo Concílio Vaticano I, a postura da Igreja se mostrou bastante fechada em si
mesma, o que também cooperou para a perda de seu espaço numa sociedade europeia
que crescia e buscava novas formas de explicar o mundo, não mais a partir dos
dogmas, mas da ciência e das relações comerciais.
Somente com o Vaticano II é que uma
nova postura da Igreja se mostra. Ou seja, se considerarmos de Trento até o
Vaticano II, foram mais de 400 anos até que o catolicismo propusesse seu aggiornamento que
ainda hoje não foi totalmente compreendido e assimilado por parte de toda a
comunidade católica (prova disso, os grupos conservadores que querem retornar
ao rito tridentino). Apesar disso, é possível perceber em muitos pontos,
principalmente a partir do papado de Francisco, uma Igreja Católica mais
consciente de sua responsabilidade junto aos mais pobres.
Do lado protestante também é conhecida sua irresponsabilidade e
conivência com os regimes totalitários que assolaram a Europa no século 20, ou
ainda seu apoio aos regimes escravocratas, ou suas constantes campanhas de
evangelizações que levaram países a se tornarem redutos de intolerância.
No caso brasileiro, principalmente a partir do surgimento do movimento
neopentecostal, por volta da década de 80, é possível notar o aumento da
perseguição às religiões de matriz africana, consideradas por ele como
demoníacas. Recentemente ainda se vê grupos evangélicos que invadem terreiros
para “libertar pessoas das garras do maligno”, não percebendo que são eles os
instrumentos de Satanás. Alia-se a isso o novo calvinismo que surge nos Estados
Unidos e que tem sido importado para nosso país com sua agenda fundamentalista
disfarçada de movimentos descolados para a atração de jovens que possam “fazer
a vontade de Deus” em converter pessoas ao movimento evangélico.
A junção de uma teologia da prosperidade trazida do neopentecostalismo,
com o fundamentalismo religioso das igrejas dos movimentos do novo calvinismo,
aliados à intolerância religiosa e proselitismo que ambas as bandeiras carregam
têm se mostrado como reduto do que há de mais irresponsável na igreja
evangélica brasileira. Essa parcela do movimento evangélico (que está longe de
representar todo o espectro protestante/evangélico do país) é aquela que tem
apoiado as atitudes irresponsáveis do governo atual, lutando contra o
isolamento social com suas orações em praças, ou com sua insistência de que os
cultos com muitas pessoas num mesmo espaço sejam permitidos, ou ainda em seus
discursos de que basta orar para que o vírus não tenha efeito, dentre tantas
outras bizarrices.
Nesse sentido, têm-se mostrado como igrejas irresponsáveis, cujo sangue
de inocentes está em suas mãos e nas mãos de suas lideranças. Essa postura
irresponsável também pode ser percebida no meio católico, quando alguns
movimentos insistem no fim do isolamento social sob a égide de querer
participar da missa, ignorando o fato de que a verdadeira missa acontece no
cuidado para com o semelhante e no acolhimento do próximo que precisa ter suas
dores curadas.
Diante de tal cenário, é tarefa teológica e cristã denunciar as
irresponsabilidades que acontecem no meio da Igreja, na esperança de que ela se
converta e seja realmente luz a brilhar na escuridão e instrumento de Deus para
a manutenção da vida de todas as pessoas.
*Fabrício
Veliq é protestante e teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de
Belo Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven
(KU Leuven), Bacharel em Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG) E-mail:
fveliq@gmail.com. Site: www.fabricioveliq.com.br
Fonte: domtotal.com
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