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Menina indígena em Manaus |
A Rede Eclesial
Pan-Amazônica, divulgou nesta segunda-feira, 18 de maio uma nota convocando
todos para uma ação unitária em defesa da “Amazônia querida, com todo o seu
esplendor, o seu drama e o seu mistério”.
Vatican News
Colapso estrutural na Amazônia
Uma força enorme de proporções nunca vistas está devastando a
Amazônia, em duas dimensões que se combinam de forma brutal: a pandemia do
Covid-19, atingindo corpos vulnerabilizados, e o aumento descontrolado da
violência sobre os territórios. A dor e o grito dos povos e da terra se fundem
em um mesmo clamor.
“Os povos pediram que a Igreja fosse uma
aliada, uma Igreja que estivesse com eles, uma Igreja que apoiasse o que eles
decidem, o que eles pretendem e de que forma eles pretendem construir o seu
futuro nesse momento tão difícil da pandemia” (Cardeal Dom Cláudio Hummes).
Nos diversos países da Pan-Amazônia, a Igreja está ecoando
apelos e pedidos de socorro, num contexto que ameaça a sobrevivência desse
bioma e de seus povos.
Na Bolívia1 , os povos indígenas denunciam o governo por falta de
coordenação e de consulta na prevenção e combate à pandemia; destacam,
inclusive, que todas as informações não são divulgadas nos idiomas originários
reconhecidos pela Constituição.
Na Colômbia2 , os bispos reconhecem os esforços do governo, mas
ressaltam que “os indígenas, camponeses e afrodescendentes são os
grupos mais em risco, porque já se encontravam em situação de pobreza
estrutural, em condições de insegurança alimentar e desnutrição, sem acesso à
saúde e à água potável”.
A insegurança alimentar dos povos indígenas é uma preocupação
também na Venezuela3 , onde esses povos sentem-se ameaçados pelo
possível contágio por meio das atividades de mineração ilegal em seus
territórios e a passagem por suas terras dos migrantes venezuelanos que voltam
ao país. Os indígenas estão tomando medidas de isolamento e controle
territorial, bem como de intensificação dos cultivos nos territórios locais,
para garantir sua soberania alimentar.
No Brasil, 32 procuradores do Ministério Público Federal4 declararam
que “o cenário de risco de genocídio dos povos indígenas reclama ações
emergenciais dos órgãos e entes públicos”. A Mobilização Nacional Indígena
afirma que há “uma evidente intencionalidade do governo de impedir que o
Subsistema de Atenção à Saúde Indígena funcione” 5 .
No Peru há preocupação pela situação de vários povos amazônicos –
entre eles, muitos indígenas – que migraram para as cidades em busca de
trabalho e se encontram totalmente desprotegidos. Os bispos da Amazônia peruana6
exortam as autoridades a apoiar seu retorno às comunidades e a garantir que
isso se cumpra conforme os protocolos estabelecidos pelo Ministério de Saúde.
A Aliança de Parlamentares Indígenas de América Latina pede que
a Organização Mundial da Saúde recomende aos países da região a priorização de
medidas específicas para garantir a proteção da vida dos povos indígenas diante
da grave pandemia global.
A Coordenadoria das Nações Indígenas da Bacia Amazônia (COICA)
solicita contribuições para um Fundo de Emergência da Amazônia, para proteger
os 3 milhões de habitantes da floresta tropical que são vulneráveis ao novo
coronavírus.
A Igreja Católica, por sua parte, vem fazendo muitos esforços,
particularmente por meio das Cáritas de cada região, para contribuir com
recursos materiais e econômicos, bem como com a solidariedade e o apoio
espiritual.
O vírus da violência e do saque da Amazônia
No ataque devastador à Amazônia outro vírus continua ameaçando
os povos e a floresta. A Frente Parlamentar mista para os Direitos dos Povos
Indígenas no Brasil denuncia que “mesmo quando a pandemia freia a economia, o
garimpo e o desmatamento ilegal em terras indígenas do continente permanecem a
todo vapor”7 .
No Equador8 , a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) condena o rompimento
do Sistema de Oleoduto Transequatoriano e do Oleoduto de Crudos Pesados,
ocorrido no dia 7 de abril de 2020, que provocou um grave derrame de petróleo e
afetou aproximadamente 97.000 pessoas que vivem à beira dos rios Coca e Napo.
Os 67 bispos da Amazônia brasileira associam a atual crise
socioambiental desse bioma ao notório afrouxamento das fiscalizações e ao
contínuo discurso político do governo federal contra a proteção ambiental e as
áreas indígenas protegidas pela Constituição Federal. Já se vislumbra “uma
imensa tragédia humanitária causada por um colapso estrutural”9 .
