quinta-feira, 28 de maio de 2020
PENTECOSTES" SOMOS TERRA DO ESPÍRITO"
“...soprou sobre eles e
disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,22)
A
festa de Pentecostes é a culminância de todo o tempo pascal. As primeiras
comunidades cristãs tinham claro que tudo o que estava se passando nelas era
obra do Espírito, e tudo o que o Espírito tinha realizado em Jesus, agora
estava realizando em cada um deles(as).
Também
para cada um de nós, celebrar a Páscoa significa descobrir a presença do
Deus-Espírito em nosso interior e na realidade que nos envolve, ora como brisa
mansa, ora como vento impetuoso.
Tanto
a “ruah” hebraico como o “pneuma” grego significam ar, vento,
sopro. É neutro em grego, masculino em latim (“spiritus”), feminina em
hebraico, pois transcende, acolhe e abençoa todas as identi-dades de gênero. É
alento vital profundo. Brisa suave no sufoco, vento forte na apatia. “O vento sopra onde quer”, vem de tudo e de sempre, nos leva onde não sabemos.
A
raiz da palavra “ruah”, nas línguas semíticas, é “rwh”, que significa o espaço
existente entre o céu e a terra, que pode estar em calma ou em movimento. Seria
o ambiente no qual os seres vivos bebem a vida. A terra mesma era concebida
como um ser vivo, o vento era sua respiração.
Nestas
culturas, o sinal de vida era a respiração. “Ruah” veio a significar “sopro
vital”. Quando Deus modela o homem de barro, sopra em seu nariz o hálito de
vida.
No
Evangelho deste domingo, prolongando o sexto dia da criação, Jesus sopra sobre
os apóstolos para comunicar seu Espírito.
Pentecostes vem nos recordar que o Espírito faz parte de nós
mesmos, constitui nossa verdadeira identidade e não tem que vir de nenhum lugar.
Somos habitados por Ele, está em nós, antes mesmo que nós começássemos a
existir. É o fundamento de nosso ser e a causa de todas as nossas
possibilidades de crescer em todas as dimensões da vida. Nada podemos fazer sem
ele, como também não podemos estar privados de sua presença em nenhum momento.
Todas as orações, encaminhadas a pedir a vinda do Espírito, só tem sentido
quando nos levam a tomar consciência de sua presença e ação em nós; tais
orações ativam em nós o impulso para nos deixar conduzir por essa presença
inspiradora e criativa.
Assim
é o Espírito que vibra na entranha do infinitamente grande e do infinitamente
pequeno, nesta nossa Terra e no universo sem medida. O Espírito sopra onde
quer, que é como dizer “em tudo”, pois ama tudo e anima tudo. É a “alma” de
tudo quanto vive e respira. É a esperança invencível, a aspiração irresistível
de todos os seres, sem exceção. É a energia que toma forma na matéria e a faz
matriz inesgotável de novas expressões de vida, sem fim.
Nesse
sentido, nós somos a terra propícia onde atua o Espírito. Onde há mais carência,
vulnerabilidade, pobreza... há mais e maiores possibilidades criativas. Nenhuma
situação pode afastar-nos de Sua visita. Toda terra baldia é boa para o
Espírito. Ele é o buscador incansável e com um “sim” ousado e forte re-cria de novo
nossa história, estabelecendo o “cosmos” (harmonia e beleza”) em nosso “caos” existencial.
As
“terras do Espírito” albergam milhares de nomes: chama-se esperança para aqueles que sonham um
outro mundo possível; chama-se amada paz para aqueles que vivem em meio à barbárie dos
conflitos; chama-se liberdade para aqueles que foram privados dos seus direitos
fundamentais; chama-se justiça para aqueles que vivem continuamente sendo espoliados e
explorados; chama-se beleza, porque tudo o que foi criado é bom e precioso; chama-se humanidade porque é neste “húmus-chão” onde a
presença da “Ruah” transforma a existência.
No
silencioso sussurro da voz do Espírito, toda nossa realidade interior fica
abençoada: os sentimentos contraditórios, os dinamismos opostos, os pensamentos
divergentes..., se harmonizam. Ele “desce” para nos encontrar e despertar nossa
vida atrofiada. Com seu toque, uma identidade nova ressurge: não somos mais
estrangeiros, nem inimigos de nós mesmos. Sua presença dá calor e sabor à nossa
existência.
