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Nem sempre é fácil
articular a prática pastoral com a vida de oração
(Grant Whitty/ Unsplash). |
A Igreja dos pobres, se quiser
resgatar toda a Igreja, terá inevitavelmente de restaurar também os elementos
essenciais da vida cristã e da identidade eclesial
Há agentes pastorais que
conseguem, ao orar, sobrepor‑se espiritualmente ao burburinho da racionalidade
e mergulhar na união amorosa com o Pai. A dificuldade existe para os que fazem
de sua atividade pastoral mera estratégia de organização, de conscientização e
de mobilização populares. Reduzem a evangelização à conscientização.
A fé, quando não fica
relegada à esfera privada da pessoa, passa a ser também “politicamente”
alimentada – a visão pastoral do trabalho e da sociedade predomina sobre a
experiência teologal comunitariamente incrementada. Por vezes, uma simples
reunião de discussão de tarefas é considerada oração – modo grosseiro de
batizar um ativismo que, sem dúvida, é importante, mas necessariamente não
nutre a experiência teologal, assim como a prática não é capaz de, por si
mesma, dotar o militante político da visão teórica livre de dogmatismo ou de
sectarismo.
Nem sempre é fácil
articular a prática pastoral com a vida de oração. Esta parece não ter ainda
encontrado o seu lugar próprio no novo universo dos agentes comprometidos com a
pastoral libertadora. Na Igreja dos pobres, são novas as práticas pastorais, os
métodos e os conteúdos da catequese e da preparação aos sacramentos, o modo de
organizar a comunidade e de entender o seu papel, e a forma de inserção social
dos agentes; mas são ainda antigas as referências quando se trata de oração, de
liturgia, de revitalização da vida teologal.
A Igreja dos pobres, se
quiser resgatar toda a Igreja, terá inevitavelmente de restaurar também os
elementos essenciais da vida cristã e da identidade eclesial, como a liturgia e
a experiência mística. Enquanto esses elementos perdurarem como característica
exclusiva e nota dominante daqueles que temem a irrupção libertadora dos
oprimidos, será difícil falar em verdadeira renovação da Igreja.
Em muitas CEBs permanece
a dualidade entre inovação pastoral e identidade canônica. A liturgia celebrada
pouco tem a ver com a prática libertadora dos participantes. O celebrante
mantém inalterado o rito tradicional, sem adequá‑lo às expressões e aos
símbolos próprios da comunidade local, embora introduzindo um discurso político
que, por vezes, leva os fiéis a se perguntarem qual a relação entre o discurso
(avançado) e a liturgia (tradicional) – tal a inadequação entre o significado
(o sentido) e o significante (o rito). Daí o incômodo: a impressão de que se
“aproveitou” da liturgia para fazer política. Isso reforça a posição dos que,
na Igreja, rejeitam a pastoral popular e se consideram fiéis detentores da
identidade eclesial e dos símbolos ortodoxos – pois neles não há inadequação
entre o sentido e o rito, na medida em que, tanto no que apregoam quanto no
modo de celebrar, querem manter fundamentalmente inalterada a realidade. Nesses
há mais “coerência", pois seu ritualismo desencarnado corresponde a seu
discurso alienado.
Assim, fica mais fácil
compreender por que o recuo cristão frente ao social vem sempre acompanhado por
uma predominância quase exclusiva do litúrgico, do devocional e do sacramental,
bem como de um espiritualismo evasivo que confirma a desigualdade social
vigente.
Frei Betto
Fonte:domtotal.com
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