CONHEÇA A VIDA DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA (OU LISBOA)
Fachada da Igreja de Santo Antônio em Lisboa. (Reprodução/ LisbonLux)
Nascido em Lisboa, mas tendo vivido
em Pádua, o santo português é celebrado pela Igreja nesta quarta-feira, 13 de
junho.
Retalhos da vida de um
Pregador
Por Maria Luís V.
Paiva Boléo
Lisboa está cheia de
testemunhos de Santo Antônio – o seu santo mais querido e popular. Os museus e
bibliotecas portuguesas possuem quase tudo o que um erudito pode querer saber
sobre este português fora do vulgar, que viveu nos primórdios da nacionalidade.
Porém para a maioria dos lisboetas que não vão às bibliotecas e raramente aos
museus, o dia 13 de Junho não passa de um agradável feriado em honra de Santo
Antônio, onde se aproveita para ir comer caldo verde e sardinhas assadas, de
preferência junto aos bairros da Sé e ver as marchas populares.
As crianças já não
pedem umas moedas para enfeitar o trono do Santo e as meninas solteiras
provavelmente já não lhe pedem um namorado. Tanta popularidade, mais de
oitocentos anos depois do seu nascimento, leva-nos a recordar aspectos da vida
deste santo, passada entre Lisboa, Coimbra e Pádua.
Desde 1140 que D.
Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, tentava a conquista de Lisboa aos
Mouros, feito que só teve êxito sete anos depois, em 1147, depois de prolongado
cerco imposto aos aguerridos Almóadas e com o oportuno apoio dos Cruzados, em
número treze mil (grande exército de homens cristãos que vieram do Norte da Europa,
rumo à Terra Santa, para expulsarem os Muçulmanos. Usavam uma cruz de pano como
insígnia, daí o seu nome. Houve oito Cruzadas desde 1096 a 1270).
Lisboa era pois uma
cidade recém-cristã, quando na sua catedral foi a batizar o menino Fernando
Martins de Bulhões – Santo Antônio, filho da fidalga D. Teresa Tavera,
descendente de Fruela, rei das Astúrias e de seu marido Martinho ou Martins de
Bulhões. Há dúvidas quanto ao sobrenome do pai, bem como se era ou não
descendentes de cavaleiros celtas. Sabe-se sim que D. Teresa nascera em Castelo
de Paiva e o marido numa terra próxima. Viviam em casa própria no bairro da Sé
quando o recém-nascido veio a este mundo, no ano de 1145, embora alguns apontem
como data de nascimento 1190 ou 1191.
Fernando frequentou a
escola da Sé e até aos 15 anos viveu com os pais e com uma irmã de nome Maria.
Aos 20 anos professou nos Cônegos Regrantes de Santo Agostinho em Lisboa, no
Mosteiro de São Vicente de Fora. Nesta ordem monástica prosseguirá os seus
estudos teológicos.
Rumou a Coimbra ao
mosteiro de Santa Cruz, onde tinha à sua disposição a melhor biblioteca monacal
do País. Nesse tempo era a abadia de Cluny, em França, que possuía uma das
maiores bibliotecas da Europa, com um total de 570 volumes manuscritos, porque
ainda não tinha sido inventada a imprensa. Aqui em Coimbra, sendo já sacerdote
toma o hábito de franciscano, em 1220. Segundo os seus biógrafos, Santo Antônio
terá lido muito, e não foi por acaso que se tornaria pregador.
O mundo cristão vivia
intensamente a época das Cruzadas. A chamada "guerra santa"
desencadeada contra o Islã. E da parte dos Muçulmanos dava-se a inversa, luta
contra os cristãos. Ambos acreditavam que a fé os levaria à vitória. De Oriente
a Ocidente os exércitos batalham, e neste turbilhão surgem novas formas de
espiritualidade. Em 1209 Francisco de Assis (S. Francisco) abandona o conforto
e luxo da casa paterna, para, com outros companheiros, se recolher numa pequena
comunidade, dando origem a uma nova reflexão sobre a vivência do Evangelho. É a
aproximação à Natureza, à vida simples e à redescoberta da dignidade da pobreza
preconizada pelos primeiros cristãos. Em poucos anos, homens e mulheres, alguns
ainda bem jovens e filhos de famílias abastadas e poderosas sentem-se atraídos
por esta vida de despojamento e sacrifício, com os olhos postos no exemplo de
Cristo. A Portugal também chegaram ecos deste novo misticismo.
Em Janeiro de 1220 são
degolados em Marrocos, pelos muçulmanos, cindo frades menores (franciscanos) e
todo o mundo cristão sofre um enorme abalo. A própria Clara de Assis (Santa
Clara), praticamente da mesma idade que Santo Antônio (nasceu em 1193 ou 1194)
vai querer partir para Marrocos para converter os sarracenos, mas Francisco de
Assis seu amigo de infância e seu orientador espiritual não lhe permite.