São
tantas as pessoas que fazem experiência de vida no Espírito, que bebem d’Ele,
vivem d’Ele, muitas vezes sem saber disso; elas têm uma visão aberta e são
motivo de alegria e de cuidado para aqueles que delas se aproximam; homens e
mulheres que levam alívio ao tecido da existência humana pois, com suas
presenças, dão um toque de cor e calor à realidade; como brisa leve, situam-se
junto àqueles que atravessam momentos de desânimo, de tristeza e de fracasso...
O Espírito é o artífice secreto de todas
as cores e texturas da vida, da beleza, que conhecemos e daquela que ainda nos
aguarda. Ele é a “alma do mundo” e disso só podemos fazer aproximações,
vislumbres...
Reconhecemos
o Espírito pelos efeitos que provoca: sem saber de onde vem nem para onde irá,
nos golpeia
e
clama no sofrimento dos inocentes, grita em todos os ambientes que maltratam a
vida, ali onde não se respeita a dignidade e o valor das criaturas. Ele nos
alcança na expressão terna de um rosto, na tonalidade de uma voz, na carícia da
natureza...
Ali
onde nosso ego se esvazia, o Espírito toma o lugar que lhe pertence, desde o princípio e para sempre.
Esse
lugar não é um espaço físico nem está situado no tempo, senão que esse lugar
está dentro, vai conosco lá onde vamos. São “terras do Espírito”, e habitá-las é nossa promessa.
A
humanidade sempre sonhou e buscou a “terra prometida”; no entanto, esta não se
reduz a um lugar geográfico ou um espaço paradisíaco. São as “terras do
Espírito”, terras prometidas a todos que vivem a partir de sua própria
interioridade. É preciso descalçar-se para entrar nessas terras, fazer-se
cada vez mais leves, mais humildes, peregrinos... Quem se deixa conduzir pelo
Espírito, nenhuma terra lhe é estranha; ao contrário, tudo lhe é
familiar.
Eis
que nos encontramos agora no tempo do “distanciamento social”, para não nos
contaminar. Imper-ceptíveis partículas nos ameaçam onde menos esperamos. E
procuram minar e destruir nosso sistema vital.
Mas
não devemos esquecer que há outro tipo de “bendito contágio”, que procura ter
acesso à nossa interioridade mais profunda: é o contágio do Espírito, que nos
envolve e nos pede que tiremos todas as máscaras com as quais nos defendemos
d’Ele. É o Espírito que alenta (suspira) na beleza, na arte, nas relações de
amor incondicional, no cuidado compassivo, na presença solidária, nas pessoas
que ajudam desinteressada-mente, na hospitalidade da vida...
Jesus
Ressuscitado, no encontro com os discípulos e com cada um(a) de nós, nos
entregou definitivamente este Espírito, sua santa Ruah que o habitava e o levou
a entregar sua vida em favor da vida.
É
a “Ruah” que produz o contágio espiritual e que foi derramada sobre toda a
humanidade.
A
Santa Ruah é a memória permanente do “sim” do Abbá e de Jesus a todos nós. Não
somos abandonados do Amor, nem da Misericórdia de nosso Deus. Onde menos
pensamos, ali surgem sinais de um grande e apaixonado amor pela humanidade.
Tanto amou Deus o mundo, tanto amou Jesus à humanidade, que nos entregaram o
Espírito Santo, essa bendita contaminação que nos envolve por todos os lados,
para que “tenhamos vida em abundância”.
Santa
Ruah! Bendito contágio!
Texto bíblico: Jo 20,19-23
Na oração: Espirituais somos todos, quando deixamos que,
dentro de nós, o Espírito de Deus encontre espaço livre para mover-se,
sussurrar e suscitar inquietações. Ao habitar-nos, o Espírito não nos invade,
nem se impõe.
-
Se abrirmos espaço à sua presença, brota uma sadia convivência que potencia o
melhor de nós mesmos, sensibiliza nosso coração e abre os sentidos para que
fiquem mais alertas e sintonizados com as surpresas que brotam da vida.
-
No ritmo da silenciosa respiração, sinta a “Santa Ruah” tendo acesso às
profundezas de seu ser, pacificando, integrando..., despertando novas energias
e impulsos criativos e rompendo o medo, a apatia, a falta de sentido...
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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