REDESCOBRIR O MEMORIAL EUCARÍSTICO: PARA ALÉM DO SUBJETIVISMO
Tornarmo-nos morada do Corpo e Sangue de Cristo
eucaristizados
é
tornarmo-nos Corpo de Cristo, Igreja (AFP)
Para
entender a Eucaristia é preciso resgatar seu significado comunitário e memorial
Na linha do que temos
trabalhado já há duas semanas, neste espaço, a respeito dos riscos para a fé,
no que diz respeito à absolutalização de realidades relativas, tal qual o Corpo
e Sangue de Cristo eucaristizados nalguns contextos bem marcados, é preciso que
consideremos, agora, a importância de redescobrirmos a Eucaristia. E, neste
momento, no qual os fiéis estão impedidos de celebrá-la, faz-se bastante
oportuno que cuidemos desse tempo para um aprofundamento catequético.
Antes de tudo, importa
que recordemos que, quando Jesus se reúne com seus discípulos, na iminência de
sua morte, para uma ceia de despedida, ele institui um memorial.
Esta não é uma palavra qualquer, para o vocabulário cristão. Fazei isto
em memória de mim, disse Jesus, tal qual nos reporta os evangelhos
sinópticos e, numa tradição ainda mais antiga, a Primeira Carta aos
Coríntios (11,24-25), de Paulo.
Costumamos dizer que,
nesta derradeira ceia, Jesus tenha instituído a Eucaristia. Vale dizer mais:
instituiu o memorial da Eucaristia. Fazer memória, para as
compreensões judaica e cristã, é mais que lembrar. Trata-se de reviver
o sabor. A ideia é aquela, de que quando estamos passando por algum lugar,
e sentimos o cheiro de um bolo assando, por exemplo, e somos remetidos à nossa
infância, à casa dos nossos avós, inclusive sentindo o sabor do bolo que nossas
avós faziam. Isso é fazer memória: reviver uma experiência. No caso da
Eucaristia, como memorial, essa memória se dá por meio dá fé: cremos que, por
força do Espírito, somos simbolicamente transportados ao calvário e ao túmulo
vazio, cada vez que nos reunimos para celebrar a Eucaristia.
A palavra Eucaristia,
por sua vez, precisa igualmente ser revisitada. Como dissemos no primeiro dos
nossos artigos a respeito desta temática, passamos a usar esse termo para se
referir ao Pão e ao Vinho consagrados. Esse uso não é incorreto. Porém, ele não
deve ser reduzido, em sua compreensão, apenas às espécies eucaristizadas. O
significado dessa importante palavra é ação de graças. Logo, quando
celebramos/fazemos “Eucaristia” estamos dando graças sobre o pão e o vinho, na
confiança de que o Espírito Santo atuará sobre esses elementos,
transformando-os em Corpo e Sangue de Cristo, a partir daquilo mesmo que Jesus
disse que fizéssemos: sua memória, a fim de que nós nos tornemos o seu Corpo
Místico.
Damos graças porque,
pelo Espírito do Ressuscitado, podemos fazer comunhão, isto é, partilhar nossa
vida com a vida do próprio Cristo, crescendo na qualidade de filhos e filhas,
pois somos irmanados à filialidade de Jesus. Tudo isso é puro dom salvífico:
tanto o é que, em cada Eucaristia, repetimos não sermos dignos de que sejamos
morada do Corpo e Sangue de Cristo, mas, que, ainda assim, temos a chance de
viver esse momento histórico de salvação. Aqui, temos um ponto fundamental:
tornarmo-nos morada do Corpo e Sangue de Cristo eucaristizados não tem fim, no
ato próprio de comungar. Vai além: é tornarmo-nos Corpo de Cristo, Igreja,
filhos e filhas cada vez mais conformes à vida filial de Jesus. É por isso que
não devemos levar nossa oferta (“pão e vinho” a serem eucaristizados) sem a
reconciliação com os irmãos e irmãs (cf. Mt 5,24), por que como é possível que
comamos e bebamos da vida do Senhor, que nos associa a si, se não vivemos o
amor entre os irmãos que são membros do próprio Corpo?
O memorial no
qual fazemos, em unidade com o Cristo, nossa ação de graças ao Pai, clamando ao
Espírito que transforme nossa oferta e a nós que dela comungaremos em Corpo de
Cristo, é essencialmente comunitário. Isso se esclarece tão logo recordamos que
Jesus se deu no Pão e no Vinho, junto à sua comunidade. É preciso chamar a
atenção para isso, para que superemos as tentações subjetivistas em relação à
Eucaristia, tal como temos visto tão largamente por aí, e que está sendo uma
motivação para esta nossa série de artigos.
Recusar as tendências
subjetivistas no que diz respeito à relação com o Eucaristia não significa,
contudo, que ignoramos ou rechaçamos que ela atue salvificamente também em
nossa subjetividade. Sim, ela atua em nossa subjetividade, pois é aí, nesse
profundo de nós mesmos, que vamos tomando consciência de nosso lugar filial.
Contudo, subjetividade não deve ser confundida com subjetivismo, pois, como já
insistimos nos dois artigos anteriores, essa perspectiva é idolátrica e
fetichista. Redescobrir a Eucaristia, com sua forma sacramental, é um caminho
fundamental para uma religiosidade saudável, com vistas à legítima espiritualidade.
Sobre isso, voltaremos a conversar.
*Felipe Magalhães Francisco é
teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de
poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com
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