Por cá o nosso futuro
Santo Antônio, já ordenado padre, decide mudar de Ordem religiosa e também ele
passa a envergar o hábito dos franciscanos.
É nesta ocasião que
muda o nome de batismo de Fernando para Antônio e vai viver com outros frades
no ermitério de Santo Antão (ou Antônio) dos Olivais, na altura um pouco
afastado de Coimbra, nuns terrenos doados por D. Urraca, mulher do rei D.
Afonso II.
Em meados de 1220
chegam, com grande pompa religiosa, ao convento de Santa Cruz de Coimbra, as
relíquias dos mártires de Marrocos e esse acontecimento vai ser decisivo no
rumo da vida de Santo Antônio. Parte para Marrocos, sentindo também ele que é
chamado a participar na conversão dos chamados infiéis. Porém adoece gravemente
e não podendo cumprir aquilo a que se propunha, teve de embarcar de regresso a
Lisboa. Só que o barco é apanhado numa tempestade e o Santo vê o seu itinerário
alterado ao sabor de uma vontade superior. Acaba por aportar à Sicília num
período de grandes conflitos armados entre o Papa Gregório IX e o rei da
Sicília, Frederico II. Relembra-se que várias regiões do que é hoje a Itália
unificada eram reinos independentes e este ambiente de guerras geradoras de
insegurança e perigos.
Em Maio de 1221 os
franciscanos vão reunir-se no chamado Capítulo Geral da Ordem, onde Santo
Antônio está presente. No final os frades regressam às suas comunidades de
Montepaolo, perto de Bolonha, onde, a par da vida contemplativa e de oração,
cabe também tratarem das tarefas domésticas do convento. Aqui os outros frades
reparam na grande modéstia daquele estrangeiro (Santo Antônio) e jamais
suspeitaram dos seus profundos conhecimentos teológicos. Findo aquele período
de reflexão, como que um noviciado, os frades franciscanos são chamados à
cidade de Forlì para serem ordenados e Santo Antônio é escolhido para fazer a
conferência espiritual. E começa a falar. Ninguém até ali percebera até que
ponto ele era conhecedor das Escrituras e como a sua fé e os seus dotes
oratórios eram invulgares.
Pelo que se sabe
quando começou a falar imediatamente cativou os outros frades e a sua vida
seria a partir daquele dia de pregador da palavra de Cristo. Percorrerá
diversas regiões da atual Itália, entre 1223 e 1225. Por sugestão do próprio
São Francisco vai ser mestre de Teologia em Bolonha, Montpelier e Toulouse.
Quando S. Francisco
morre, em 1226, Santo Antônio vai viver em Pádua. Aqui vai começar por fazer
sermões dominicais, mas as suas palavras tão cheias de alegorias eram de tal
modo acessíveis ao povo mais ou menos crente, que passam palavra e casa vez
mais se junta gente nas igrejas para o ouvir. Da igreja passa para os adros
para conter as multidões que não param de engrossar. Dos adros passa a falar em
campo aberto e é escutado por mais de 30 mil pessoas. É um caso raro de
popularidade. A multidão segue-o e começa a fama de que faz milagres. Os
rapazes de Pádua têm mesmo que fazer de guarda-costas do Santo português tal a
multidão à sua volta. As mulheres tentam aproximar-se dele para cortarem uma pontinha
do seu hábito de frade como uma relíquia.
O bispo de Óstia, mais
tarde papa com o nome de Alexandre IV, pede-lhe que escreva sermões para os
dias das principais festas religiosas que eram já muitas na época. Mais tarde
seria este papa a canonizá-lo. Santo Antônio assim faz. São hoje
importantíssimos esses documentos escritos, porque Santo Antônio como pregador
escreveu pouco. Apenas lhe são atribuídos Sermones per Annum
Dominicales (1227-1228) e In Festivitatibus Sanctorum Sermones (1230).
Sentindo-se doente, o
santo pediu que o levassem para Pádua onde queria morrer, mas foi na
trajetória, num pequeno convento de Clarissas, em Arcela, que Santo Antônio
"emigrou felizmente para as mansões dos espíritos celestes". Era o
dia 13 de Junho de 1231.
Depois, como é sabido,
foi canonizado, em 1232, ainda se não completara um ano sobre a sua morte. Caso
único na história da Igreja Católica. Já que nem São Francisco de Assis teve
tal privilégio.
Os santos como Santo
Antônio, há muito que desceram dos altares para conviverem conosco, os simples
mortais, que tomamos como nosso protetor e amigo. O seu suntuoso sepulcro, em
mármore verde em Pádua, na igreja de Santo Antônio é o tributo do povo que o
amou e é muito mais do que um lugar de peregrinação e de oração. Através dos
séculos, a sua fama espalhou-se por todos os continentes. No dia 13 de Junho de
cada ano, Lisboa e Pádua comemoram igualmente a passagem por este mundo de um
português que pregou a fé e morreu em Pádua. Como todos os santos é universal.
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