José Ornelas, o novo presidente da CEP: ter uma atitude de diálogo da Igreja com a sociedade de que faz parte é uma das suas prioridades. Foto © Paulo Rocha/Agência Ecclesia |
O
bispo de Setúbal, José Ornelas, 66 anos, foi eleito na manhã desta terça-feira,
16 de Junho, para o cargo de presidente da Conferência Episcopal Portuguesa
(CEP), substituindo o patriarca de
Lisboa. Virgílio Antunes, 58 anos, bispo de Coimbra, foi eleito para
vice-presidente. Ambos integravam já o conselho permanente da CEP, como vogais,
no mandato que agora cessou.
A
escolha dos dois lugares de liderança é inovadora, já que é a primeira vez que
neles não está representada nenhuma das principais dioceses do país (Lisboa,
Porto, Braga, Leiria-Fátima e Évora, esta última por ser sede “metropolita”, ou
seja, funcionando como tribunal de recurso às dioceses do Sul em casos de
justiça canónica). É também a primeira vez que o presidente da CEP é um bispo
oriundo de uma congregação religiosa – os Sacerdotes do Coração de Jesus, ou
dehonianos.
Nas
suas primeiras declarações, o agora presidente da CEP afirmou, à agência Ecclesia,
que os bispos devem ser o “primeiro sinal da união da Igreja em Portugal” e que
pretende promover uma atitude de “diálogo com a sociedade” de que a Igreja
Católica faz parte. Acrescentou que os bispos estão unidos nos “temas
fundamentais”, mas admitiu que é necessário “coordenar” as atividades conjuntas
“mais solidariamente”.
Se
a eleição dos dois lugares de topo trouxe novidades absolutas, já nas restantes
votações os 28 bispos presentes e votantes decidiram manter o essencial: no
conselho permanente, a escolha recaiu sobre nomes óbvios (à excepção de um);
nas sete comissões sectoriais mudaram apenas os dois presidentes que tinham
cumprido dois mandatos seguidos (limite máximo permitido pelos estatutos).
Veja-se
ao pormenor: para vogais do conselho permanente, além do patriarca de Lisboa
que tem lugar por inerência, foram escolhidos os bispos do Porto,
Leiria-Fátima, Évora e Bragança. Ou seja, os responsáveis da segunda diocese do
país (primeira em população), da “capital” religiosa (Leiria) e da sede
metropolita do Sul. O único “intruso” é o bispo de Bragança, José Cordeiro, que
já era vogal no mandato anterior.
Os
desequilíbrios regionais do país sentem-se também na configuração hierárquica
da Igreja: as dioceses com mais “peso” são fundamentalmente as do litoral entre
Braga e Setúbal.
Numa
altura em que se prepara a sucessão do arcebispo de Braga, José Cordeiro e
Virgílio Antunes são dois dos nomes que têm sido referidos como prováveis
candidatos ao lugar. A eleição de ambos para o conselho permanente confirma
esse sinal – com a ligeira “vantagem” para D. Virgílio, votado para
vice-presidente (sendo que não são os restantes bispos que escolhem o futuro
arcebispo, mas têm uma palavra a dizer nesse processo).
José Ornelas, nesta terça-feira em Fátima: episcopado precisa de se
coordenar “mais solidariamente”. Foto © Paulo Rocha/Agência Ecclesia
Comissões sectoriais:
(quase) tudo na mesma
Precisamente
o bispo de Bragança foi um dos que teve de sair da comissão a que presidia
(Liturgia e Espiritualidade, já que é especializado nessa área), tendo sido
eleito, para o seu lugar, Anacleto Oliveira, bispo de Viana do Castelo, que
está prestes a completar 74 anos. Para a outra comissão que tinha de mudar de
presidente (Missão e Nova Evangelização) foi escolhido Armando Esteves,
auxiliar do Porto e do bispo que deixou o cargo (Manuel Linda). Além de ser o
único auxiliar a ter sido eleito, D. Armando pode ter aqui um lugar condizente
com as suas perspectivas alinhadas pelo Papa Francisco.
Nas
restantes comissões, mantêm-se por mais três anos os
seus presidentes: António Moiteiro (Aveiro), na Educação Cristã e Doutrina da
Fé; José Traquina (Santarém), na Pastoral Social e Mobilidade Humana; Joaquim
Mendes (auxiliar de Lisboa), no Laicado e Família; António Augusto Azevedo
(Vila Real) nas Vocações e Ministérios; e João Lavrador (Angra) na Cultura,
Bens Culturais e Comunicações Sociais.
