sábado, 9 de maio de 2020

O CORAÇÃO MATERNO DE DEUS


Contemplar, pois, o 'rosto materno de Deus' é muito

 mais uma experiência existencial do que um discurso

teológico, conceitual (Unsplash/ Eye for Ebony)Adicionar legenda
Não sei se é o amor de Deus que se assemelha ao amor de uma mãe ou se é o amor das mães que se compara ao amor de Deus
Proximidade. Cuidado. Ternura. Compaixão. Perdão. Misericórdia... São algumas palavras que expressam o modo de Deus agir em relação ao ser humano. Na Bíblia, encontramos várias passagens que testemunham esse coração materno de Deus, “misericordioso e clemente, lento na ira, cheio de bondade e fidelidade” (Ex 34,6). O profeta Oséias diz que “Deus tem entranhas de misericórdia” (Os 11,8) e, como uma mãe, nos carrega no colo. “Com cordas humanas eu os atraía, com laços de amor, e era para eles como quem ergue uma criança ao rosto. Eu me inclinava para ele, eu o alimentava” (Os 11, 1-4). Isaías é ainda mais enfático ao afirmar: “como a mãe que consola um filho, assim eu vos consolarei” (Is 66, 13). Ou ainda, “pode uma mulher esquece-se de seu filhinho, a ponto de não compadecer-se do filho de suas entranhas? Mesmo que ela se esquecesse, eu, contudo, não me esquecerei de ti” (Is 49, 15). No Novo Testamento, essa misericórdia de Deus se manifesta num rosto vivo e visível, Jesus Cristo, que define a si mesmo “como uma galinha que reúne seus pintinhos debaixo das asas” (Mt 23, 37).
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Mas o que isso tem a ver com a imagem de Deus como mãe? Será que a palavra “Pai” também não é uma metáfora para expressar o tipo de amor de Deus para conosco? Como afirma o Catecismo da Igreja Católica (n. 239), “ao designar Deus com o nome de ‘Pai’, a linguagem da fé indica principalmente dois aspectos: que Deus é a origem primeira de tudo e a autoridade transcendente, e, ao mesmo tempo, que é bondade e solicitude amorosa para com todos os seus filhos. Esta ternura paternal de Deus também pode ser expressa pela imagem da maternidade, que indica melhor a imanência de Deus, a intimidade entre Deus e a criatura”. Mas o mesmo número do Catecismo adverte: “Convém, então, lembrar que Deus transcende a distinção humana dos sexos. Não é homem nem mulher; é Deus. Transcende também a paternidade e a maternidade humanas, sem deixar de ser de ambas a origem e a medida; ninguém é pai como Deus”.
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Joseph Ratzinger, no livro-entrevista com Peter Seewald, intitulado Deus e o mundo: ser cristão no novo milênio, diz que, no termo hebraico rahamim, “que originalmente significa ‘seio materno’, mas que depois se torna o termo que explica a compaixão de Deus pelo homem, revela-se o mistério do amor materno de Deus”. E, continuou Ratzinger: “o ventre materno é a expressão mais concreta da íntima relação entre duas existências e das atenções dadas à criatura fraca e dependente que, em corpo e alma, é totalmente protegida no ventre da mãe. A linguagem figurada do corpo nos oferece, assim, uma compreensão dos sentimentos de Deus pelo homem, mais profunda do que permitiria qualquer linguagem conceitual”.
O papa João Paulo I, na oração do Angelus do dia 10 de setembro de 1978, fazia uma afirmação que se tornaria célebre e talvez a grande palavra do seu curto pontificado: “somos objeto, da parte de Deus, dum amor que não se apaga. Sabemos que tem os olhos sempre abertos para nos ver, mesmo quando parece que é de noite. Ele é pai; mais ainda, é mãe. Não quer fazer-nos mal, só nos quer bem, a todos. Os filhos, se por acaso estão doentes, possuem um título a mais para serem amados pela mãe. Também nós, se por acaso estamos doentes de maldade, fora do caminho, temos um título a mais para que o Senhor nos ame”.
Experienciar na concretude existencial o coração materno de Deus, não significa desalojar o tradicional imaginário de Deus como pai ou sugerir que Deus é mais feminino do que masculino em um sentido absoluto, e sim sublinhar a ternura de Deus, seu modo misericordioso de agir. Pois “a misericórdia de Deus não é uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta, pela qual Ele revela o seu amor, como o de um pai e de uma mãe que se comovem pelo próprio filho até o mais íntimo das vísceras” (papa Francisco, MV, n. 6).
Contemplar, pois, o “rosto materno de Deus” é muito mais uma experiência existencial do que um discurso teológico, conceitual. Como adverte Bento XVI, em seu livro Jesus de Nazaré, “Mãe não é na Bíblia um título de Deus, não é uma forma com a qual se dirige a Deus.” Jesus se dirigia a Deus como Pai e, também nos ensinou a rezar chamando Deus de Pai. Nisso se conclui que a “maternidade” de Deus é uma experiência existencial de um amor que se compadece de nossas fraquezas, pois a atitude de Deus em contato com a miséria humana, com a nossa indigência, com o nosso sofrimento e angústia é comparável à reação de uma mãe face ao sofrimento dos filhos. Assim Deus nos ama, nos ama como uma mãe (cf. papa Francisco, Angelus, 9 de junho de 2013).
Não sei se é o amor de Deus que se assemelha ao amor de uma mãe ou se é o amor das mães que se compara ao amor de Deus. Mas, como recorda o papa Francisco, “uma sociedade sem mães seria uma sociedade desumana, porque as mães sabem testemunhar sempre, mesmo nos piores momentos, a ternura, a dedicação, a força moral. As mães transmitem, muitas vezes, também o sentido mais profundo da prática religiosa: nas primeiras orações, nos primeiros gestos de devoção que uma criança aprende, é inscrito o valor da fé na vida de um ser humano. É uma mensagem que as mães que acreditam sabem transmitir sem tantas explicações: estas chegarão depois, mas a semente da fé está naqueles primeiros, preciosíssimos momentos. Sem as mães, não somente não haveria novos fieis, mas a fé perderia boa parte do seu calor simples e profundo” (Catequese do papa Francisco sobre o papel das mães, 07/01/2015). 
Essa necessidade da ternura maternal talvez explique, ao menos em parte, o carinho do nosso povo pela Santa Mãe de Deus, sua confiança e devoção.  Mas, assim como Maria, a Igreja também tem um coração de mãe. Muito mais do que uma estrutura funcional, a Igreja é uma mãe que gera, ama e cuida com ternura dos seus filhos e filhas, principalmente daqueles (as) que por alguma circunstância se feriram nas estradas da vida. E quando, preocupada com tantas outras coisas, a Igreja se esquece dessa sua vocação materna, perde grandemente sua eficácia na vida das pessoas.
 Todos nós devemos muito às nossas mães, não somente pela vida gerada em seu seio, mas também grande parte da nossa formação humana e espiritual se deve a elas. Obrigado à minha querida mãe, pelo esforço e “martírio” dispensado para minha criação. Obrigado a todas as mães que, ao amar com este amor visceral, ajuda-nos a perceber que o amor de Deus não é uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta, palpável, que se revela na história humana.
*Pe. Rodrigo, SDN é licenciado em Filosofia, bacharel em Teologia, com especialização em formação para Seminários e Casa de Formação. Atualmente é pároco da Paróquia Santa Luzia Teresina-Piauí.

Fonte:domtotal.com 


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