Os bispos denunciam, em particular, os projetos de lei para
mineração em terras indígenas e medidas parlamentares que tentam definir uma
nova regularização fundiária no Brasil, eliminando a reforma agrária, a
regularização de territórios dos povos originários e tradicionais, favorecendo
a grilagem de terras, o desmatamento e os empreendimentos predatórios,
regularizando as ocupações ilegais feitas pelo agronegócio mineração em terras
indígenas.
A mineração preocupa também o Policy Forum Guyana,
que denuncia que as atividades extrativas destroem a floresta e a circulação de
mineiros e caminhoneiros são um perigoso veículo de contágio para as
comunidades do interior do país. A extração de ouro foi declarada atividade
essencial pelo governo e, provavelmente, vai aumentar ainda, por causa da
recessão provocada pela Covid-19 e o aumento do preço mundial deste metal.
Ao comentar o aumento preocupante da violência no campo, a
Comissão Pastoral da Terra do Brasil (CPT Nacional) 10 afirma que, em 2019, a
grande maioria dos assassinatos por conflitos rurais no país (84%) aconteceram
na Amazônia.
Por estas denúncias, em vários contextos da Pan-Amazônia a
Igreja vem sendo caluniada e atacada, como aconteceu recentemente com as
vergonhosas e infundadas acusações, que repudiamos, da Fundação Nacional do
Índio (FUNAI – órgão do governo federal brasileiro) contra o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI) 11 .
Ação global em defesa da Amazônia
O cuidado das pessoas e o cuidado dos
ecossistemas são inseparáveis. A sabedoria dos povos nativos da Amazônia
“inspira o cuidado e o respeito pela criação, com clara consciência dos seus
limites, proibindo o seu abuso. Abusar da natureza significa abusar dos
antepassados, dos irmãos e irmãs, da criação e do Criador, hipotecando o
futuro”.
Os indígenas, “quando permanecem nos seus
territórios, são quem melhor os cuida”. (Querida Amazônia, n. 42)
Encontramo-nos num momento decisivo para a Amazônia e para o
mundo, tempo de gestação de novas relações inspiradas na ecologia integral, ou
de definitivo enterro dos sonhos do Sínodo, se o medo, os interesses
econômicos, a pressão dos detentores dos grandes capitais deixarem que se
imponha cada vez mais forte o modelo desta “economia que mata” (EG 53).
O papa Francisco faz um chamado urgente à solidariedade
planetária: “Este não é o tempo da indiferença (…), do egoísmo (…), da divisão
(…), do esquecimento. Que a crise que estamos afrontando não nos faça deixar de
lado tantas outras situações de emergência que trazem consigo o sofrimento de
muitas pessoas” 12 .
José Gregório Díaz Mirabal, membro do povo Wakuenai Kurripako,
originário da Amazônia venezuelana e coordenador-geral da COICA, resume: “É um
apelo dos povos indígenas da Amazônia, porque estão nos ignorando”.
A REPAM chama a uma ação unitária os povos indígenas amazônicos, a sociedade civil da PanAmazônia e do mundo, a Igreja Católica e todas as denominações religiosas preocupadas para com o cuidado da Criação, os governos, as instituições internacionais de direitos humanos, a comunidade científica, os artistas e todas as pessoas de boa vontade, para juntarem esforços em defesa da “Amazônia querida, com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério” (QA 1).
Card. Claudio Hummes, OFM Card.
Presidente
Pedro Barreto Jimeno, SJ
Vice-presidente
Mauricio López O.
Secretário Executivo
Comitê Diretivo Rede Eclesial Pan-Amazônica –REPAM
18 de maio de 2020
Notas:
1 Pronunciamiento de los pueblos indígenas de las tierras bajas
de Bolivia frente a la emergencia sanitaria por el Covid19, 28.04.2020
2 Comunicado de los obispos de la Amazonía y Orinoquia
colombiana - A las autoridades y a toda la ciudadanía de Colombia
3 Informações de Minerva Vitti - Centro Gumilla e Repam
Venezuela
4 Covid-19: MPF recomenda ações emergenciais de proteção à saúde
dos povos indígenas, disponível em: http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/noticias-df/covid-19-2013-mpf-recomenda-acoes-emergenciais-de-protecaoa-saude-dos-povos-indigenas
6 Comunicado de los obispos de los vicariatos apostólicos de los
obispos de la Amazonía peruana - A las autoridades y a toda la ciudadanía del
Peru, 22 de abril de 2020.
7 Carta aberta da Frente Parlamentar Mista em defesa dos
direitos dos povos indígenas ao Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde,
05 de maio de 2020.
8 https://redamazonica.org/2020/04/repam-ecuador-derramamiento-de-petroleo-en-la-amazonia/
9 Nota dos bispos da Amazônia brasileira sobre a situação dos
povos e da floresta em tempos de pandemia da covid-19
10 https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/5167-conflitos-no-campo-brasil-2019
11 http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/6079-osfatos
12 Mensagem Urbi et Orbi, 12 de abril de 2020
Fonte:Vatican News
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