Na
assembleia plenária – prevista para Abril e adiada por causa do estado de
emergência que vigorava no país – foram debatidas a situação e as perspectivas
do país a nível social, económico e eclesial, neste tempo pós-pandemia. A CEP
elaborou um documento que pretende ser um “contributo” da Igreja Católica em
Portugal para o “diálogo social” a partir da emergência que se vive.
“Temos
de construir um mundo que não seja totalmente igual. Que utilize todas as
riquezas que temos, mas também seja capaz de sonhar mundos novos e que
aprendamos dos esforços todos que se fizeram neste tempo para construir uma
humanidade melhor para todos”, disse a propósito, D. José Ornelas.
Manifestando-se
surpreendido pela votação, com “receio” pelo cargo e pela necessidade de
articular o governo da diocese com o novo lugar e ainda grato aos seus
antecessores na liderança da CEP, o bispo Ornelas manifesta-se convicto de que
o actual momento é determinante para “criar perspectivas novas para um mundo
renovado e ao mesmo tempo integrado em todas as suas dimensões”.
Bispo
desde 2015, nomeado para Setúbal, a sua escolha teve a intervenção pessoal do
Papa, que o chamou quando José Ornelas Carvalho se preparava para deixar o
lugar de responsável mundial pelos dehonianos e partir em missão para Angola.
“Setúbal
é terra de missão”, disse-lhe o Papa, trocando-lhe as voltas. José Ornelas já
mostrou querer cumprir o voto do Papa, tendo aparecido a chamar a atenção para
problemas sociais como os dos estivadores do porto de Setúbal,
em Novembro de 2018, ou do racismo e da pobreza, como mais recentemente em
relação ao bairro da Jamaica (Seixal). “O racismo, a injustiça e a exclusão”
não têm lugar na Igreja Católica, disse na ocasião, considerando que a situação
naquele bairro é “uma vergonha para o país”, pois as pessoas que ali moram
precisam de “uma habitação digna”.
“Sujar as mãos” e trazer o sonho à vida
Nascido
a 5 de janeiro de 1954, no Porto da Cruz (Madeira), José Ornelas entrou nos
dehonianos (congregação fundada no século XIX pelo padre francês Léon Déhon) e
foi ordenado padre na sua terra natal, em 1981. Especializou-se depois em
Ciências Bíblicas, tendo lecionado na Universidade Católica Portuguesa durante
15 anos, em dois períodos entre 1983 e 2003.
Em
2000 passou a dirigir os destinos da congregação em Portugal e, dois anos
depois, foi eleito para superior geral dos dehonianos, passando a residir em
Roma até 2015, quando foi escolhido como terceiro bispo de Setúbal. Seguia a
peugada de D. Manuel Martins, que ficara conhecido pela sua capacidade de
intervenção social, junto dos mais pobres e desfavorecidos.
Como
superior dos dehonianos, uma das suas primeiras visitas foi às comunidades do
Congo, no pós-guerra civil: apanhou tifo e malária ao mesmo tempo, sentiu “o
sofrimento e a dificuldade de poder ajudar”. E percebeu que a fome e a miséria
são realidades dramáticas “onde se toca o mais doloroso da humanidade”, como
confessava numa entrevista em 2010, no Público.
Antes
disso, já tinha estado em Luanda, onde viu as revoltas dos musseques, e em
Moçambique, onde acompanhou a independência em 1975 e o “descalabro do sonho,
os campos de concentração, as nacionalizações” que se lhe seguiu.
Para
não se desiludir por completo, foi estudar Bíblia para Roma, em 1976. Queria
aprender a “sujar as mãos com a realidade de cada dia e a querer que o sonho
inspire a vida”. A Bíblia, que considera a sua “raiz”, não é “um livro escrito
no passado, é um confronto da alma humana com Deus”, dizia na entrevista
citada.
Em
Roma, onde pensava não voltar a viver depois de ter feito o curso, apreciava o
carácter “internacional e multicolor” da cidade, mas lidava mais dificilmente
com “a impressão de ‘nadar’ em água benta.” E deixava-se espantar com o “espaço
livre e a amplitude da Basílica de São Paulo”, mas ainda mais com o Panteão,
“para deixar a emoção estética” dominá-lo.”
Acerca
da perspectiva comunitária da vida da Igreja, acrescentava, a partir da sua
experiência numa comunidade religiosa: “Temos de mudar. Um dos grandes temas da
vida religiosa é a comunhão. As comunidades nunca serão perfeitas, mas temos
que fazer da vida comunitária o centro do nosso estilo de vida.”
José Ornelas, o novo presidente da CEP: ter uma atitude de diálogo da Igreja
com a sociedade de que faz parte é uma das suas prioridades. Foto © Paulo
Rocha/Agência Ecclesia
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