segunda-feira, 18 de maio de 2020

INFODEMIA


Notícias falsas são elaboradas por profissionais com edições caprichadas,
vozes de locutores e músicas adequadas (Unsplash/ Nahel Abdul Hadi)
Nas redes digitais há uma feroz disputa entre quem consegue impor sua narrativa à opinião pública
O vocábulo que dá título a este artigo foi cunhado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Refere-se às fake news sobre a pandemia. E não apenas às mentiras, como também ao que se silencia, como é o caso da ação solidária de Cuba, bloqueada há 60 anos pelos sucessivos governos dos EUA.
Médicos cubanos foram os primeiros estrangeiros a socorrerem os chineses tão logo se iniciou a epidemia. Agora já são mais de 60 países atendidos por eles, entre os quais Itália e França. São as Brigadas Internacionais de Médicos Especializados em Situações de Desastres e Graves Epidemias, criadas na década de 1960.
Cuba é uma potência médica. Conta, hoje, com 100 mil médicos, o que equivale a 9 médicos por cada 1 mil habitantes. É a taxa mais alta do mundo. Na Alemanha, Suíça e Espanha, o índice é de 4/1.000, e na França, Israel e EUA, de 3/1.000. Atualmente, Cuba atende 66 países (El País, Madrid, 22/3/20), onde se encontram 30 mil médicos e enfermeiros das brigadas internacionais.
Ao criá-las, Fidel declarou: “Um dia haverão de reconhecer que o nosso país jamais promoveu ataques preventivos ou de surpresa contra qualquer país do mundo, e que, ao contrário, nosso país foi capaz de enviar médicos solidários às mais distantes regiões do mundo. Médicos, e não bombas; médicos, e não armas inteligentes” (discurso em Buenos Aires, maio de 2003. Granma, Havana, 17/4/2020).
Enquanto a grande mídia mundial mantém silêncio quanto a Cuba, nas redes digitais há uma feroz disputa entre quem consegue impor sua narrativa à opinião pública. É a infodemia ou as infomentiras. Nossos computadores estão infectados das mais estapafúrdias versões sobre a Covid-19. Desde que o vírus é uma arma da guerra bacteriológica criada pela China, a supostos medicamentos miraculosos capazes de evitar a enfermidade ou curar em um passe de mágica. Na Inglaterra, chegaram a pôr a culpa nas antenas de telefonia 5G, que tornariam mais letal o vírus. No Irã se noticiou que o metanol evitava e curava a infecção. Resultado, 44 pessoas mortas e centenas hospitalizadas por ingerir este álcool metílico. Em Duque de Caxias (RJ), a estudante Kamylle Ribeiro, 17, morreu no Hospital Moacyr do Carmo após internação de duas semanas e tratamento a base de cloroquina.
Nada, porém, supera a infodemia cujo principal porta-voz é o presidente do Brasil, este estranho ser indiferente à tortura (“só leio Brilhante Ustra”), indiferente ao genocídio (“deviam ter matado 30 mil”), indiferente ao massacre de presos em mãos do Estado (“pergunte às vítimas o que eles fizeram”), e agora indiferente aos milhares de brasileiros mortos pela Covid-19 e a dor de seus familiares (“E daí?”).
Notícias falsas se espalham mais rapidamente que as verdadeiras. São elaboradas por profissionais com edições caprichadas, vozes de locutores e músicas adequadas. E disparadas por algoritmos em robôs. Tudo para suscitar credibilidade. Dois fatores favorecem a disseminação das infodemias: a cumplicidade entre os usuários da mesma rede digital, o que supõe relação de confiança, e a incessante repetição das mensagens. Se tão variados emissores fazem chegar a mesma informação, o destinatário tende a lhe dar crédito.
Desde 2016, as principais corporações de redes digitais modificaram o sistema de hierarquização das mensagens. Agora, a comunicação entre indivíduos tem precedência sobre mensagens emitidas por veículos de mídia ou organizações como a OMS.
Mineiro desconfiado como sou, sempre que duvido recorro à Agência Lupa. Basta digitar estas duas palavras e a informação é confirmada ou desmentida com segurança.

 Frei Betto

Fonte: domtotal.com


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